Gilberto Melo

Carta a um jovem advogado da área do Direito Econômico

Seja na seara profissional, seja no circuito acadêmico, é comum afirmar que advogados e economistas falam línguas diferentes. Durante muito tempo, essa afirmativa retratou a realidade de maneira bastante fidedigna. Mais do que o uso de códigos diferentes, o que dificultava o diálogo entre juristas e economistas era a falsa ideia de que justiça (o bem maior perseguido pelos juristas) e eficiência (o principal critério utilizado pelos economistas em suas análises) eram como água e óleo.

Quando entrei para a Faculdade de Direito da Uerj, nos anos 1990, esse ainda era o pensamento dominante. Por causa dessa dificuldade de diálogo entre esses ramos do conhecimento, a disciplina “Direito Econômico” era vista pelos alunos com certo temor – que, a bem da verdade, encontrava terreno fértil haja vista que, além da escassez de professores e manuais especializados da disciplina nas faculdades de Direito, grande parte dos estudos sobre temas econômicos era, de fato, produzida por economistas.

De lá para cá, no entanto, muita coisa mudou e, com o advento da desestatização da economia em meados da década de 1990, o Direito Econômico se firmou como ramo fascinante e bastante promissor de atuação, que abarca vários setores, como sistema financeiro nacional, mineração, energia elétrica, telecomunicações, transporte, mineração e concorrência, dentre outros. Contudo, ainda há um número relativamente pequenos de advogados especialistas nessa matéria.

Meu interesse na disciplina surgiu no final da década de 1980, ainda na adolescência. Naquela época, o país vivia um trágico cenário de descontrole da inflação, que chegou a ser superior a 80% ao mês. Houve uma sucessão de planos econômicos, com trocas de moeda e “expurgos” de índices de inflação. Um dado chamou a minha atenção: quase sempre, as explicações eram dadas por economistas. E, semanas ou meses depois de cada um desses planos, pipocavam notícias sobre ações judiciais questionando a legalidade dos planos que eram considerados ilegais. Contratos eram constantemente revisados, cadernetas de poupança eram bloqueadas e desbloqueadas, e muitos obtiveram indenizações em razão desses planos. Era muito difícil compreender toda aquela desordem, principalmente, porque economia e Direito andavam divorciados.

Tudo isso despertou em mim algumas perguntas que, mais tarde, viria a saber que estão relacionadas à essência do Direito Econômico: quais são as regras que determinam a organização da economia? Quais são as formas, os instrumentos e os limites de atuação do Estado na economia? E quais são as regras e os limites a serem observados pelos agentes privados na exploração de atividades econômicas? Se estas perguntas também despertam a sua curiosidade, dou-lhe uma boa notícia: é no Direito Econômico que você encontrará apoio para chegar às respostas.

Na minha experiência como professor e advogado na área, pude perceber que a aproximação com a disciplina não é lá muito fácil para a grande maioria das pessoas. Por isso, aceitei com prazer o convite do JOTA para passar algumas dicas que podem ser bastante úteis para os jovens que desejam enveredar para essa área.

A primeira e talvez mais importante dica é que, pela especificidade de seu objeto (a atividade econômica), a disciplina vibra em uma frequência diferente das demais – e é preciso se esforçar para entrar nela. Se você quer entender de regras jurídicas sobre a economia ou sobre mercados específicos, então precisa ter uma visão consistente de como as coisas funcionam por lá. Para ter sucesso nesse ramo, não basta apenas conhecer os institutos tradicionais do Direito. É preciso ir além, para compreender a lógica de comportamento dos agentes econômicos e das operações e mercados das quais eles participam. Ou seja, você tem que ser um profissional com visão e conhecimentos interdisciplinares.

