A teoria do dano moral começou a ser aplicada pelos Tribunais brasileiros de maneira mais consistente a partir da década de 1960, com um fortalecimento progressivo ao longo dos anos 70 e 80. Essa aplicação ganhou força graças à evolução doutrinária, jurisprudencial e, mais tarde, ao respaldo constitucional.
O verdadeiro marco para a consolidação da teoria do dano moral foi a Constituição Federal de 1988, que, em seu art. 5º, incisos V e X, assegurou explicitamente a reparação por danos morais.
O CC de 2002 reforçou o instituto ao incorporar dispositivos que ampliaram a proteção da personalidade e a responsabilidade civil, intensificando ainda mais a reparação por danos morais.
A partir desses marcos, os casos envolvendo danos morais passaram a ser tratados com mais amplitude e uniformidade na jurisprudência.
Considera-se praticado o dano moral quando uma pessoa se revelar afetada em seu ânimo psíquico, moral ou intelectual, seja por ofensa à sua honra, na sua privacidade, intimidade, imagem, nome ou em seu próprio corpo físico. O dano moral constitui uma verdadeira lesão aos direitos da personalidade (art. 12 do CC).
Por meio da reparação deste prejuízo imaterial não se requer a determinação de um preço para a dor ou o sofrimento, mas, verdadeiramente, uma forma de atenuar as consequências do ato ilícito suportado pela vítima.
No entanto, desde a consolidação da teoria do dano moral em nosso ordenamento jurídico, especialmente a partir do final da década de 1980, o instituto tem enfrentado distorções econômicas que fragilizam os direitos da personalidade. Tais distorções acabam por desvalorizar direitos fundamentais estabelecidos pela Constituição Federal, como a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, comprometendo a sua plena proteção no âmbito jurídico.
Para o operador do Direito atento aos fatores sociais e econômicos que permeiam nosso país, é evidente que o Poder Judiciário, ao longo dos anos, desenvolveu uma espécie de “tabela implícita” para a fixação de valores em indenizações por danos morais.
Na década de 1990, as indenizações por danos morais eram frequentemente fixadas utilizando o salário mínimo como indexador. Desde então, o STJ, exercendo seu dever de uniformizar a interpretação da lei federal, passou a revisar com regularidade possíveis equívocos na fixação dos valores reparatórios pelas instâncias ordinárias para adequar as indenizações aos parâmetros da razoabilidade, proporcionalidade e, também, para evitar o enriquecimento sem causa da vítima.
No final dos anos 1990, os valores das indenizações podiam variar entre 100 e 500 salários mínimos1, dependendo das particularidades do caso em julgamento.
Em 1997, o salário mínimo correspondia a R$ 120,00, enquanto em 1999, seu valor já era de R$ 136,00. Assim, as reparações fixadas naquela época resultavam, em média, em valores de R$ 36.000,00 (1997) e R$ 40.800,00 (1999), gerando uma média aproximada de R$ 38.400,00 ao final da década. Os valores variavam entre R$ 12.000,00 e R$ 60.000,00 ao final de 1997 e, R$ 13.600,00 e R$ 68.000,00 ao final de 1999.
Para se ter uma ideia do poder aquisitivo das indenizações fixadas na época, nos anos 90, um veículo popular 0 km, como o Fiat Uno Mille, custava R$ 7.254,002. Desta forma, o jurisdicionado que recebia um crédito a título de reparação por danos morais na década de 90 (considerando a média de R$ 38.400,00), poderia adquirir 5 carros populares 0 km. O menor valor fixado (R$ 12.000,00), ainda era suficiente para aquisição de quase 2 veículos.
É relevante ressaltar que, à época, a adoção do salário mínimo como indexador para as reparações por danos morais desempenhava um papel crucial na preservação do poder aquisitivo do credor. Isso porque a remuneração mínima era reajustada anualmente para compensar os efeitos da inflação, assegurando maior estabilidade econômica aos valores fixados a título de indenizações.
No início dos anos 2000, com o julgamento do recurso extraordinário 225.488/PR, o Plenário do STF vedou a fixação de indenizações por danos morais com vinculação ao salário mínimo. Embora o próprio Judiciário utilizasse esse indexador em decisões anteriores ao precedente vinculante, sua proibição já constava do ordenamento jurídico desde 1975, com a edição da lei 6.205/1975. Esta norma impedia diretamente a utilização do salário mínimo como indexador de valores, reforçando o que posteriormente foi consagrado no art. 7º, inciso IV, da CF.
