I – Introdução
O sistema processual civil brasileiro garante o direito de acesso aos meios de prova. A prática forense, entretanto, demonstra que há dificuldades concretas que impedem o amplo exercício deste direito.
Muitos destes problemas se devem à notória morosidade e ineficiência do aparelho judiciário nacional, em praticamente todas as esferas e instâncias. Em diversas situações, entretanto, mesmo ignorando os problemas do Poder Judiciário brasileiro, ocorrem dificuldades inerentes à demonstração de certas situações de fato, especialmente aquelas em que há diversos eventos envolvidos (assembléias societárias, por exemplo), ou em que as impressões sobre certa situação devem ser captadas em pouco tempo, ou em um período de tempo prolongado.
O maior acesso aos meios de gravação e reprodução de imagens e sons, nos últimos anos, certamente contribuiu para facilitar a demonstração de fatos em juízo. Mas ainda há eventos que podem ser melhor comprovados por meio das impressões de uma pessoa que os presenciou, e que pode, através de uma narrativa isenta e precisa, oferecer ao juiz elementos de convicção seguros.
É neste contexto que a ata notarial deve ser estudada. Há inúmeras situações em que meios de gravação e reprodução de imagens e sons simplesmente não são adequados à correta compreensão de uma situação ou evento.
Em última análise, a ata notarial bem executada, consistente em uma narrativa precisa, detalhada e isenta de fatos ou eventos, apresenta as vantagens das provas pessoais, uma vez que seu conteúdo é formulado por uma pessoa com plena capacidade de interpretação das impressões que seus sentidos lhe fornecem. Considerando que este meio de prova pode, ainda, ser complementado com documentos adicionais (registros fotográficos, fonográficos, etc), verifica-se que tal instrumento possui potencial para embasar um quadro probatório extremamente sólido.
O presente trabalho visa verificar quais as limitações inerentes à ata notarial, tanto no que diz respeito à sua formação quanto no que diz respeito à sua utilização frente aos meios de prova típicos previstos no Código de Processo Civil.
O sistema processual civil brasileiro, baseado em um modelo constitucional de princípios e garantias típicos de um Estado Democrático de Direito, assegura aos jurisdicionados o direito à prova.
Este direito é definido por Cândido Rangel Dinamarco da seguinte forma.
“Direito à prova é o conjunto de oportunidades oferecidas à parte pela Constituição e pela lei, para que possa demonstrar no processo a veracidade do que afirmam em relação aos fatos relevantes para o julgamento.”[1]
O direito à prova, um dos mais importantes princípios inerentes à garantia do devido processo legal, constitui atualmente um pilar do processo. No sistema processual civil brasileiro, este é inferido de determinados textos genéricos constantes na própria Constituição Federal, e é igualmente afirmado pelo disposto no art. 332 do Código de Processo Civil, que estabelece que “todos os meios legais, bem como os moralmente legítimos, são hábeis para provar a verdade dos fatos em que se funda a ação ou defesa”.
O dispositivo mencionado fala em meios, não em fontes de prova.
Embora ainda existam divergências doutrinárias, e o próprio texto do Código de Processo Civil confunda os termos, atualmente é aceito que fontes de prova são elementos que existem fora do processo, e que podem inclusive existir antes dele, enquanto meios de prova são técnicas processuais utilizadas para acessar as fontes, e delas extrair a informação dos fatos relevantes para a causa.
De todo modo, prevalece atualmente que o direito à prova, conforme fixado no art. 332 do CPC, visa assegurar tanto o emprego dos meios de prova quanto a possibilidade de a eles submeter os elementos externos úteis ao processo, as fontes. Isto é possível, desde que estes elementos tenham sido obtidos por modos legítimos.
Já na Constituição Federal, o direito à prova integra o conjunto de garantias do justo processo fixado por meio dos princípios do contraditório e da ampla defesa, sendo que a observância destes princípios é resumida pela garantia do devido processo legal (art. 5.º, LIV e LV). Portanto, e sob o ponto de vista do modelo processual constitucional, o direito à prova é a possibilidade de acesso às fontes e de utilização dos meios de prova, desde que tal atividade não resulte na descaracterização do justo processo.
As fontes de provas (ou seja, os elementos externos ao processo, utilizados para a formação do convencimento do juiz), ainda segundo o entendimento de Dinamarco, podem ser divididas em provas reais e provas pessoais.
São reais as fontes passivas de provas, sobre as quais o juiz e seus auxiliares realizam atividades, sem que seu objeto tenha qualquer participação (p.ex. documentos, coisas, e pessoas, estas últimas quando submetidas à atividade probatória externa, como perícias). Já as fontes de provas pessoais são as fontes ativas, que participam da produção de elementos de convicção (p.ex. testemunhas e as próprias partes, quando da tomada de depoimento pessoal).
Diante deste quadro geral do direito à prova, surge a questão das provas impróprias, admitidas expressamente pelo artigo 332 do Código de Processo Civil como “todos os meios legais, bem como os moralmente legítimos”.
O sistema processual civil brasileiro não estabelece um rol taxativo de meios de prova, ou seja, de técnicas processuais utilizadas para acessar as informações contidas nas fontes probatórias. Fontes de provas pessoais ou reais podem ser acessadas por qualquer meio ou técnica, desde que respeitados os princípios do devido processo legal.
É neste contexto que o presente trabalho busca definir os contornos da ata notarial como um meio de prova. Quais são os limites deste meio de prova, no que diz respeito à garantia constitucional do devido processo legal? Estes limites implicam na impossibilidade de acesso a determinadas fontes probatórias por meio da ata, por disposição legal específica?
É igualmente relevante o estudo da ata notarial no que diz respeito à competência funcional do tabelião, sob o ponto de vista da fé pública (e decorrente presunção de veracidade) de suas declarações, tais como fixadas naquele instrumento, e no que tange à própria possibilidade de utilização judicial da ata, considerando a competência daquele órgão.
Todos estes pontos serão abordados de maneira crítica, mas não exaustiva, no presente trabalho.
O sistema processual civil brasileiro, como já visto, admite expressamente as provas atípicas, ou seja, aquelas que não se encontram estabelecidas de maneira expressa no texto legal – em termos mais precisos, o sistema admite a utilização de meios de prova não previstos de maneira expressa no texto normativo, não havendo que se falar em hierarquia entre eles.
Como bem expõe Cássio Scarpinella Bueno, em certas questões a norma exige, para a demonstração de um fato, a apresentação de certo documento, excluindo a possibilidade de outros meios de prova demonstrarem aquele evento: fora esta hipótese, provas típicas e atípicas possuem a mesma força probante.
“De resto, não há razão para sustentar a existência de qualquer hierarquia entre os diversos meios de prova expressamente admitidos (“provas típicas”) ou não rejeitadas pelo direito brasileiro (“provas atípicas”). O que ocorre, por vezes, é que a própria lei material exige, como prova da existência de um ato ou fato jurídico, um específico documento (um instrumento pré-concebido para fazer prova do ato ou fato no futuro) e, consequentemente, os demais meios de prova não têm o condão de comprová-lo.”[2]
É possível, neste ponto, traçar um paralelo entre os requisitos de admissibilidade da prova atípica no sistema processual civil brasileiro e aqueles estabelecidos no sistema italiano, conforme definidos por Luigi Paolo Comoglio.
Segundo aquele autor[3], tais requisitos são os seguintes.
a) A inviolabilidade do contraditório e do direito de defesa da parte, a ser exercido tempestivamente e preventivamente na aquisição e valoração da eficácia da prova em processo diferente, na qual esta será reutilizada.
b) A inviolabilidade do direito à prova contrária, de que as partes do novo processo que sofrem o efeito da prova atípica devem usufruir.
c) A absoluta inadmissibilidade da prova, coletada ou formada em outra sede (judiciária ou administrativa), fora do contraditório das partes em litígio, a qual possa exercer uma eficácia vinculante de “prova plena” no outro processo no qual se pretende utilizá-la, em prejuízo daquele que não teve a oportunidade de defender-se previamente naquela sede anterior.
d) A inutilidade da prova atípica, documental ou constituenda, que foi formada ou encontrada em violação às proibições probatórias, legais ou constitucionais;
e) A inutilidade, em forma atípica, da prova típica viciada com nulidade ou causa de inadmissibilidade, mesmo se formada ou encontrada em outro processo;
f) A exigência de uma adequada e correta motivação do juiz, acerca de critérios racionais de valoração diferenciada da idoneidade probatória, confiança e da eficácia de tal prova.