Dessa primeira dica decorre uma segunda, bem prática: busque a leitura de manuais introdutórios de economia, sobretudo de microeconomia. Você não é obrigado a estudar equações e modelos econométricos para ter sucesso na carreira, mas a leitura desses manuais ampliará a sua visão, ajudando-lhe, por exemplo, a entender melhor a lógica de funcionamento dos mercados. Isso pode lhe trazer vantagens importantes como advogado, porque, entendendo melhor como as coisas funcionam, você ampliará seu horizonte de argumentação. E, com isso, poderá explicar melhor ao promotor e ao juiz o ponto de vista de seu cliente.

A cabo disso vem então a terceira dica: seja didático e objetivo em suas manifestações. Nada de floreios argumentativos ou expressões herméticas lançadas a esmo em petições ou sustentações orais. Antes de decidir, o juiz precisa compreender bem os fatos, ou seja, a operação ou o negócio que está ali sendo discutido. Se isso já é importante para os demais ramos (basta lembrar do conhecido brocardo latino “dá-me os fatos e eu te darei o direito”), na área do Direito Econômico esse é um fator crucial para o sucesso de uma tese. Minha experiência mostra que grande parte dos equívocos em sentenças ou acórdãos que tratam de temas da área decorre da má compreensão do mercado, da operação ou do negócio que está sendo discutido. Por isso, tome para si o desafio de traduzir o “economês” ou “financeirês” para o juiz. Isso o ajudará em muito a fazer o correto enquadramento jurídico da questão ali discutida e contribuirá bastante para evitar, por exemplo, aquelas decisões teratológicas que vemos às vezes, completamente desconectadas da lógica e da realidade dos mercados.

A quarta dica também está relacionada à sua argumentação: sempre que possível, complemente a exposição de sua tese jurídica com uma análise das possíveis repercussões das decisões judiciais ou negociais. Como nesse ramo do Direito tratamos de aspectos econômicos ou financeiros dos negócios, toda decisão judicial, além dos efeitos entre as partes, tem potencial para afetar a percepção de risco e retorno dos demais agentes econômicos e, com isso, alterar suas decisões de alocação de recursos. Uma sentença que considera nula determinada cláusula contratual considerada essencial em certo negócio pode ter um efeito devastador sobre os rumos daquela operação ou mercado específico. E, embora à primeira vista possa parecer benéfica a um agente, a “justiça” daquele caso concreto pode levar a resultados socialmente indesejáveis. Ao incorporar essa perspectiva consequencialista na sua argumentação, você amplia o horizonte de análise, permitindo que o juiz (ou seu cliente) possa ter uma visão mais abrangente do contexto em que aquela controvérsia se coloca.

Por fim, uma quinta e não menos importante dica: muita atenção às normas infralegais dos setores em que você busca atuar. Dizer que um advogado deve se manter atualizado pode parecer algo elementar demais para estar em um texto como esses. Mas o fato é que o Direito Econômico tem uma característica marcante, que o distingue dos demais ramos do Direito: a sua maleabilidade.

A questão que se coloca aqui é que, como a economia é dinâmica, a produção de normas que a disciplinam deve ser também dinâmica. Por isso, é frequente, no Direito Econômico, o uso da técnica de deslegalização, por meio da qual o Poder Legislativo, ao conformar os marcos regulatórios, se limita a estabelecer nas leis as regras gerais e opta por conferir a órgãos do Poder Executivo (como as agências reguladoras) a competência para dispor sobre o restante. Na prática, portanto, muitos segmentos (como sistema financeiro, energia elétrica e telecom) acabam sendo disciplinados predominantemente em normas infralegais. Sua sobrevivência como advogado de Direito Econômico, em geral, dependerá muito mais do domínio desses atos regulamentares do que propriamente da constituição e das leis setoriais.

Não tenho a pretensão de, nessas breves linhas, esgotar o assunto. Mas acredito firmemente que, seguindo essas dicas básicas, um jovem advogado especialista em Direito Econômico poderá ter condições de construir uma carreira mais promissora, marcada, principalmente, pela qualidade de suas manifestações. Muito sucesso, é o que desejo ao leitor!

 

Autor: Fabiano Jantalia

Fonte: www.jota.info