Gilberto Melo

Correção de erro material ou de inexatidão aritmética contidos por precatório complementar – STF

Teses de julgamento:  É vedada a expedição de precatórios complementares ou suplementares de valor pago, salvo nas hipóteses de erro material, inexatidão aritmética ou substituição de índices aplicáveis por força de alteração normativa; 2. A verificação de enquadramento nas hipóteses admitidas de complementação ou suplementação de precatório pressupõe o reexame de matéria fático-probatória.

Plenário Virtual

   MANIFESTAÇÃO:

    O Senhor Ministro Luís Roberto Barroso (Presidente):

Ementa: Direito constitucional e processual civil. Recurso extraordinário com agravo. Complementação de precatório. Substituição de índices. Possibilidade. Reafirmação de jurisprudência.

I. Caso em exame

1. Recurso extraordinário com agravo contra acórdão do Tribunal de Justiça de São Paulo que rejeitou impugnação do Estado quanto à necessidade de expedição de novo precatório para a complementação de diferença de correção monetária. Isso ao fundamento de que é possível a complementação de depósito insuficiente nos casos de substituição de índices por força de lei.

II. Questão em discussão

2. A questão em discussão consiste em saber se o § 8º do art. 100 da Constituição, que veda a expedição de precatórios complementares ou suplementares de valor pago, se aplica aos casos de depósito insuficiente decorrente de substituição de índices de correção monetária por alteração normativa.

III. Razões de decidir

3. A jurisprudência do STF afirma que a vedação constitucional à expedição de precatórios complementares ou suplementares não se aplica às hipóteses de erro material e de inexatidão aritmética de cálculos de precatório expedido.

4. De igual forma, o Supremo admite a complementação de depósito insuficiente de precatório nos casos de substituição de índices de correção monetária por alteração legislativa. Identificação de grande volume de ações sobre o tema.

5. A verificação de enquadramento nas hipóteses admitidas de expedição de precatório complementar ou suplementar exige o reexame de matéria fático-probatória (Súmula 279/STF).

IV. Dispositivo e tese

6. Recurso extraordinário conhecido e desprovido.

   Teses de julgamento: “1. É vedada a expedição de precatórios complementares ou suplementares de valor pago, salvo nas hipóteses de erro material, inexatidão aritmética ou substituição de índices aplicáveis por força de alteração normativa; 2. A verificação de enquadramento nas hipóteses admitidas de complementação ou suplementação de precatório pressupõe o reexame de matéria fático-probatória”.

    1. Trata-se de recurso extraordinário com agravo contrapara acórdão do Tribunal de Justiça de São Paulo que rejeitou impugnação do Estado quanto à necessidade de expedição de novo precatório para a complementação de diferença de correção monetária. Confira-se a ementa do acórdão:

    Agravo de Instrumento – Incidente de precatório – Execução de valor incontroverso – Adiantamento preferencial – Insuficiência do depósito – Complementação – Possibilidade – Utilização de índice de correção monetária incorreto pelo DEPRE – Decisão agravada em harmonia com o disposto no artigo 23 da Resolução CNJ nº 303/2019 e jurisprudência do E. STF – Recurso desprovido.

    2. Nos termos do acórdão recorrido, “restou incontroverso o equívoco na conta elaborada para aferir o valor do precatório antes de seu pagamento à credora, no que toca ao critério de atualização monetária aplicado, após a apresentação do ofício requisitório”. Assim sendo, assentou que “não há se falar em necessidade de expedição de novo precatório para o pagamento do saldo remanescente apurado”. Isso porque a jurisprudência do STF admitiria a complementação de depósito insuficiente quando verificada a existência de erro material, inexatidão aritmética ou substituição de índices aplicáveis ao caso, por alteração normativa.

    3. O Estado de São Paulo, com fundamento no art. 102, III, “a”, da Constituição Federal, pretende a reforma do acórdão, sob a alegação de violação ao § 8º do art. 100 da Constituição, que veda a expedição de precatórios complementares ou suplementares de valor pago. A recorrente defende que “o pagamento de valor complementar ou suplementar em decorrência de diferença apurada relacionada a critério ou a índice de atualização monetária não poderá ser feito por meio de simples ofício, tampouco, através do precatório anteriormente expedido, muito menos determinando a expedição de novo ofício com respeito à ordem cronológica de data ofício anterior” (grifos no original). Sustenta, assim, a necessidade de expedição de novo precatório.

    4. O recurso extraordinário, contudo, foi inadmitido, ao fundamento de que as razões de recurso “somente poderia[m] ter sua procedência verificada mediante o reexame das provas colhidas no correr do feito”. A recorrente, então, interpôs agravo, com apresentação de impugnação da decisão de inadmissão.

    5. É o relatório. Passo à manifestação.

    6. O agravo deve ser provido, de modo a admitir o recurso extraordinário para negar-lhe provimento. O acórdão recorrido tratou da discussão sobre a vedação constante do § 8º do art. 100 da Constituição, consignando a possibilidade de “complementação do depósito insuficiente quando verificada a existência de erro material, inexatidão aritmética ou substituição de índices aplicáveis ao caso, por força normativa”. A controvérsia não exige o exame da matéria fática, tampouco da legislação infraconstitucional. Como destacado pelo acórdão recorrido, “restou incontroverso o equívoco na conta elaborada para aferir o valor do precatório antes de seu pagamento à credora, no que toca ao critério de atualização monetária aplicado”. Destacou-se que “os valores pagos via precatório preferencial foram corrigidos pela TR quando deveriam ter sido ajustados pelo IPCA-e”, sem observar “a incidência dos índices constantes da Tabela Resolução CNJ nº 303/2019, que prevê atualização pelo IPCA-E por todo o período antes da EC nº 113/2021”. Trata-se, portanto, de debate que envolve exclusivamente a interpretação do § 8º do art. 100 da Constituição. Isso para definir se a vedação à expedição de precatórios complementares ou suplementares de valor pago se aplica aos casos de depósito insuficiente em decorrência de alteração normativa de índices de correção monetária.