Deve-se observar, em consequência, que, tanto o preceito infraconstitucional mencionado como a norma constitucional, determinam a impossibilidade de se fixar reparação por danos morais em número determinado de salários mínimos, vinculando e uniformizando o entendimento dos Tribunais de Justiça nesse sentido.
A partir de então, ao longo dos anos 2000, o STJ passou a uniformizar a jurisprudência ao revisar as distorções nos valores fixados pelos Tribunais de Justiça e Tribunais Regionais Federais, consolidando a proibição do uso do salário mínimo como indexador para reparações por danos morais. Paralelamente, a Corte Superior começou a estabelecer, de forma implícita, parâmetros mais uniformes para as indenizações, que eram fixadas pelas suas turmas em valores entre R$ 10.000,00 e R$ 60.000,00, dependendo das peculiaridades de cada caso concreto3.Em média, as indenizações alcançavam o valor de R$ 35.000,00.
Como reflexo de algumas circunstâncias mais singulares, também há precedentes isolados do STJ que revisaram valores de indenizações por danos morais para montantes tão díspares quanto R$ 2.600,00 em determinado caso (REsp 707.559/RJ) e R$ 200.000,00 em outro caso (REsp 647.346/PR).
A fixação de indenizações por danos morais, de modo geral, exige uma análise criteriosa das particularidades do caso concreto, pautada pelos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, bem como pela observância das funções compensatória (reparatória), pedagógica (educativa) e preventiva das reparações.
Além desses fundamentos, o magistrado deve avaliar fatores como a gravidade do dano, a capacidade econômica das partes, a extensão da repercussão do ato, a possível reincidência do ofensor e o impacto emocional causado à vítima. O objetivo é garantir que a indenização não resulte em enriquecimento sem causa do ofendido, ao mesmo tempo em que funcione como uma advertência proporcional ao ofensor.
Os parâmetros e critérios legais há muito já foram incorporados pelos Tribunais e são amplamente compreendidos e aplicados pelos operadores do Direito.
A partir deste ponto, torna-se essencial abstrair os elementos e parâmetros exclusivamente legais e jurídicos utilizados para o arbitramento das indenizações e analisar apenas sob uma perspectiva econômica, para que se torne possível compreender a flagrante defasagem do poder aquisitivo das reparações fixadas pelo Judiciário ao longo das décadas.
Este artigo busca sensibilizar os magistrados quanto à relevância dos fatores sociais, incentivando-os a adotar posturas que não sejam apenas jurídicas, mas também, e igualmente importantes, econômicas, com o objetivo de restabelecer as funções compensatória, pedagógica e preventiva das reparações.
Além disso, explora as razões e os impactos dessa prática, os efeitos econômicos e sociais envolvidos, e propõe uma reflexão sobre o papel do Judiciário na preservação do equilíbrio entre direito e economia.
O ponto central para a reflexão sobre o tema em debate é o comportamento dos Tribunais de Justiça que revela uma irrefutável defasagem econômica nos valores fixados a título de reparações por danos morais. Esse descompasso possui o potencial de enfraquecer significativamente os direitos da personalidade, além de comprometer a proteção dos direitos fundamentais à intimidade, à vida privada, à honra e à imagem, resultando em uma grave violação de sua tutela no âmbito jurídico.
Os valores das indenizações atualmente fixados pelos Tribunais permanecem praticamente inalterados em relação aos de décadas anteriores, o que provoca uma expressiva redução no poder aquisitivo do jurisdicionado (ofendido). Essa estagnação intensifica o desequilíbrio econômico entre o ofensor e a vítima do ato ilícito, comprometendo de forma significativa as funções compensatória, pedagógica e preventiva que deveriam nortear as reparações.
Ainda assim, é evidente que o STJ chancela essa prática das instâncias ordinárias ao deixar de revisar os valores sob uma perspectiva econômica. Tal omissão resulta em um desequilíbrio social profundo e fragiliza a proteção dos direitos dos cidadãos, comprometendo a eficácia das indenizações como instrumentos de justiça e equidade.
