Em muitas decisões judiciais atuais, percebemos em larga escala que a fundamentação utilizada no momento da prolação da sentença se respalda justamente na aplicação da Medida Provisória nº 1.963-17/2000 (reeditada sob o nº 2.170/06), contudo não parece ser essa a melhor interpretação julgadora para o deslinde de cada caso, sobretudo quando os contratos de financiamento mercantil se inserem nas relações de consumo e são praticados de forma desleal, sem maiores questionamentos.
Não se pode deixar de mencionar que no próprio Supremo Tribunal Federal já tramita a Ação Direta de Inconstitucionalidade sob nº 2.316, questionando a aplicabilidade do artigo 5º, parágrafo único, da já citada medida provisória, que assim dispõe:
Art. 5º Nas operações realizadas pelas instituições integrantes do Sistema Financeiro Nacional, é admissível a capitalização de juros com periodicidade inferior a um ano.
Parágrafo único. Sempre que necessário ou quando solicitado pelo devedor, a apuração do valor exato da obrigação, ou de seu saldo devedor, será feita pelo credor por meio de planilha de cálculo que evidencie de modo claro, preciso e de fácil entendimento e compreensão, o valor principal da dívida, seus encargos e despesas contratuais, a parcela de juros e os critérios de sua incidência, a parcela correspondente a multas e demais penalidades contratuais.
Ao passo que o julgamento da medida liminar em sede da ADI já mencionada encontra-se pendente, há de se atentar que já votação a favor da declaração de sua inconstitucionalidade, visto que o objeto recai primordialmente no fato em se discutir ou não a possibilidade de edição medida provisória em que regule matéria pertinente ao direito financeiro, já que o texto constitucional delega esta finalidade à lei complementar.
Ocorre que a jurisprudência guerreada pelo Superior Tribunal de Justiça adotou o entendimento que é possível se admitir a capitalização mensal dos juros, considerando válida e eficaz a citada MP, enquanto não for declarada inconstitucional pelo STF, estabelecendo como requisito a livre pactuação entre as partes, de maneira que esta conduta não poderá estar implícita, devendo se apresentar como expressa no instrumento contratual.
Todavia, data venia, o tema não vem recebendo a atenção que merece por aqueles que movimentam a atividade jurídica, onde sequer se atentam para o texto literal, da MP, de forma que novamente se ilustra:
Art. 5º Nas operações realizadas pelas instituições integrantes do Sistema Financeiro Nacional, é admissível a capitalização de juros com periodicidade inferior a um ano.
Ora, se assim está entabulado pelo legislador no texto legal, não se pode desobedecer a sua vontade sob pena de desrespeito ao espírito legal, de sorte quenos contratos com periodicidade igual ou superior a um ano, as entidades integrantes do sistema financeiro não poderão se munirem de cobrança de juros sobre juros, ainda que expressamente pactuados, o que no momento de análise de cada caso concreto assim deveria ser interpretado, tendo em vista que a relações contratuais em muito superam o período de um ano, tudo isto em consonância com a orientação da Súmula 121 do STF.
Perceba que o entendimento é lógico, uma vez que o legislador, ainda que passível de discussão o tratamento da matéria financeira em Medida Provisória, efetivamente abriu exceção quanto às cédulas de crédito comercial e industrial, todavia em nenhum momento autorizou a prática de anatocismo aplicada aos contratos de financiamento de longo prazo, é dizer, superiores a um ano, justamente para não se difundir a cultura de oneração excessiva à parte contratante, tendo em mente um simples raciocínio matemático.
Enxergar um discurso financista, dando azo às interpretações de que o termo periodicidade se refere exclusivamente à capitalização dos juros e não aos contratos, é chancelar a injustiça social presente em qualquer relação contratual mercantil submetida à análise de qualquer douto juízo, tendo em vista que já há limitação da norma nesse sentido. Obviamente, caso o legislador quisesse ser diferente, simplesmente autorizaria sem maiores ressalvas a questionada capitalização. Se a limitação temporal não se aplicasse aos prazos dos contratos, a norma não teria qualquer cunho lógico em sua essência.
Ora, como se tudo isso não bastasse, a inconstitucionalidade é flagrante da medida provisória em comento, notadamente sob dois aspectos: 1) no caso, o artigo 62, da Carta Maior Federal, autoriza a edição de medida provisória, em caráter excepcional,apenas em casos de relevância e urgência, por conseguinte, a atual Medida Provisória nº 2.170-36/2001 se reveste de inconstitucionalidade, por afrontar cristalinamente o artigo 62, da CF; 2) já a outra faceta da inconstitucionalidade da referida MP estaria presente na violação ao disposto no artigo 192, da Constituição Federal, que determina que a regulação de matéria financeira deve se prestar através de lei complementar, afastando a possibilidade de edição normativa por intermédio de medida provisória sobre este tema.
Vejamos posicionamentos jurisprudenciais sobre o tema em que se entendeu o seguinte:
[…] declarar incidentalmente, formal e materialmente, a inconstitucionalidade do artigo 5º, da medida provisória nº 2170-36/2001, consoante enunciado”. Na fundamentação do acórdão se lê:”[…] defronte ao estado de direito que evoluiu no sentido da completa justiciabilidade da atividade estatal, ausente a relevância e a urgência a que se refere o artigo 62 da Constituição Federal, impõe-se declarar incidentalmente a inconstitucionalidade formal do caput do artigo 5º da medida provisória 2170-36/2001“. [Órgão Especial do Tribunal de Justiça do Paraná, Incidente de Declaração de Inconstitucionalidade nº 579047-0/01].
“O Executivo, extrapolando o permissivo constitucional, tratou de matéria antiga, onde evidentemente não havia pressa alguma, eis que a capitalização de juros é matéria que remonta à época do Decreto nº 22.626/33 (Lei de Usura). A gravidade é ainda maior quando se tem em conta que a capitalização de juros em contratos bancários e financeiros tem implicações numa significativa gama de relações jurídicas” [Corte Especial do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, no Incidente de Arguição de Inconstitucionalidade nº 2001.71.00.004856-0].
Destarte, aplicar uma realidade de capitalização de juros ao contrato em comento é atitude não outra que destoar da própria exegese legal, atribuindo um sentido vago e impreciso à interpretação da Medida Provisória Nº 2.170/06 por lhe estender uma interpretação ex lege, divergindo ainda de entendimentos jurisprudenciais e de nossa Carta Maior, que apontam incontestavelmente o caminho da inconstitucionalidade do referido dispositivo legal, de forma que se questiona: não é razoável e de bom senso o aplicador da norma atender aos fins sociais a que se propõe, atendendo ainda às exigências do bem comum (art. 5º da LINDB)?, e, notadamente em se tratando de relações de consumo, não devem prevalecer os princípios gerais de direito e a equidade (art. 7º, CDC)?