O item “c”, acima, é de aplicação discutível no sistema brasileiro, especialmente considerando as diversas restrições que Comoglio faz à prova atípica no sistema italiano, e que consideramos inaplicáveis ao sistema brasileiro, especialmente tendo em vista o art. 332 do CPC atual.
De todo modo, os critérios de admissibilidade da prova atípica, conforme propostos por aquele autor, encontram um efetivo paralelo com as restrições à prova atípica ínsitas ao modelo brasileiro: a prova atípica não pode agredir os parâmetros do ordenamento, expressos ou implícitos na Constituição Federal. A prova não pode contrariar o ordenamento jurídico e, mesmo sendo em si lícita (conforme o ordenamento jurídico), não pode ser obtida de forma de forma ilícita (contrária ao ordenamento jurídico).
Isto significa que qualquer meio, qualquer técnica processual é válida e legítima para possibilitar o acesso às informações relevantes contidas em elementos estranhos ao processo – as fontes de prova – com o objetivo de formar a convicção do juiz, desde que não haja ofensa ao devido processo legal em seu sentido amplo (material e processual). Segundo o entendimento da doutrina atual, o direito à prova deve ser interpretado em conjunto com o princípio do contraditório, conforme estabelece João Batista Lopes[4].
“A especial atenção dedicada pela doutrina às provas atípicas justifica-se à luz da moderna concepção do princípio do contraditório, que não se exaure no binômio informação-reação, mas inclui o direito à prova, assim entendido:
a) o direito de indicar os meios pertinentes para demonstrar a existência dos fatos alegados;
b) o direito de produzir efetivamente as provas pertinentes e adequadas ao caso;
c) o direito de demonstrar que as provas produzidas pelo adversário não são concludentes ou idôneas;
d) o direito à valoração da prova segundo critérios técnicos admitidos pelo sistema.”
Portanto, nenhum meio de prova pode dificultar a defesa da parte contrária em uma demanda judicial, e nenhum meio de prova pode implicar, por si só, em ofensa à lei material, seja no que diz respeito ao meio em si, seja quanto à sua forma de obtenção. Afora estes pontos, qualquer técnica de acesso aos elementos probatórios é admissível em um processo.
Estabelecidos estes pressupostos, deve-se afirmar que a ata notarial não é um simples documento, e portanto não constitui prova típica, mas atípica. Trata-se afinal, como se verá adiante, de um instrumento público formulado com o propósito de registrar e dar publicidade a determinados fatos.
Mais relevante, sua utilização em juízo não ofende o ordenamento jurídico brasileiro, uma vez que a formação e a utilização deste instrumento não implicam em qualquer ofensa às normas de direito material ou processual.
Em primeiro lugar, existe previsão legal para a formação do instrumento denominado ata notarial (o artigo 7.º da Lei 8.935/94, que será estudado em detalhes adiante), de modo que não se pode falar em ofensa à norma de direito material no que diz respeito à formação da prova em si, ou à sua obtenção.
Por outro lado, a utilização do instrumento em juízo não ofende as normas de direito processual que informam o devido processo legal, no que diz respeito aos princípios do contraditório e da ampla defesa. O sistema processual civil brasileiro admite meios de prova pré-constituídos, como a prova documental, sendo que para fins de exercício do direito ao contraditório (especialmente no que diz respeito à produção de contraprovas), a ata notarial pode ser comparada a um documento.
E considerando os parâmetros desenvolvidos por Comoglio, acima mencionados, quanto à admissibilidade da prova atípica, e considerando as peculiaridades da produção e da utilização em juízo da ata notarial, é possível concluir o seguinte.
O meio de prova em estudo não impede, por sua natureza, o direito à produção de prova contrária, desde que este seja utilizado de forma oportuna, considerando o fenômeno da preclusão (artigo 183 do Código de Processo Civil)
Por outro lado, o artigo 225 do Código Civil estabelece de forma expressa que “as reproduções fotográficas, cinematográficas, os registros fonográficos e, em geral, quaisquer outras reproduções mecânicas ou eletrônicas de fatos ou de coisas fazem prova plena destes, se a parte, contra quem forem exibidos, não lhes impugnar a exatidão”.
De uma interpretação sistemática destes textos legais, em conjunto com os princípios constitucionais de livre acesso à justiça e de contraditório e ampla defesa, é possível extrair a conclusão que quaisquer espécies de instrumentos capazes de demonstrar a ocorrência de um fato, ou a existência de uma coisa, podem ser admitidos em juízo, e sua produção autoriza o uso de todos os recursos inerentes à ampla defesa pela parte contrária. Isto inclui a produção de prova contrária.
Por outro lado, é inegável que qualquer espécie de prova deve ser corretamente valorada pelo órgão julgador, e esta valoração deve resultar em uma correta motivação da decisão judicial no que diz respeito à idoneidade probatória, confiança e da eficácia de tal prova.
É neste ponto que as restrições de Comoglio à prova atípica, em nosso entendimento, tornam-se especialmente relevantes ao estudo de admissibilidade da ata notarial como prova em juízo, perante o sistema processual civil brasileiro.
Estes três fatores – idoneidade probatória, confiabilidade e eficácia da ata notarial como meio de prova – serão analisados detidamente, considerando, novamente, as particularidades da produção do instrumento denominado ata notarial, e sua análise em juízo, que decorre necessariamente desses fatores.
A base legislativa que permite a lavratura da ata notarial encontra-se tanto na Constituição Federal, como na lei federal 8.935/94 e no Código de Processo Civil, sendo que o texto pertinente de todas as normas será transcrito a seguir, dada sua importância para este estudo.
“Art. 236. Os serviços notariais e de registro são exercidos em caráter privado, por delegação do Poder Público.
§1.º Lei regulará as atividades, disciplinará a responsabilidade civil e criminal dos notários, dos oficiais de registro e de seus prepostos, e definirá a fiscalização de seus atos pelo Poder Judiciário”
(Constituição Federal)
“Art. 1º Serviços notariais e de registro são os de organização técnica e administrativa destinados a garantir a publicidade, autenticidade, segurança e eficácia dos atos jurídicos.
(…)
Art.6.º Aos notários compete:
(…)
III – autenticar os fatos.
Art. 7.º Aos tabeliões de notas compete com exclusividade:
I – lavrar escrituras e procurações públicas;
II – lavrar testamentos públicos e aprovar os cerrados;
III – lavrar atas notariais.”
(Lei 8.935/94)
“Art. 364. O documentos público faz prova não só da sua formação, mas também dos fatos que o escrivão, o tabelião, ou o funcionário declarar que ocorreram em sua presença.”
(Código de Processo Civil)
A leitura dos textos normativos acima permite concluir, em uma primeira leitura, o seguinte.
Os serviços notariais são atividades de caráter público exercidas mediante delegação estatal, e consistem em serviços de organização técnica e administrativa efetivados por agentes dotados de fé pública. Dentre estes atos encontra-se a lavratura da ata notarial, um instrumento dotado de fé pública, e constituído com o objetivo, comum aos demais serviços notariais, de autenticar fatos para os fins de garantir a publicidade, autenticidade, segurança e eficácia dos atos jurídicos.
A definição proposta para o instrumento denominado ata notarial, acima, não impede a sua utilização como meio de prova judiciária, e parece claro que sua força probante é a de um instrumento público, dotado de fé pública. Este não é um raciocínio aceito de forma unânime pelo Poder Judiciário, entretanto: cabe neste ponto trazer trecho extraído de um acórdão originado no Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, que merece estudo detalhado.
“O agravante, autor, insiste na tese de que a ata notarial elaborada pelo 14º Tabelião de Notas da Capital, que é um documento revestido de fé pública, e as fotos que trouxe são suficientes para provar o abandono do imóvel. Diz, ainda, que a lei não exige forma específica para a constatação do abandono.