Precedentes recentes do STJ revelam a patente defasagem das indenizações por danos morais, que continuam sendo fixadas entre R$ 10.000,00 e R$ 60.000,004, com uma média de R$ 35.000,00, em casos com circunstâncias fáticas análogas às do final da década de 1990. Esses valores demonstram uma evidente desconexão com a realidade econômica e social, tornando-se ainda mais discrepantes quando comparados às indenizações praticadas no mesmo período histórico, antes da significativa perda do poder aquisitivo ocasionada pela inflação.
Vale lembrar que, naquele período, as indenizações geralmente variavam entre R$ 12.000,00 e R$ 68.000,00, com uma média aproximada de R$ 38.400,00. Para contextualizar, o salário mínimo em 1997 era de R$ 120,00, enquanto em 1999 era de R$ 136,00. Esse cenário já revela uma evidente defasagem, pois, passadas mais de duas décadas, os valores fixados a título de reparação permanecem praticamente inalterados, ignorando as significativas mudanças econômicas ocorridas no período.
A desvalorização se mostra ainda mais evidente quando analisada sob uma perspectiva comparativa. Em 2025, o salário mínimo corresponde a R$ 1.518,00. Caso o salário mínimo ainda fosse utilizado como indexador para as indenizações, como ocorria na década de 1990, os valores das reparações, que naquela época variavam entre 100 e 500 salários mínimos, atualmente deveriam estar entre R$ 151.800,00 e R$ 759.000,00, resultando em uma média de R$ 455.400,00. Esse contraste expõe com clareza a disparidade econômica e a perda do poder aquisitivo das indenizações ao longo do tempo.
Em outras palavras, pode-se afirmar que a média atual das indenizações mantidas pelo STJ (R$ 35.000,00) está defasada em 1.201,14% em relação à média dos valores do final da década de 1990 corrigidos pelo salário mínimo.
Porém, como o salário mínimo deixou de ser utilizado como indexador de valores, o IPCA se apresenta como o índice mais adequado para corrigir o poder aquisitivo das indenizações, garantindo a preservação do valor real do dinheiro diante dos efeitos inflacionários.
Além disso, vale destacar que o STJ tem decidido de forma expressa, já há mais de três décadas, que a correção monetária “não constituiu um plus, representando mera atualização da moeda aviltada pela inflação.”5
Dessa maneira, ao atualizar os valores das indenizações fixadas no final da década de 1990 para os dias atuais, utilizando o IPCA, com o propósito de preservar o equilíbrio econômico e a manutenção do poder aquisitivo, os montantes indenizatórios deveriam se situar entre R$ 59.347,19 (equivalente a R$ 12.000,00 em 1997) e R$ 304.189,16 (correspondente a R$ 68.000,00 em 1999).
Sustentar que tais valores seriam exorbitantes constitui um equívoco lógico, econômico e jurídico, pois não se trata de um acréscimo desproporcional ou desarrazoado, mas apenas da recomposição dos valores indenizatórios originalmente arbitrados pelos Tribunais, garantindo que a indenização continue a cumprir suas funções compensatória, pedagógica e preventiva sem ser corroída pelos efeitos da inflação ao longo do tempo.
A discrepância entre os valores indenizatórios praticados no Brasil e aqueles fixados em outros países evidencia ainda mais a grave defasagem da reparação civil em nosso ordenamento jurídico. Em 14/03/2025, nos Estados Unidos, um júri do condado de Los Angeles, Califórnia, condenou a Starbucks a pagar US$ 50 milhões (aproximadamente R$ 280 milhões) a uma pessoa que sofreu queimaduras graves após um chá quente derramar em seu colo6.
É notório que, nos Estados Unidos, as indenizações por danos morais possuem uma função punitiva bastante acentuada, diferenciando-se do modelo adotado no Brasil. No entanto, essas reparações também desempenham uma função pedagógica exemplar, atuando como um mecanismo eficaz de inibição de condutas negligentes e reiteradas por parte das empresas. Esse modelo contribui para um maior equilíbrio entre o dano sofrido e a responsabilidade do ofensor.
