Gilberto Melo

Decisões genéricas em embargos de declaração e a efetividade da entrega da jurisdição

O Código de Processo Civil de 2015 trouxe uma significativa evolução para o processo judicial brasileiro, especialmente ao aprimorar as exigências quanto à fundamentação das decisões judiciais, conforme disposto em seu artigo 489. Esse dispositivo visa garantir que as decisões sejam claras, coerentes e efetivamente capazes de solucionar os conflitos levados ao Judiciário.

No entanto, na prática, observa-se que, sobretudo no julgamento de Embargos de Declaração, muitas decisões continuam a ser proferidas de forma genérica, sem responder adequadamente aos questionamentos das partes. Isso frustra a função jurisdicional, pois há inúmeros casos em que as decisões são praticamente idênticas, variando apenas o nome das partes e o número dos processos judiciais.

O efetivo julgamento dos Embargos de Declaração poderia evitar a interposição de recursos como Apelação ou Recurso Inominado nos Juizados Especiais, reduzindo os custos processuais para as partes e o próprio Judiciário. Afinal, a demora na tramitação de um processo gera custos adicionais e compromete a eficiência da prestação jurisdicional.

Além disso, tem-se observado a prática de julgamentos céleres dos Embargos de Declaração mediante decisões padronizadas, muitas vezes sem sequer intimar a parte adversa para apresentar contrarrazões. Essa conduta visa, sobretudo, encerrar rapidamente o processo e atender a metas estatísticas, como os indicadores do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). No entanto, tais metas não refletem critérios qualitativos e acabam por comprometer a efetividade da jurisdição, reduzindo-a a um mero cumprimento de formalidades numéricas.

Essa problemática não se limita ao plano técnico-processual, mas adquire uma dimensão filosófica e teleológica, impactando negativamente a efetividade da justiça. Quando a jurisdição não entrega respostas adequadas, o processo judicial se torna um ritual vazio, enfraquecendo sua legitimidade e credibilidade. Além disso, a valorização excessiva de critérios quantitativos na avaliação da atividade jurisdicional, em detrimento da análise qualitativa das decisões, compromete a confiança da sociedade no sistema de justiça.

A incompatibilidade entre decisões genéricas e o artigo 489 do CPC

O artigo 489, § 1º, do CPC estabelece que não se considera fundamentada qualquer decisão judicial que:
•Limite-se a invocar um ato normativo sem explicar sua relação com o caso concreto (inciso I);
•Empregue conceitos jurídicos indeterminados sem aplicá-los de forma concreta à demanda (inciso II); ou
•Deixe de enfrentar os argumentos capazes de infirmar a conclusão adotada na decisão (inciso IV).

Apesar dessas diretrizes, os Embargos de Declaração continuam a ser julgados com base em fórmulas genéricas, como: “Não há omissão, contradição ou obscuridade a ser sanada”, ou “O que pretende a parte é apenas rediscutir a decisão embargada”, sem que o magistrado efetivamente analise as alegações do embargante. Essa prática representa uma afronta direta ao CPC, comprometendo não apenas o direito à fundamentação adequada, mas também a lógica dialética do processo.

Tais decisões são nulas por ausência de fundamentação, violando não apenas o artigo 489, § 1º, do CPC, mas também o artigo 93, IX, da Constituição Federal, que dispõe:

“IX – todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade (…)”.

Sobre o tema, Marinoni, Arenhart e Mitidiero ensinam que:

“Se a fundamentação é redigida de tal maneira que se presta a justificar qualquer decisão, então se considera que inexiste fundamentação”.

Seguindo essa lógica, pode-se afirmar que uma decisão que poderia fundamentar qualquer outra, na verdade, não fundamenta decisão alguma.

Decisões genéricas não devem e não podem produzir efeitos jurídicos no universo processual. Trata-se de uma prática que precisa ser urgentemente revista pelos magistrados, que devem estar conscientes de seus compromissos institucionais e constitucionais.

O impacto filosófico e teleológico: justiça sem efetividade é apenas processo

Sob uma perspectiva filosófica, a ausência de fundamentação efetiva nas decisões judiciais viola o princípio da dignidade da pessoa humana, pois desconsidera o jurisdicionado como sujeito de direitos. Uma decisão genérica ignora o esforço das partes em apresentar seus argumentos e mina a confiança no sistema de justiça.

Teleologicamente, o processo deve ser um meio para a realização da justiça, e não um fim em si mesmo. Decisões que não enfrentam adequadamente os Embargos de Declaração transformam o processo em um mecanismo ineficaz, onde a forma se sobrepõe ao conteúdo.

Carnelutti já alertava que o processo deve ser um instrumento de pacificação social. Quando não entrega respostas efetivas, ele apenas perpetua o conflito e amplia a sensação de injustiça.

A obsessão pelos números: decisões quantitativas versus qualidade da jurisdição

Um dos fatores que contribuem para a persistência das decisões genéricas é a pressão sobre os magistrados para atender a metas baseadas exclusivamente no número de processos julgados. Programas de qualificação, como o Selo Justiça em Números, promovido pelo CNJ, priorizam indicadores quantitativos, como o tempo médio de tramitação e o número de decisões proferidas, em detrimento da qualidade das decisões e da efetiva solução dos conflitos.

A advocacia tem observado que muitos tribunais conquistam os mais altos selos de qualificação baseados nesses indicadores predominantemente numéricos. No entanto, a experiência prática dos advogados, que lidam diretamente com as partes, demonstra que tais selos nem sempre refletem a qualidade do serviço judicial prestado ou a satisfação dos jurisdicionados.

A desconexão entre os critérios adotados para a qualificação institucional e a percepção da sociedade evidencia a necessidade urgente de uma revisão desses parâmetros, incluindo a análise qualitativa das decisões. Aspectos como clareza, profundidade, efetividade e impacto real na solução dos litígios devem ser considerados.

Uma justiça que prioriza números em detrimento da qualidade corre o risco de deslegitimar sua função essencial: assegurar uma tutela jurisdicional justa, tempestiva e eficiente.

Conclusão

A prática de decisões genéricas no julgamento dos Embargos de Declaração é incompatível com o espírito do CPC de 2015, que valoriza a fundamentação adequada e a entrega de respostas efetivas ao jurisdicionado. Essa conduta, além de violar o artigo 489, compromete a credibilidade do Poder Judiciário e a efetividade da jurisdição.

Para superar essa problemática, é imprescindível que sejam adotadas políticas públicas que valorizem a qualidade das decisões judiciais, promovendo a formação continuada de magistrados e a revisão dos critérios de avaliação institucional. Afinal, uma justiça sem efetividade é apenas um processo, e o processo sem justiça é um sistema burocrático vazio de significado.

Fonte: olivre.com.br