(…)
Mas a antecipação havia, mesmo, que ser parcial, como deferida, porque, antes de tudo, o abandono deve ser constatado por oficial de justiça. Com efeito, para deferir o pleito do agravante deve haver prova inconteste da situação fática alegada mediante lavratura de auto circunstanciado como consta do Enunciado 27 do Centro de Estudos do extinto 2º TAC-SP (“Em princípio, a imissão de posse na ação de despejo deve ser antecedida de constatação, demonstrada mediante auto circunstanciado”).
Por fim, a lei 8.935/94, que regulamenta os serviços notariais e de registros, dispõe que: “Art. 1.º Serviços notariais e de registro são os de organização técnica e administrativa, destinados a garantir a publicidade, autenticidade, segurança e eficácia dos atos jurídicos.” A vistoria do imóvel em questão com vistas a produzir prova de fato para efeitos judiciais foge à sua competência.”[5]
A decisão acima aborda dois temas relevantes, pertinentes ao assunto em discussão: a competência do tabelião de notas para produzir um instrumento capaz de produzir prova de fato em processo judicial, e, ultrapassado este ponto, a fé pública que tal instrumento deve ou não merecer em comparação com outros atos efetuados por agentes públicos.
No que diz respeito à competência do tabelião de notas para produzir prova de fato, para efeitos judiciais, entendemos que a decisão acima encontra-se equivocada.
Como visto no texto legal transcrito, os arts. 1.º e 6.º da Lei 8.935/94 são claros ao estabelecer que os tabeliões possuem competência para autenticar fatos, e os serviços que lhes são delegados pelo Poder Público visam garantir a publicidade, segurança e eficácia dos atos jurídicos.
Por outro lado, o próprio sistema processual civil admite, em seu art. 332, que todos os meios de provas são admissíveis, ressalvadas as restrições já feitas. E o art. 364 do CPC é igualmente claro ao estabelecer que “o documento público faz prova não só da sua formação, mas também dos fatos que o escrivão, o tabelião, ou o funcionário declarar que ocorreram em sua presença.”.
A restrição feita pelo acórdão no que diz respeito à suposta incompetência do tabelião para “produzir prova de fato para efeitos judiciais” ignora a atuação do tabelião na lavratura de diversos instrumentos que fazem, sim, prova de fato para todos os efeitos legais, e que o Poder Judiciário sempre aceitou, inclusive por exigência legal, no que diz respeito à presunção de veracidade, em virtude da fé pública de que goza aquele agente.
Uma escritura de compra e venda de imóveis, por exemplo, nada mais é do que um ato registral efetuado para fins de autenticação de um ato jurídico. E um dos motivos pelos quais a lei confere ao tabelião a competência para produzir tal ato é a fé pública de que ele goza, no que diz respeito ao registro dos fatos que presenciou com seus próprios sentidos: cabe a este profissional atestar quem são os declarantes, e reconhecê-los como tais, como requisitos essenciais da lavratura.
Este é um efetivo registro dos fatos alcançados pelos sentidos do tabelião, essencial para o registro, a autenticação e a validade do ato (no exemplo, a escritura de compra e venda de imóvel). A fé pública de que goza este profissional, no que diz respeito ao registro de fatos para fins de produção de provas em todas as instâncias do Poder Público, não pode ser afastada pelo Poder Judiciário, sob pena de completo esvaziamento das funções daquele agente, e de ofensa ao texto legal e constitucional já mencionado.
Existe, portanto, fé pública do tabelião no que diz respeito ao registro dos fatos que presenciou, gerando efetiva presunção (relativa) de veracidade, a ser quebrada, em juízo, pela parte contrária da demanda (sendo fundamental, neste ponto, o direito à prova contrária, conforme apontado por Comoglio). Cabe neste ponto trazer a definição de fé pública estabelecida por de Walter Ceneviva, por ser imediatamente aplicável ao assunto sob estudo.
“(…) a fé pública não é um fato social de que um ato ou uma circunstância sejam aceitos por bons pela comunidade. Pública, nessa expressão clássica, não se refere a conjunto expressivo de pessoas. Reporta-se ao direito público, cujos preceitos qualificam e justificam a fé, em documento, tendo-o por autêntico, seguro e apto a produzir efeitos de direito. Para que estes efeitos sejam acolhidos é imprescindível que a lei assim os reconheça: a união jurídica e exegética entre o substantivo (fé) e o adjetivo (pública) depende de que o Poder Público, através de processo legislativo apropriado, assim o declare. Desse modo, é possível afirmar que a fé pública, na consideração aqui dada, corresponde apenas à conseqüência jurídica da presunção da verdade que faz do documento a prova do fato ao qual se referia. A prova do fato oposto incumbe a quem o alegue.”[6]
Considerando a definição de fé pública proposta por Ceneviva, não há como evitar a conclusão segundo a qual a ata notarial constitui, sim, instrumento dotado de fé pública, sendo comparada, em seu valor probatório, à escritura pública, inclusive no que diz respeito ao registro de fatos. Este raciocínio vem sendo aceito pela jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, com conseqüências extremamente relevantes, inclusive para possibilitar o efetivo cumprimento de ordens judiciais, em situações nas quais há resistência da parte contrária ao cumprimento de ordem judicial, e a comprovação desta resistência depende do registro de fatos.
“Trouxe, a requerente, aos autos, ata notarial lavrada pelo Tabelião do Cartório do 3º Ofício de Notas e Protesto de Títulos de Brasília (fls. 272) atestando ter sido obstado o ingresso na mencionada assembléia, não só do 2º Tabelião do Cartório do 3º Ofício que pretendia registrar os fatos ali ocorridos, mas, também, de advogados, inclusive de um que se dizia representante da Ordem dos Advogados e de um outro que solicitava autorização para adentrar o recinto a fim de entregar ao Presidente da Mesa o original que tinha em mãos da decisão expedida por esta Presidência.
(…)
A Lei nº 8.935/94, em seu artigo 7º, atribui competência aos Tabeliães de Notas para lavrar ata notarial, instrumento por meio do qual o Tabelião, que tem fé pública, faz a narrativa dos fatos que presencia ou presenciou com seus próprios sentidos, sendo, portanto, documento que possui a mesma força probante da escritura pública.
Diante disso, por hora, defiro apenas o pedido constantes da petição de fls. 267 (ii), pelo que determino a expedição de ofícios às empresas Opportunity Zain S/A e Opportunity Fund, a fim de que se abstenham de empregar qualquer efeito à multicitada assembléia, se efetivamente realizada, bem como a prestarem esclarecimentos, em 05 (cinco) dias, acerca do noticiado descumprimento da decisão de fls. 146/147, proferida por esta Presidência em 18/05/2005.”[7]
Ou seja, o tabelião não está limitado ao registro de meras declarações, devendo igualmente ser-lhe atribuída a possibilidade de registrar fatos (mesmo porque, como visto, o registro de declarações passa necessariamente pelo reconhecimento de fatos perceptíveis com os sentidos do agente, ao menos no que diz respeito ao reconhecimento dos declarantes).
Deve-se reconhecer, portanto, que o conteúdo da ata notarial é dotado de fé pública, da qual decorre a presunção relativa da veracidade dos fatos ali narrados.
Cabe recordar que presunção relativa é aquela que, mesmo ocorrendo, admite prova em contrário. Ou seja, o fato demonstrado pela ata é considerado verdadeiro até que haja prova em sentido contrário.
Conclui-se, assim, o seguinte.
Se o tabelião de notas possui permissão legal e constitucional para lavrar instrumentos públicos, dotados de fé pública, para autenticar fatos e garantir a segurança, eficácia e publicidade dos atos, é possível concluir que estes instrumentos podem, sim, servir de prova de fato perante o Poder Judiciário, pelos seguintes motivos.