Por outro lado, no Brasil, em um caso julgado em 17/2/25, o STJ manteve a indenização de R$ 600.000,00 fixada pelo TJ/SP em razão da morte de uma recém-nascida7. Embora esse valor seja um dos mais elevados concedidos pela jurisprudência pátria, a comparação com a reparação americana por queimaduras reforça a desproporção entre as indenizações por danos morais em nosso país e sua efetiva capacidade de cumprir as funções compensatória, pedagógica e preventiva.
Em 2019, o STJ confirmou a indenização fixada pelo TJ/PA no valor de R$ 1.000.000,00, decorrente da morte de ambos os genitores de um menor impúbere. Em termos proporcionais, isso equivale a R$ 500.000,00 por vida perdida, evidenciando, mais uma vez, a limitação dos parâmetros indenizatórios adotados no Brasil.
A diferença não pode ser justificada apenas pelas disparidades econômicas entre os dois países. O que se verifica é um verdadeiro congelamento dos parâmetros indenizatórios no Brasil, em total desconexão com a inflação e a perda do poder aquisitivo das indenizações ao longo das décadas. Em um cenário em que a morte de um ente querido é indenizada em valores significativamente inferiores aos concedidos para lesões corporais em outros países, questiona-se se o direito brasileiro tem cumprido, de fato, sua missão de oferecer reparação integral às vítimas de danos extrapatrimoniais.
O modelo jurídico brasileiro não deixa de ser eficiente no combate e prevenção de atos ilícitos, contudo, para que cumpra plenamente suas funções, é essencial que o Poder Judiciário revise os valores atualmente fixados nas reparações por danos morais. A revisão dos valores é fundamental para restabelecer a força das funções pedagógica e preventiva do instituto, tornando-se um desestímulo eficaz às empresas que reiteradamente praticam ilícitos e violam direitos dos cidadãos.
Ao comparar o poder aquisitivo atual com o da década de 1990, torna-se evidente uma defasagem econômica expressiva no direito indenizatório. À época, a vítima de um dano que recebia uma indenização fixada pelo Judiciário poderia adquirir, no mínimo, dois veículos populares 0 km, enquanto a média das indenizações permitia a compra de até cinco automóveis dessa categoria.
Atualmente, um veículo popular 0 km, como o Fiat Mobi, custa R$ 79.990,00 (maio/2025)8. O jurisdicionado contemporâneo que recebe uma indenização por danos morais, cuja média se mantém em torno de R$ 35.000,00, não consegue sequer adquirir um único automóvel popular, demonstrando a corrosão do poder aquisitivo da indenização ao longo do tempo.
É importante ressaltar que indenizações ligeiramente superiores às fixadas pelos juízes de primeiro grau (em patamares entre R$ 3.000,00 e R$ 10.000,00) costumam beneficiar apenas aqueles jurisdicionados que optam por persistir na demanda, interpondo sucessivos recursos na expectativa de que, eventualmente, a instância superior (STJ) revise os valores arbitrados pelas instâncias ordinárias e os majore para patamares um pouco menos aviltantes e discretamente mais condizentes com as funções do instituto.
No entanto, tal desfecho não é garantido, evidenciando a dificuldade estrutural de se obter uma reparação verdadeiramente proporcional à realidade econômica atual. Esse cenário gera uma desigualdade sistêmica no acesso à justiça, privilegiando aqueles que dispõem de tempo e recursos para suportar longos trâmites processuais, enquanto outros acabam se conformando com indenizações defasadas.
Essa desproporção não é um mero efeito econômico, mas um verdadeiro comprometimento das funções compensatória, pedagógica e preventiva da reparação civil. O direito à indenização, que deveria restabelecer um equilíbrio mínimo entre ofensor e vítima, vê-se fragilizado diante da omissão na atualização de seus parâmetros. A defasagem não é apenas um problema aritmético, mas um abismo jurídico que compromete a efetividade da justiça indenizatória e esvazia a tutela dos direitos da personalidade.
Sob uma perspectiva psicológica, é possível identificar que os magistrados que atualmente se debruçam sobre o tema das indenizações por danos morais parecem influenciados por um fenômeno cognitivo semelhante ao “efeito paradigma”. Ou seja, as decisões judiciais seguem padrões estabelecidos no passado, sem a devida consideração dos impactos econômicos devastadores decorrentes da perpetuação dessa prática.