    7. O Estado recorrente, contudo, sustenta que a expedição de ofícios complementares de precatórios já expedidos só seria admitida para a “correção de erro material ou de inexatidão aritmética contidos no precatório original, não podendo, entretanto, ocorrer a expedição de ofício requisitório complementar se a diferença apurada relacionar-se a critério ou a índice de atualização”. As razões de recurso contrariam a jurisprudência do STF.

    8. O Supremo Tribunal Federal, por ocasião do julgamento da ADI 1.098/SP, Rel. Min. Marco Aurélio, j. em 11.09.1996, registrou que a complementação de depósitos insuficientes é admitida apenas para “diferenças resultantes de erros materiais ou aritméticos ou de inexatidões dos cálculos dos precatórios, não podendo alcançar substituição de critério adotado quando da prolação da sentença de liquidação pelo juízo, exceto, no campo do índice de correção monetária, uma vez extinto este por norma legal e, em substituição, introduzido outro” (grifos acrescentados). De igual modo, na ADI 2.924/SP, Rel. Min. Carlos Velloso, j. em 30.11.2005, também se registrou a possibilidade de complementação ou suplementação para “atualização dos valores decorrentes de correção de erro material ou de inexatidão aritmética, contidos no precatório original, bem assim da substituição, por força de lei, do índice aplicado”.

    9. Diante disso, mesmo após a EC nº 62/2009, que deu nova redação ao art. 100 e incluiu o referido § 8º ao texto da Constituição, a jurisprudência do STF mantém a orientação sobre a admissibilidade de complementação ou suplementação de precatório nas seguintes hipóteses: (i) existência de erro material; (ii) inexatidão aritmética; e (iii) substituição de índices de correção monetária por alteração normativa. Nesse sentido:

    AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO. PRECATÓRIO COMPLEMENTAR. HIPÓTESES DE CABIMENTO.

    1. A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal é firme no sentido de se admitir a expedição de precatório complementar nas hipóteses de erro material, inexatidão aritmética ou substituição de índices de atualização.

    2. Agravo Regimental a que se nega provimento, com previsão de aplicação da multa prevista no art. 1.021, §4º, CPC.

    (RE 985103-AgR, Rel. Min. Edson Fachin, j. em 21.10.2016)

    10. Em igual sentido: RE 1.065.437, sob minha relatoria, j. em 01.12.2017; ARE 1.172.896, sob minha relatoria, j. em 22.02.2019; RE 1.068.042, Rel. Min. Luiz Fux, j. em 29.05.2017; ARE 722.803-AgR, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, j. em 24.06.2014.

    11. Deve-se observar, por fim, que não cabe ao STF examinar se, em uma situação concreta, a complementação ou suplementação de precatório está enquadrada nas hipóteses admitidas pela jurisprudência. Afinal, essa análise exige o reexame dos fatos e provas do processo, o que atrai a incidência da Súmula 279/STF. Nesse sentido: ARE 1.173.203, Rel. Min. Edson Fachin, j. em 29.04.2019; ARE 1.168.696, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, j. em 31.05.2019; ARE 1418196, Rel. Min. Nunes Marques, j. em 13.03.2023; e ARE 1.491.581, Rel. Min. Cármen Lúcia, j. em 10.05.2024.

    12. Destaque-se que, com o apoio da ferramenta de inteligência artificial “VitorIA”, já foram identificados 30 (trinta) processos relacionados à controvérsia sobre a possibilidade de complementação de precatório em decorrência de substituição de índices de correção monetária por força de alteração normativa. A multiplicidade de recursos sobre idêntica controvérsia constitucional evidencia a relevância jurídica, econômica e social da questão suscitada. A questão ultrapassa os interesses das partes do processo, alcançando todos os entes federativos e os credores da Fazenda Pública. Desse modo, considerando a necessidade de atribuir racionalidade ao sistema de precedentes qualificados, afigura-se necessária a reafirmação da jurisprudência dominante deste tribunal, com a submissão da questão à sistemática da repercussão geral.  

    13. Diante do exposto, manifesto-me pelo reconhecimento da repercussão geral da questão constitucional, com reafirmação de jurisprudência, assentando a seguinte tese: “1. É vedada a expedição de precatórios complementares ou suplementares de valor pago, salvo nas hipóteses de erro material, inexatidão aritmética ou substituição de índices aplicáveis por força de alteração normativa; 2. A verificação de enquadramento nas hipóteses admitidas de complementação ou suplementação de precatório pressupõe o reexame de matéria fático-probatória”.

    14. Assim sendo, conheço do agravo para admitir o recurso extraordinário, de modo a negar-lhe provimento, mantendo-se integralmente o acórdão recorrido. Existindo nos autos a fixação de honorários advocatícios, fica majorado em 25% o valor da verba honorária fixada anteriormente, observados os limites legais do art. 85, §§ 2º e 3º, do CPC/2015.

    15.  É a manifestação.

Fonte: https://portal.stf.jus.br/jurisprudenciaRepercussao/verPronunciamento.asp?pronunciamento=11472369