O agente possui competência para tanto, em razão dos permissivos legais e constitucionais acima transcritos;
O registro e a autenticação de fatos é fundamental para o exercício das funções legais do tabelião, citando-se novamente, como exemplo, o reconhecimento dos declarantes em uma escritura de compra e venda; e, finalmente
O sistema processual civil brasileiro não faz qualquer restrição à utilização da ata notarial como um meio de prova de fatos, o que foi igualmente demonstrado.
Verificou-se acima a competência do tabelião para lavrar ata notarial, com o objetivo de atestar a ocorrência de fatos, bem como se estabeleceu a possibilidade de uso do instrumento para a demonstração destes fatos em juízo, e a fé pública de que este goza.
Antes de discutir qual a extensão dos fatos e eventos que podem ser provados em juízo por meio da ata notarial, considerando os limites intrínsecos à formação do instrumento, é importante considerar qual a natureza deste meio de prova. A extensão do poder probatório deste instrumento depende, em última análise, de sua autoria.
O art. 6.º da Lei 8.935/94 estabelece que o tabelião é competente para autenticar fatos, e, como visto, estes fatos podem ser registrados em um instrumento denominado ata notarial com o objetivo de garantir-lhes publicidade e, eventualmente, servir de prova em processo judicial. E o instrumento público notarial é ato privativo do tabelião, nos termos do art. 7.º da Lei 8.935/94.
João Teodoro da Silva classifica os instrumentos públicos notariais em principais, secundários e complementares[8]. Aquele autor dá como exemplo de instrumentos públicos notariais principais a escritura pública, incluindo-se o testamento e a procuração.
Atos ou instrumentos notariais secundários, segundo tal classificação, seriam os atos de autenticação de documentos avulsos e o reconhecimento de firma. Os instrumentos complementares seriam os traslados de escrituras e as certidões dos atos consignados nos livros.
A ata notarial, segundo a classificação acima, situa-se entre os instrumentos públicos notariais principais, por ser uma efetiva escritura pública visando o registro de fatos.
Para autenticar estes fatos e posteriormente registrá-los em ata, entretanto, o tabelião irá, a pedido do interessado, valer-se apenas de seus sentidos e de sua capacidade de relatar suas impressões sensoriais, sendo este um ponto central para a compreensão dos limites deste meio de prova.
A ata notarial é instrumentalizada por meio do registro de ato ou fato solicitado ao tabelião de notas por interessado, para que os transponha em palavras, indicando pessoas e ações. A redação do instrumento ocorre por meio de ato em que há a efetiva participação pessoal do tabelião na verificação do fato.
Voltando à divisão proposta por Dinamarco entre as fontes de prova judicial, entendemos que a ata notarial possibilita o acesso às fontes de prova pessoais e reais.
“Os elementos externos utilizados para a formação do convencimento do juiz, ou seja, as fontes de prova, classificam-se em provas reais e provas pessoais. São reais as fontes passivas de prova, sobre as quais o juiz ou seus auxiliares realizam atividades objetivas sem que o objeto dessas atividades tenha qualquer participação ativa. São pessoais as fontes ativas, que participam da produção de elementos de convicção. O que há de comum entre as provas reais e pessoais é que todas são elementos externos ao processo, dos quais se extraem informes aptos a reproduzir realidades exteriores relevantes para decidir.”[9]
Não é correto afirmar que o tabelião é um auxiliar do juiz, uma vez que este agente exerce funções destinadas a atingir diversos objetivos. Porém, quando o tabelião elabora uma ata notarial atestando a ocorrência de um fato, em estrito cumprimento ao seu dever legal de autenticar fatos e registrá-los, o que se tem é um verdadeiro retrato de uma situação, sem qualquer juízo de valores, produzido com diversos objetivos, entre estes o fornecimento de elementos de convicção destinados ao juiz.
É inegável que a ata notarial, assim como outros instrumentos públicos, é feita a mando de um interessado, mas entendemos que a função pública fixada em lei para o tabelião (mero registro e autenticação de fatos) não impossibilita o acesso às fontes de provas de qualquer natureza (pessoais ou reais): o instrumento é redigido a mando de um interessado, mas nem esta pessoa, e nem a eventual parte contrária em um processo judicial, participam na produção do conteúdo do documento. A materialização da ata notarial, e a fixação de seu conteúdo (que deverá consistir em um mero relato de uma situação fática, conforme percebida pelos sentidos e impressões do agente), é realizada exclusivamente pelo tabelião ou por seu funcionário.
Sendo uma prova pessoal, de autoria do tabelião (ou, diretamente, de seu preposto), a fé pública de que goza a ata notarial alcança o conteúdo do instrumento, desde que este seja limitado ao registro de fatos, como se verá a seguir.
Neste ponto, é relevante traçar uma distinção entre a autoria da ata notarial, destinada ao registro de fatos, e a autoria dos demais instrumentos públicos, destinados a registrar declarações.
Em regra, os documentos públicos são executados para o registro de declarações, o que dá suporte à idéia de que tais documentos possuem dois autores: o autor imediato, que é o agente público investido da função registrária e que materializa o suporte para o instrumento, e o autor mediato, que é o autor intelectual da declaração.
Por meio destes instrumentos faz-se prova da existência declaração, que em si possui força probatória decorrente da fé pública do autor imediato, mas a veracidade da informação em si não possui a mesma força probante, como demonstram Luiz Guilherme Marinoni e Sérgio Cruz Einhart.
“O tema da autoria é relevante para a identificação do documento como público ou privado.Será público quando seu autor imediato for agente investido de função pública, e quando a formação do documento se der no exercício dessa função; trata-se, normalmente, de alguma função documentadora ou certificadora, regulada pelo próprio Estado. Note-se que, neste caso, a idéia (e, portanto, o autor mediato, ou simplesmente autor, na visão de CARNELUTI acima exposta) continua sendo do particular; mas, por ter a declaração sido presenciada por algum servidor público, no exercício de função estatal típica (mas não obrigatoriamente documentadora), o documento terá diversa eficácia probatória.”[10]
É exatamente em razão desta divisão da autoria do instrumento público em autor imediato (o agente dotado de função pública) e autor imediato (o declarante) que a jurisprudência concede peso probatório distinto à existência do instrumento em si e à ocorrência das declarações, que, atestadas pelo oficial, gozam de fé pública. Mas a fé pública não se estende ao conteúdo daquelas declarações, como estabelece, de maneira correta, o precedente do Superior Tribunal de Justiça abaixo transcrito.
“Documento público faz prova dos fatos que o funcionário declarou que ocorreram na sua presença. Assim, tratando-se de declarações de um particular, tem-se como certo, em princípio, que foram efetivamente prestadas. Não, entretanto, que o seu conteúdo corresponda à verdade.”[11]
Considerando o conteúdo e a formação da ata notarial, entretanto, cabe refinar o conceito de autoria para este instrumento, quando seu objetivo é o registro de fatos.
Carneluti estabelece que a divisão entre autor mediato e autor imediato, em se tratando de instrumentos públicos visando o registro de declarações, baseia-se na efetiva intenção de ambos (elaborador e autor, no dizer daquele jurista) quando da execução do instrumento.
“(…) elaborador é qualquer um que emprega as próprias energias ao atingimento de um resultado útil; autor, quem emprega energia ao atingimento de um resultado próprio. Na noção de elaborador é decisiva a pertinência da energia; no noção de autor a pertinência de resultado.”[12]
A ata notarial é executada a pedido de um interessado, mas sua utilização para a autenticação de fatos, com base nos sentidos, na memória e na capacidade de relato do agente público, não comporta a divisão entre autor imediato e autor mediato estabelecida por Marinoni e Arenhart para os instrumentos públicos declaratórios.
Pelo contrário. Seguindo o raciocínio de Carneluti, é possível afirmar que o tabelião, ao registrar e autenticar os fatos registrados por seus sentidos em um instrumento público, é tanto o elaborador do instrumento (pois usa suas próprias faculdades para atingir um resultado útil, que é o registro correto dos fatos), quando o seu autor intelectual (pois também visa obter um resultado próprio, que é, considerando a função pública de que está imbuído, igualmente o registro correto dos fatos).