Embora seja compreensível que os magistrados tenham sua formação voltada essencialmente às ciências jurídicas, e não econômicas, tal circunstância não justifica a manutenção de um modelo decisório que já se revela anacrônico.
O direito não pode ser estático diante das transformações socioeconômicas, especialmente quando se dispõe de elementos objetivos que evidenciam a corrosão do poder aquisitivo das indenizações ao longo do tempo. A jurisprudência, como construção dinâmica, deve se moldar aos avanços do conhecimento e à realidade concreta, sob pena de comprometer a efetividade da tutela jurisdicional e a própria função do instituto indenizatório que visa compensar o ofendido, disciplinar o ofensor e prevenir a reincidência dos atos ilícitos.
Nesse contexto, torna-se imperativa uma quebra de paradigma, uma transformação profunda na forma como o tema das indenizações por danos morais está sendo compreendido e aplicado, de modo a restabelecer o equilíbrio econômico das reparações. A concepção atual sobre os valores indenizatórios deve ser reformulada por completo, sob pena de perpetuar um sistema disfuncional e injusto.
Se no passado havia a preocupação de evitar o enriquecimento sem causa da vítima, hoje se observa uma distorção inversa: a manutenção de valores defasados favorece, de forma implícita, o enriquecimento sem causa do ofensor. Esse descompasso compromete a função essencial da indenização, que deve atuar como mecanismo de compensação justa e de desestímulo à prática de atos ilícitos.
Para restaurar a eficácia do instituto indenizatório e revigorar a tutela dos direitos da personalidade por meio de reparações justas, razoáveis, educativas, proporcionais e preventivas, basta que o Judiciário esteja sensível à necessidade de aplicação da correção monetária aos valores arbitrados a título de danos morais.
A correção monetária não é um benefício adicional concedido à vítima, mas um instrumento fundamental para a preservação do valor real das indenizações fixadas pelo Poder Judiciário. Em um cenário econômico marcado por oscilações inflacionárias, sua ausência não apenas compromete o princípio da reparação integral, mas também abala a credibilidade do sistema de justiça, ao permitir que o tempo atue como fator de desvalorização da tutela indenizatória.
Contudo, verifica-se uma conduta reiterada dos Tribunais de Justiça: a omissão na devida atualização monetária das indenizações no decorrer de décadas, gerando prejuízos irreparáveis às vítimas e desvirtuando as funções do instituto.
É muito comum encontrar decisões de um mesmo magistrado de primeiro grau que, há décadas, vêm fixando os mesmos valores para indenizações por danos morais em razão de circunstâncias fáticas análogas (mesmos atos ilícitos). Os valores permanecem estáticos por longo período, sendo corroídos pelos efeitos inflacionários.
A correção monetária não constitui um acréscimo ao valor da indenização, mas sim um instrumento destinado a preservar seu valor real ao longo do tempo, em conformidade com o princípio da reparação integral do dano. Esse princípio impõe que a indenização seja suficiente para recompor os prejuízos sofridos pela vítima, garantindo que a tutela jurisdicional cumpra sua finalidade última: restaurar o equilíbrio jurídico e social afetado pelo ato ilícito.
Vale o ensinamento de Sylvio Capanema de Souza: “A correção monetária não é um plus, e sim um minus que se evita, razão pela qual quem paga com correção paga o mesmo e quem paga sem correção paga menos.”9
Mesmo com o advento da litigância abusiva (demandas predatórias) que representa problema de certa complexidade a ser solucionado, o Poder Judiciário não pode se eximir de enfrentar e envolver-se em temas de ordem econômica, principalmente quando atinge os direitos da personalidade dos cidadãos, como é o caso da patente defasagem das indenizações por danos morais. Isto porque, uma considerável parcela da magistratura entende que fixação de indenizações em valores elevados representa forte estímulo às demandas predatórias.
Embora a preocupação do Poder Judiciário com a litigância abusiva seja legítima e necessária para evitar o uso predatório do sistema de justiça, não se pode permitir que esse combate resulte na sistemática defasagem dos valores indenizatórios por danos morais.
A Recomendação 159 de 24 de outubro de 2024 do CNJ10 estabelece diretrizes claras para identificação, tratamento e prevenção de demandas abusivas, prevendo uma série de mecanismos processuais aptos a coibir distorções sem comprometer o direito fundamental à reparação justa e pedagógica.