Ou seja, em se tratando da ata notarial que visa registrar e autenticar a ocorrência de fatos, o elaborador (autor imediato) e o autor propriamente dito (autor mediato) coincidem em uma única pessoa, pois seu objetivo é apenas um só, considerando a função pública que exerce: o correto registro dos fatos. O fato de o instrumento ser elaborado a pedido de um interessado não lhe retira estas características.
Disto se conclui que o tabelião, ao redigir a ata notarial para fins de registro de fatos, busca obter um resultado útil com o fim específico de cumprir sua função pública, que é a autenticação de fatos. Portanto, o instrumento é redigido sem a efetiva participação das partes interessadas (inclusive o solicitante do trabalho), sendo um mero registro de fatos perceptíveis com base nos sentidos de uma pessoa – e portanto, na divisão proposta por Dinamarco, a ata notarial possibilita o acesso às fontes de prova pessoais e reais.
A ata notarial, assim, consiste em um documento que contém a narração imparcial de fatos jurídicos, redigido conforme pedido de um interessado, sendo estes fatos apenas aqueles passíveis de percepção pelo notário ou por seu substituto legal. Ou seja, o agente poderá apenas relatar aquilo que ouve, vê ou percebe pelo olfato ou pelo tato, sem a intervenção ou orientação do interessado que solicitou a produção do trabalho.
Portanto, conclui-se que a fé pública de que é dotado o tabelião alcança o conteúdo da ata notarial, em razão da autoria mediata e imediata do instrumento concentrar-se em uma única pessoa, um agente estatal dotado de competência outorgada pelo Estado para a realização do ato.
Os limites intrínsecos à utilização da ata notarial decorrem da competência do agente público que redige o instrumento.
Neste ponto, cabe afirmar que Rosa Maria Andrade Nery e Nelson Nery Jr. realizam uma distinção entre documento público e instrumento público. Tais autores afirmam que o instrumento público serve como prova solene de certo ato jurídico, enquanto o documento público não é confeccionado para servir de prova, mas pode assim ser usado[13].
Conclui-se, com base nesta classificação, que a ata notarial é instrumento público, pois é instrumento redigido por um agente público dotado de competência para tanto, no exercício das atribuições próprias de seu cargo, visando autenticar e dar publicidade a fato, ato ou negócio jurídico.
Kioitsi Chichuta[14], por sua vez, sem preocupar-se com a distinção entre instrumento e documento público, e estudando o artigo 364 do CPC, afirma que o documento público presume-se autêntico desde que tenha aparência regular (scripta publica probant se ipsa). Segundo aquele autor, a disposição deste artigo encontra-se em consonância com a Constituição Federal (art. 19, II), a qual veda à União, aos Estados e ao Distrito Federal “recusar fé aos documentos públicos”, de modo que, até prova em contrário, os fatos consignados na ata notarial presumem-se verdadeiros.
Ultrapassada a questão da distinção entre documento e instrumento público, tendo em vista especialmente a presunção de veracidade que caracteriza ambas as classes de meios de prova, pode-se afirmar que o tabelião possui competência para redigir o instrumento denominado ata notarial e, a seu pedido, narrar os fatos que presenciou, com base em seus sentidos e impressões pessoais, sem a interferência do solicitante ou de terceiros. Dentro destes limites, o tabelião (eventualmente representado por seu funcionário) irá produzir um instrumento cujo conteúdo é dotado de fé pública.
Note-se que a presunção de veracidade dos fatos presenciados pelo tabelião não é uma característica única das atas notariais, mas, como afirmado, também aplica-se a outros instrumentos públicos redigidos por aquele agente, como escrituras de compra e venda.
“(…) se o documento público, além de constituir algum ato jurídico, contém referência a algo que, na pessoa do escrivão, ou do tabelião, ou do funcionário, ocorreu, e se inseriu alusão ou narração no documento, a lei processual também atribui eficácia probatória a essa parte do documento. Por exemplo: no momento em que se lavrava a escritura de compra e venda do imóvel, o procurador de um dos figurantes perdeu os sentidos e teve de ser substituído, razão por que se teve de fazer alusão à ocorrência para ser o próprio figurante do negócio jurídico o signatário.”[15]
Disto decorre que o alcance e a extensão dos fatos comprovados por meio da ata notarial é limitado, pois o registro dos fatos será necessariamente desprovido de profundidade técnica específica ou de opiniões. Apenas as percepções e impressões sensoriais do agente público, quanto aos fatos, coisas e pessoas com que teve contato, podem ser relatadas por meio da ata notarial, sendo que eventual avaliação técnica (p.ex. o estado de saúde de uma pessoa, ou o estado de ruína de um prédio) desbordam da competência do agente público.
Ou seja, nada impede o tabelião, ou seu funcionário, de, por exemplo, declarar que uma certa construção apresenta rachaduras. Mas se a ata notarial produzida incluir uma opinião no sentido de que o prédio está ou não em vias de desabar, o instrumento não gozará de fé pública neste último ponto, e poderá inclusive ser impugnado por vício de competência.
Entendemos que neste caso as opiniões do notário deverão ser levadas em consideração como se fossem produzidas em documento particular, considerando exatamente o vício de competência. Conforme já demonstrado, o art. 364 do CPC determina que a narrativa dos fatos realizada pelo tabelião, ou seu funcionário, por meio de documento público, goza de fé pública: observações que desbordem para além dos fatos terão a fé que o juiz julgar que merecem, nos termos dos arts. 131 e 367 do mesmo Código.
“Art. 367. O documento, feito por oficial público incompetente, ou sem a observância das formalidades legais, sendo subscrito pelas partes, tem a mesma eficácia probatória do documento particular.”
Note-se ainda que a ata notarial não se confunde com a escritura pública, e não pode ser utilizada em substituição àquele instrumento, o que igualmente limita sua utilização como meio de prova: uma ata notarial não pode ser utilizada como substituta de uma escritura pública de compra e venda, ou de uma escritura declaratória, por exemplo. Vejam-se as principais diferenças entre ata notarial e escritura pública.
A ata notarial contém o testemunho de fatos presenciados pelo notário, enquanto a escritura pública contém declarações de vontade, o que modifica (como já visto) tanto a autoria do instrumento, quando a fé pública ínsita ao seu conteúdo.
A escritura pública serve para instrumentalizar um ato jurídico que pode ser unilateral ou bilateral, enquanto a ata notarial é sempre unilateral: apenas o notário deve registrar suas observações pessoais sobre os fatos presenciados.
O objeto da ata notarial não pode ser objeto de escritura pública.
Na ata notarial registra-se a narração de um fato jurídico presenciado pelo tabelião ou por seu agente, enquanto na escritura a declaração de vontade é expressa por meio da redação do próprio ato ou negócio jurídico.
A ata notarial tem por objeto o registro de um fato existente, a partir de sua observação, enquanto a escritura tem por objeto dar existência a um fato (ato ou negócio jurídico) a partir de uma manifestação de vontade. Portanto, enquanto o primeiro instrumento faz prova dos atos existentes antes de sua existência, o segundo instrumento faz prova de fatos existentes a partir de sua existência.
Ao contrário das escrituras públicas, na ata notarial é incabível o comparecimento de testemunhas para sua validade, uma vez que o tabelião é o único narrador dos fatos registrados. Isto não impede o tabelião de informar a presença de testemunhas no momento da observação do fato.
A escritura pública, para sua validade, exige a assinatura de quem manifesta sua vontade. Já na ata notarial a assinatura do solicitante é dispensável, pois não há qualquer manifestação de vontade a ser confirmada por assinatura.
O solicitante da ata notarial não precisa ter capacidade civil. Ainda, não se exige, para a validade deste instrumento (o que em tese ocorre nas escrituras) unidade de ato e contexto: o notário pode redigi-la posteriormente aos fatos narrados, considerando especialmente que certas narrativas exigem uma ou mais diligências.
Verifica-se, assim , que o conteúdo da ata notarial é limitado estritamente à narrativa de fatos, considerando especialmente o objetivo do instrumento e a competência do tabelião para executá-lo. Este instrumento não se presta ao registro e autenticação de declarações de vontade, bilaterais ou mesmo unilaterais, e não pode substituir a escritura para tanto.