Contudo, a tentativa de contenção da litigiosidade predatória não pode servir como justificativa para o enfraquecimento da tutela dos direitos da personalidade. A justa indenização deve considerar não apenas os parâmetros jurídicos e as funções do instituto indenizatório, mas também a necessidade de atualização inflacionária e preservação do poder aquisitivo dos valores arbitrados, sob pena de inviabilizar a efetividade do próprio instituto indenizatório e a qualidade da prestação jurisdicional. Aliás, no julgamento da ADI 3.995, o STF registrou a preocupação com o equilíbrio na movimentação da máquina judiciária, de modo a não inviabilizar a prestação jurisdicional com qualidade.
O Judiciário deve equilibrar sua atuação, diferenciando práticas abusivas de legítimos pleitos indenizatórios, garantindo que a correção monetária e a justa fixação dos valores indenizatórios sejam preservadas. O combate às demandas predatórias deve se dar por meio dos mecanismos processuais adequados, sem que isso acarrete, na prática, a desvalorização da reparação moral, comprometendo a segurança jurídica e o equilíbrio econômico das decisões judiciais.
Neste ponto, bastante pertinentes foram as considerações do min. Herman Benjamin, em sessão da Corte Especial do STJ realizada no dia 13/03/2025, momento em que os ministros discutiam o problema da litigância abusiva, ao solicitar atenção para o fenômeno que chamou de “litigância predatória reversa”, geralmente praticada por grandes empresas – e que, segundo o ministro, tem desafiado a eficácia do sistema judicial brasileiro.
O ministro destacou a resistência de grandes empresas ao cumprimento de decisões judiciais, a negligência em relação às súmulas da Corte, bem como a desconsideração de teses fixadas em recursos repetitivos e do texto expresso da lei.
“É importante que nós alertemos a doutrina, e os juízes, que existe a litigância predatória reversa. Grandes litigantes, empresas normalmente, que se recusam a cumprir decisões judiciais, súmulas, repetitivos, texto expresso de lei. Quando são chamados, não mandam representante – ou então, mandam sem poderes para transigir, nos casos dos órgãos administrativos, que fazem a mediação. E nós estamos, muitas vezes, falando de 200 mil, 500 mil litígios provocados por um comportamento absolutamente predatório por parte de um dos agentes econômicos, ou do próprio Estado – porque o próprio Estado pode praticar, e pratica, comportamentos predatórios”11.
Neste contexto, evidencia-se ainda mais a ineficácia dos valores atualmente fixados para as reparações por danos morais, que estão longe de cumprir suas funções pedagógica e preventiva.
Em termos práticos, para muitas empresas, o custo de litigar no Brasil permanece irrisório, tornando-se economicamente mais vantajoso descumprir decisões judiciais e reincidir na prática de ilícitos do que adotar medidas eficazes para evitar novas violações aos direitos da personalidade.
Essa realidade exige uma reflexão profunda, pois compromete não apenas a efetividade da tutela jurisdicional, mas também o equilíbrio concorrencial, favorecendo empresas que operam à margem da legalidade em detrimento daquelas que respeitam seus deveres jurídicos e contratuais.
O caso da Starbucks nos Estados Unidos ilustra essa diferença. A indenização milionária imposta à empresa certamente impulsionará a adoção de rigorosos protocolos internos para evitar a repetição do evento danoso, reforçando as funções pedagógica e preventiva da reparação civil.
No Brasil, contudo, muitas empresas persistem na prática de ilícitos, e um dos principais fatores que favorecem essa conduta é a baixa onerosidade do descumprimento das normas e do próprio dever de litigar com boa-fé.
Enquanto o modelo norte-americano impõe uma barreira econômica real e efetiva à negligência empresarial, o sistema brasileiro, ao manter indenizações defasadas e fixadas em valores insignificantes para grandes conglomerados empresariais, falha em estabelecer um efetivo desestímulo às práticas abusivas.
Esse cenário não apenas perpetua o desrespeito ao ordenamento jurídico, mas também agrava a sobrecarga do Judiciário, que se vê refém da litigância predatória reversa, como bem advertido pelo ministro Herman Benjamin.