Dentro destes limites, entretanto, a ata notarial é um instrumento que pode ser utilizado de forma extremamente flexível para fins de produção de provas em juízo.
O simples reconhecimento de pessoas, que constitui parte essencial de qualquer escritura de compra e venda, poderá ser utilizado para confirmar a presença de determinada pessoa em certo lugar, bem como os atos por ela praticados. Isto pode ser extremamente relevante em assembléias e convenções em empresas ou em condomínios, por exemplo.
Outra hipótese de utilização do instrumento é a materialização de diálogo telefônico, por meio da qual o interessado solicita ao tabelião que presencie e registre uma ligação telefônica: assim, o diálogo poderá ser transcrito para o sistema notarial (observadas, naturalmente, as normas de sigilo telefônico).
É igualmente possível o registro e a narrativa de fatos por meio de diligência do tabelião ou de seu funcionário, para constatar o eventual estado de abandono ou vacância de um imóvel, caso este tenha sido desocupado por um inquilino.
A ata notarial também poderá ser utilizada para constatar a compra de produtos em estabelecimentos comerciais, verificar o uso indevido de imagens, textos e sons em locais públicos ou particulares, constatar a existência de uma pessoa natural (mas não a capacidade desta pessoa, tendo em vista os limites de competência já expostos), e registrar a abertura e o conteúdo de cofres bancários, entre outros.
Dentre estas possibilidades, é interessante analisar a constatação de fatos por meio eletrônico.
Com o crescimento da internet, há uma enorme quantidade de documentos e contratos realizados por meio digital, e por este meio, igualmente, realizam-se diversos atos da vida civil, como o uso de marcas e o direcionamento de usuários com base em sinais distintivos.
É perfeitamente possível, em nosso entendimento, utilizar o trabalho do notário para registrar fatos ocorridos neste meio virtual, de modo a demonstrar a veracidade de acontecimentos ali ocorridos, comprovando sua autenticidade em juízo.
Trata-se, em suma, de uma simples diligência. O tabelião pode acessar o endereço eletrônico e constatar o conteúdo de um determinado sítio (página ou site), materializando na ata notarial tudo aquilo que presenciou e realizou no meio virtual.
Desta forma, o tabelião poderá certificar não apenas os fatos ocorridos no meio virtual e o conteúdo localizado, mas também a data e o horário de acesso. Este registro pode ser extremamente útil para comprovar fatos caluniosos, ou contendo injúrias ou difamações, em mensagens eletrôncias, bem como o uso indevido de imagens e textos em certos sítios virtuais, com o fim de comprovar infrações ao direito autoral ou até mesmo situações de quebra de patente. Veja-se o texto do acórdão a seguir transcrito, por ser relevante ao tema.
“A análise dos elementos dos autos revela que o apelante ajuizou ação inibitória cumulada com indenização por perdas e danos fundada em propriedade industrial, pleiteando a concessão de liminar de antecipação dos efeitos da tutela consistente em obrigação de não fazer para vedar a fabricação, comercialização e toda e qualquer forma de exploração econômica dos produtos que reproduzam o objeto de patente de sua titularidade, pela apelada, sob pena de cominação de multa diária na hipótese de descumprimento da decisão judicial.
Apresentou cópia da carta-patente nº UM 7903338-5 – modelo de utilidade “Depósito para copos descartáveis usados” concedida em 24.10.2006 -, cujo depósito junto ao INPI foi efetuado em 04.01.1999 e publicação em 11.07.2000 (fls. 20/29).
Para comprovar a fabricação e comercialização de produto que reproduz as descrições das características protegidas pela patente de sua titularidade, pela empresa apelada, acostou aos autos ata notarial extraída a partir de sua página virtual veiculada na rede mundial de computadores (internet), bem como da notificação encaminhada à apelada noticiando o uso indevido de objeto de patente (fls. 32, 35/40).
A liminar foi deferida pela decisão de fls. 103, para cessar imediatamente a fabricação, a comercialização e toda e qualquer forma de exploração econômica dos produtos que reproduzam e é objeto de patente de titularidade do apelante, fixando multa diária de R$ 300,00 (trezentos reais) na hipótese de descumprimento da determinação.”[16]
Finalmente, nada impede o tabelião de acostar ao instrumento escrito (a ata notarial propriamente dita) versões impressas de documentos resultantes dos fatos que presenciou, como, por exemplo, fotografias, ou versões impressas de páginas da internet. Tais peças levam a uma compreensão melhor dos fatos, e aperfeiçoam a narrativa dos eventos presenciados pelo agente público, o que resulta em estrito cumprimento ao seu dever legal de registro e autenticação de fatos, já mencionado.
Há outros limites à utilização da ata notarial como meio de prova judiciária, entretanto, que não dizem respeito à formação do instrumento em si. Estes limites guardam relação com a confiabilidade das informações colhidas, especialmente considerando os princípios do contraditório e da ampla defesa refletidos em disposições gerais e específicas da Constituição Federal e do Código de Processo Civil.
A ata notarial é uma modalidade de prova atípica que, em sua aquisição e quando de sua utilização em juízo, não fere quaisquer normas de direito material ou processual. Este meio de prova possui limites intrínsecos à sua formação, considerando a competência do tabelião para narrar apenas fatos.
Ocorre que a expressão “fatos” inclui fontes de prova cuja análise, em se tratando do sistema processual civil brasileiro, é reservada a meios de prova específicos, cuja produção obedece a ritos destinados a garantir o direito ao contraditório e à ampla defesa. Um exemplo é a narrativa de diálogos ou de efetivas declarações das partes ou de terceiros.
Diálogos ou declarações são fatos, que podem ser presenciados pelo tabelião ou por seu representante, e podem, igualmente, ser transcritos. O registro destes eventos em ata notarial não transborda da competência do agente público, devendo ser admitido em juízo, inclusive considerando-se, em sede de julgamento, a fé pública de que goza aquele agente – é este o entendimento de Walter Ceneviva sobre o assunto.
“(…) podem ser resenhadas ou reproduzidas palavras pronunciadas até por quem não seja o solicitante da ata, assim como fatos de cujo testemunho o delegado convocado pela parte faz narrativa adequada.”[17]
Mas deve-se levar em conta que a fé pública leva à presunção relativa de veracidade, não absoluta. Portanto, o juiz ainda poderá apreciar livremente o meio de prova colocado à sua disposição, desde que o faça de maneira devidamente motivada, a teor do art. 131 do CPC.
E, em se tratando de fatos cuja demonstração melhor se encaixa em outros meios de provas específicos, como o depoimento pessoal ou a prova testemunhal (em se tratando de provas pessoais, nas quais a fonte de prova possui participação ativa no fornecimento de elementos de convicção), é necessário concluir que o juiz deve dar à ata notarial peso menor do que concederia à prova típica apropriada.
Ou seja, quando existe um meio de prova típico mais apropriado para o acesso a uma determinada fonte de prova, o julgador deve não só conceder peso menor à ata notarial, como deve, preferencialmente, possibilitar a utilização daquele meio em complemento (para não dizer em substituição) ao instrumento público, inclusive para evitar a ocorrência de uma possível nulidade por cerceamento de defesa.
Seguindo o exemplo inicial, a transcrição de declarações ou de diálogos não substitui adequadamente a prova testemunhal ou o depoimento pessoal, uma vez que estes últimos meios de prova típica são regulamentados por diversas normas que visam assegurar que sua produção será feita em estrita observância aos princípios do contraditório e da ampla defesa, com a colaboração conjunta de ambas as partes e sob a supervisão do juiz.
Assim, a simples apresentação da ata notarial não pode substituir tais meios de prova. As questões controvertidas do processo, ou seja, os pontos de embate (declarações do autor efetivamente impugnadas pelo réu) deverão ser resolvidas pelos meios mais apropriados para tanto, considerando as diversas possibilidades apresentadas no sistema processual.
Veja-se neste sentido o seguinte acórdão, por pertinente à questão.
“Agravo de instrumento – Ação de reintegração de posse cumulada com pedido de perdas e danos – Aluguel de apart-hotel ou flat que não se rege pela Lei do Inquilinato (art. 1.º, alínea “a”, nº 4). Inadimplência do locatário, ora agravado. Pedido liminar de desocupação do imóvel, sob pena de imposição de multa diária. Decisão agravada que indeferiu o pedido liminar por entender não haver prova nos autos da natureza da posse do agravado sobre o imóvel. Ausência de contrato locatício escrito. Embora haja ata notarial atestando o diálogo havido entre o réu e a advogada do autor, na presença do preposto do Tabelião, em que aquele teria reconhecido a locação do flat do Dr. Nabeta, antigo procurador do autor, e o não pagamento dos aluguéis após a morte deste procurador, é recomendável a realização de audiência prévia de justificação para o autor provar a ocorrência dos pressupostos necessários à concessão da liminar, em razão de ser relativa, não absoluta, a presunção dos fatos atestados pelo Tabelião. Ademais, declarações extrajudiciais de terceiros constantes da ata não têm eficácia de prova testemunhal, porque não prestadas em audiência, com observância do princípio do contraditório. Necessidade de realização da audiência prévia de justificação, que pode ser determinada de ofício (art. 928, CPC). Precedentes desta Corte e do STJ. Recurso parcialmente provido.”[18]
O acórdão acima trata de hipótese em que o autor de uma ação de reintegração de posse buscou obter medida liminar de reintegração com base na narrativa de fatos presenciados pelo preposto do tabelião, e registrados em ata notarial. O Tribunal, entretanto, e a nosso ver corretamente, entendeu que tal instrumento não constitui substituto adequado à prova testemunhal e ao depoimento pessoal obtidos em audiência de justificação prévia, recomendável (mas não obrigatória) com base no disposto no art. 928 do CPC.
Não se trata, neste caso, de considerar que o conteúdo da ata excedeu os limites da competência do tabelião, como visto acima. Declarações e diálogos são fatos, e portanto consistem em eventos que podem ser devidamente registrados em ata, para fins de produção de prova judicial.
Portanto, mesmo nestes casos aplica-se à narrativa do tabelião a fé pública de que este agente é dotado, inclusive ocorrendo a presunção de veracidade quanto aos fatos transcritos.
Ocorre que a presunção de veracidade dos fatos narrados pelo tabelião, em atas notariais ou em outros instrumentos públicos, é sempre relativa, e admite a prova contrária. Havendo um meio de prova típico mais apropriado para a formação do convencimento do juiz, apto a ser produzido com observância das regras processuais específicas que visam garantir o direito ao contraditório, este meio típico deve ser preferido à simples utilização da ata notarial como meio de prova.
Voltando aos exemplos da prova testemunhal e do depoimento pessoal das partes, é certo que o registro de simples declarações por meio de ata, embora justificável em certas situações, não se equipara àqueles meios típicos de prova, em termos de força probante.
A mesma observação pode ser feita no que diz respeito aos fatos e eventos que deverão ser comprovados por meio de perícia técnica, devidamente realizada sob o crivo do contraditório, conforme as regras estabelecidas no Código de Processo Civil. Este meio de prova tem por objetivo verificar fatos, o que em tese permite sua comprovação por ata notarial, considerando o problema apenas sob o ponto de vista da competência funcional do tabelião: mas apenas a prova pericial poderá ser utilizada quando for necessária a utilização de conhecimento técnico específico, nos termos indicados por João Batista Lopes[19], sob pena de ofensa ao contraditório.
“A prova pericial, tal como disciplinada no CPC, não pode prescindir do rigor formal ali estabelecido: nomeação do perito pelo juiz, compromisso do perito, formulação de quesitos pelo juiz e pelas partes, apresentação do laudo pericial, oferecimento de pareceres técnicos pelos assistentes, esclarecimentos do perito.”
Os limites extrínsecos à prova, assim, não dizem respeito à competência do tabelião ou ao conteúdo da ata. Estes limites estão diretamente relacionados às garantias processuais inerentes à produção de determinadas modalidades de prova típica, como aspectos do direito ao contraditório (e, portanto, como aspectos do direito à prova).
Ou seja, caso determinado fato seja melhor demonstrado em juízo por uma prova típica adequada a certa situação, isto não impedirá a utilização da ata notarial como meio de prova. Mas o julgador deverá, sempre que possível e considerando os demais fatores aplicáveis, autorizar a realização da prova típica adequada, e dar maior peso a este último meio de prova.
A utilização da ata notarial deve ser interpretada considerando sua natureza processual de prova atípica, e levando-se em conta os aspectos principais do direito à prova, que, segundo Joan Picó I Junoy[20], são os seguintes:
O direito a que se admita toda e qualquer prova cuja produção respeite os limites legais de proposição.
O direito de ver a prova admitida ser efetivamente produzida.
O direito à valoração (avaliação) motivada da prova produzida em juízo.
Em última análise, a ata notarial é admissível em juízo, sob o aspecto material, por ser produzida em estrita conformidade com dispositivos legais específicos que autorizam a lavratura do instrumento. E sob o ponto de vista processual, sua utilização não ofende o princípio do contraditório, uma vez que o trinômio informação-reação-participação, apontado por João Batista Lopes[21] como pedra de toque do exame de admissibilidade das provas atípicas, é preservado com a utilização deste instrumento: trata-se de um meio de prova que, como as provas documentais, admite o contraditório integral posteriormente à sua produção.
A ata notarial, por ser produzida por um agente público no exercício de sua função, que reúne em si tanto a autoria mediata (intelectual) quanto a autoria imediata do instrumento, possui fé pública no que diz respeito ao seu conteúdo. Isto implica na presunção de veracidade relativa dos fatos narrados pelo tabelião – mas esta presunção, típica dos documentos públicos em geral, aplica-se apenas à narrativa de fatos, e não a opiniões que sejam indevidamente lançadas no corpo do instrumento, em razão dos limites legais à competência do agente público.
Finalmente, a ata notarial não constitui um perfeito substituto para as diversas modalidades de provas típicas. O sistema processual civil brasileiro estabelece garantias processuais inerentes à produção de determinadas modalidades de provas, de modo que as partes têm, de fato, direito à sua produção, quando estas se mostrarem as mais adequadas à demonstração de certos fatos.
Isto significa que, malgrado ser sempre possível a utilização da ata para a prova de fatos, o juiz ainda deverá, sempre que for apropriado e possível, autorizar a realização da prova típica específica ao caso, e dar maior peso probatório a este último meio de prova.
Ultrapassadas as questões relacionadas aos limites que cercam a utilização da ata notarial em juízo, entretanto, cabe afirmar que referido instrumento apresenta um potencial extraordinário como meio de prova.
Este meio de prova, em síntese, pode ser utilizado para registrar as percepções e as impressões de uma pessoa que presenciou um fato ou evento, de forma célere e contando com a fé pública do autor do instrumento. Mais relevante, o registro pode dar-se tanto no que diz respeito às percepções, quanto no que diz respeito às impressões do tabelião.
As percepções são as informações trazidas diretamente pelos sentidos de um indivíduo, e podem ser registradas de diversas formas, especialmente considerando os modernos meios de gravação e reprodução de sons e imagens: mas ainda é conveniente contar com a intervenção humana para comprovar a ocorrência de fatos relacionados com o olfato ou com o tato ou, ainda, com relação a fatos constatados por diversos sentidos em conjunto, como a temperatura ou a umidade de um local.
A relevância deste meio de prova, entretanto, aumenta no que diz respeito à possibilidade de registro de impressões do tabelião, assim entendidas como as sensações provocadas pelos eventos presenciados, conforme interpretadas pelos sentidos daquele agente público.
“Impressão. (…) 4. Estado físico ou psicológico resultante da atuação de elementos ou situações exteriores sobre os órgãos dos sentidos, por intermédio deles ou sobre o corpo ou sobre a mente; sensação: “A caminhada provocou desagradável impressão de claro; Ao olhar para baixo, teve a impressão de que ia despencar.”[22]
Cabe afirmar que impressões não se confundem com opiniões ou conclusões acerca de um fato ou evento: o autor da ata notarial, no exercício de sua competência outorgada pelo Estado, deve limitar-se à narrativa de fatos. Ocorre que as impressões ou sensações provocadas pelos fatos, conforme transmitidos pelos sentidos do autor do instrumento, integram necessariamente aquela narrativa, e constituem um aspecto extremamente valioso deste meio de prova.
Como exemplo, em uma visita a uma casa, o imóvel pode transmitir a impressão de abandono, em virtude de vários fatores como janelas quebradas, pó nos pisos, e outros. Uma determinada porta pode dar a impressão de não ter sido aberta há anos, e seus lacres podem transmitir a impressão de estarem intactos há muito tempo.
Narrativas desta natureza não transbordam dos limites da competência do tabelião, pois são parte inseparável do registro preciso e detalhado dos fatos e eventos, conforme presenciados por uma pessoa dotada de sentidos e capacidade de comunicação. Não se tratam de conclusões ou opiniões: o agente público apenas registra as sensações que uma certa situação provocou em seu ânimo interior, conforme transmitidas por seus sentidos.
A ata notarial, assim, possibilita o registro de fatos com um grau de detalhamento e confiabilidade extraordinário, especialmente considerando a possibilidade de ser complementada com documentos contendo registros de imagens e sons dos eventos relatados. Trata-se, em suma, de um instrumento extremamente valioso para a composição do quadro fático-probatório em processos judiciais.
BUENO, Cássio Scarpinella. Curso Sistematizado de Direito Processual Civil. 2ª Edição, Ed. Saraiva, Tomo 2, 2009.
CARNELUTI, Francesco. La Prova civile. 2ª Ed., Roma: Ateneo, 1947.
CENEVIVA, Walter. Lei dos Notários e dos Registradores comentada (Lei n. 8.935/94). 4 ed. São Paulo: Saraiva, 2002.
CENEVIVA, Walter. Lei dos Registros Públicos Comentada. 14. ed. São Paulo: Saraiva, 2001.
CENEVIVA, Walter. A Ata Notarial e os Cuidados que Exige, in: Silva Neto, Amaro Moraes e…(ET AL); coordenador Leonardo Brandelli. 2004.
CHICUTA, Kioitsi. Ata notarial e sua utilização como prova judiciária de fatos no direito brasileiro. In: BRANDELLI, Leonardo. (Coord.). Ata Notarial. Porto Alegre: Instituto de Registro Imobiliário do Brasil: S. A. Fabris, 2004.
COMOGLIO,Luigi Paolo. Le prove atipiche o inominate in Le Prove Civili, 3ª Edição, Ed. UTET, 2010.
DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de Direito Processual Civil. 6ª Ed., Editora Malheiros, V. II, III e IV, 2009.
I JUNOY, JOAN PICÓ, El derecho a la prueba em el proceso civil. Barcelona: Jose Maria Bosch, Editor, 1996, p.21, in JOÃO BATISTA LOPES, Provas atípicas e sua efetividade no processo, Revista Eletrônica de Direito Processual, Ano 4, V. 5, 2010, p. 389.
LOPES, João Batista. Provas atípicas e sua efetividade no processo, Revista Eletrônica de Direito Processual, Ano 4, V. 5, 2010.
MARINONI, Luiz Guilherme Marinoni e ARENHART, Sérgio Cruz. Prova. 2ª Edição, Ed. Saraiva.
MELO JR., Regnoberto Marques de. Lei de registros públicos comentada. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 2003.
NERY JUNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Código de Processo Civil Comentado. 9ª Ed., Ed. RT, 2006.
NERY JUNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Código Civil comentado e legislação extravagante: atualizado até 15 de junho de 2005. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005.
PEREIRA, Antônio Albergaria. Comentários à Lei 8.935 – Serviços notariais e registrais. São Paulo: Edipro, 1995.
SILVA, João Teodoro da. Ata Notarial. In: BRANDELLI, Leonardo (Coord.). Ata Notarial. Porto Alegre: Instituto de Registro Imobiliário do Brasil: S. A. Fabris, 2004.
THEODORO JÚNIOR, Humberto. Comentários ao Novo Código Civil. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2003. v. 3. t. 2.
[1] Cândido Rangel Dinamarco, “Instituições de Direito Processual Civil”, 6ª Ed., Editora Malheiros, V. III, p. 46
[2] Cássio Scarpinella Bueno, “Curso Sistematizado de Direito Processual Civil”, 2ª Edição, Ed. Saraiva, Tomo 2, p.276
[3] Luigi Paolo Comoglio, “Le prove atipiche o inominate” in “Le Prove Civili”, 3ª Edição, Ed. UTET, 2010
[4] João Batista Lopes, Provas atípicas e efetividade do processo, in Revista Eletrônica de Direito Processual, Ano 4, V. 5, 2010, p. 392
[5] Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, 36ª Câmara de Direito Privado – agravo de instrumento n.º 1065946-0/4, relator desembargador Dyrceu Cintra, segundo juiz Pedro Baccarat, terceiro juiz Palma Bisson, votação unânime, julgamento 5 de outubro de 2006.
[6] Walter Ceneviva, “A Ata Notarial e os Cuidados que Exige”, in: Silva Neto, Amaro Moraes e…(ET AL); coordenador Leonardo Brandelli. 2004, p. 110.
[7] Superior Tribunal de Justiça – Suspensão de liminar e de sentença n.º 128 – RJ (2005/0075596-1), Relator Ministro Edson Vidigal, julgamento 19/05/2005)
[8] João Teodoro da Silva, “Ata Notarial”, in Leonardo Brandelli (coord.), “Ata Notarial”, Porto Alegre: Instituto de Registro Imobiliário do Brasil: S.A. Fabris, 2004, p.20
[9] Cândido Rangel Dinamarco, “Instituições de Direito Processual Civil”, V. II, Ed. Malheiros, 5ª Edição, p.616
[10] Luiz Guilherme Marinoni e Sérgio Cruz Arenhart, “Prova”, 2ª Edição, Ed. Saraiva, p.561
[11] RSTJ 87/217: 3ª T., REsp 59.841-RS
[12] Francesco Carneluti, “La Prova civile”, 2ª Ed., Roma: Ateneo, 1947, p. 141
[13] Rosa Maria Andrade Nery e Nelson Nery Jr., “Código de Processo Civil Comentado”, 6ª Ed., Ed. RT, p. 716.
[14] Kioitsi Chichuta, “Ata notarial e sua utilização como prova judiciária de fatos no direito brasileiro”, in “Ata Notarial”, Leonardo Brandelli (coord.), Porto Alegre: Instituto de Registro Imobiliário do Brasil: S.A. Fabris, 2004, p. 179
[15] Kioitsi Chicuta, Op. Cit. p. 179
[16] Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, apelação n.º 0069901-64.2009.8.26.0576, relator José Reynaldo, revisor Ricardo Negrão, terceiro juiz Ligia Araújo Bisogni, julgamento 11 de setembro de 2012
[17] Walter Ceneviva, “Lei dos Notários e Registradores Comentada”, 4ª Ed., São Paulo: Saraiva, 2002, p.53
[18] Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, Agravo de Instrumento nº 0108170-52.2012.8.26.0000, relator desembargador Morais Pucci, revisor Cláudio Hamilton, terceiro juiz Dimas Rubens Fonseca, julgamento 27 de julho de 2012, votação unânime.
[19] João Batista Lopes, Provas atípicas e sua efetividade no processo, Revista Eletrônica de Direito Processual, Ano 4, V. 5, 2010, p. 395
[20] Joan Picó I Junoy, El derecho a la prueba em el proceso civil. Barcelona: Jose Maria Bosch, Editor, 1996, p.21, in João Batista Lopes, Provas atípicas e sua efetividade no processo, Revista Eletrônica de Direito Processual, Ano 4, V. 5, 2010, p. 389.
[21] João Batista Lopes, Provas atípicas e sua efetividade no processo, Revista Eletrônica de Direito Processual, Ano 4, V. 5, 2010, p. 395
[22] Novo dicionário Aurélio da língua portuguesa. Editora Positivo, 3ª Edição, p. 1080.
Fonte: www.jus.com.br