A correção monetária é um elemento essencial para garantir a efetividade das decisões judiciais e a justa compensação aos credores. Sua ausência representa um retrocesso ao princípio da reparação integral, prejudicando não apenas as vítimas, mas a própria credibilidade do sistema de justiça.
Não há dúvidas, em meio a um cenário inflacionário onde todos os bens de consumo estão caros, está muito barato pagar indenizações por danos morais no Brasil. O Judiciário precisa corrigir essa distorção urgente.
A ausência de correção monetária sobre os valores indenizatórios, mantidos estáticos há décadas, acarreta graves consequências para a vítima do ato ilícito, que se vê duplamente penalizada: primeiro, por suportar a dor e o abalo decorrentes da violação aos seus direitos da personalidade; e, segundo, pela evidente defasagem do valor recebido a título de indenização, que compromete sua função reparatória e desvirtua o princípio da reparação integral.
Essa prática também desestimula um convívio social mais harmônico e comprometido com o ordenamento jurídico, fomentando o descumprimento espontâneo das obrigações civis e o desleixo em relação aos direitos da personalidade, pois, com a patente defasagem econômica dos valores indenizatórios, o ofensor acaba se beneficiando da conduta atual dos Tribunais de Justiça.
Portanto, faz-se necessária uma reflexão crítica sobre o papel do Judiciário na tutela dos direitos da personalidade sob a ótica econômica e social. Em um cenário de inflação elevada, a mera correção monetária dos valores indenizatórios, tomando como referência aqueles fixados em décadas passadas, não se trata apenas de uma exigência de justiça, mas de uma medida essencial para a preservação da ordem econômica e jurídica.
O enfrentamento dessa questão exige uma postura firme e ativa de uma parte dos operadores do Direito, que não podem se omitir diante da inércia do Poder Judiciário na correção da defasagem econômica das indenizações por danos morais.
A persistência desse quadro compromete a efetividade da tutela dos direitos da personalidade, esvazia as funções reparatória, preventiva e pedagógica das indenizações e perpetua uma injustiça econômica incompatível com os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade.
É imperativo assegurar que a reparação cumpra sua finalidade essencial: garantir justiça, equilíbrio econômico e segurança jurídica aos jurisdicionados, fortalecendo, assim, a credibilidade do sistema de justiça do Estado Democrático de Direito.
1 REsp n. 139.779/RS, relator Ministro José Delgado, Primeira Turma, julgado em 13/11/1997, p. 66281: 500 salários mínimos; AgRg no Ag n. 178.920/RJ, relator Ministro Carlos Alberto Menezes Direito, Terceira Turma, julgado em 22/9/1998, p. 91: 100 salários mínimos; AgRg no Ag n. 191.864/RJ, relator Ministro Eduardo Ribeiro, Terceira Turma, julgado em 14/12/1998, p. 141: 300 salários mínimos.
2 https://www.vrum.com.br/noticias/saiba-quanto-custariam-os-carros-populares-da-decada-de-1990-nos-valores-atuais/
3 REsp n. 239.973/RN, relator Ministro Edson Vidigal, Quinta Turma, julgado em 16/5/2000: R$ 10.000,00; RESP n. 433.657/MA, Ministra Nancy Andrighi, DJ de 14/11/2002: R$ 60.000,00; AgRg no Ag n. 520.390/RJ, relator Ministro Carlos Alberto Menezes Direito, Terceira Turma, julgado em 17/2/2004: R$ 50.000,00; REsp n. 657.717/RJ, relatora Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 23/11/2005: R$ 20.000,00.
4 AgInt no AREsp n. 2.666.254/RN, relator Ministro Moura Ribeiro, Terceira Turma, julgado em 16/12/2024, DJe de 20/12/2024: R$ 10.000,00; AgInt no AREsp n. 2.738.844/RJ, relator Ministro Raul Araújo, Quarta Turma, julgado em 16/12/2024, DJe de 20/12/2024: R$ 10.000,00; AgInt no AREsp n. 2.320.552/MG, relator Ministro João Otávio de Noronha, Quarta Turma, julgado em 19/8/2024, DJe de 22/8/2024: R$ 40.000,00; AgInt no AREsp n. 2.187.150/GO, relator Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, julgado em 19/6/2023, DJe de 23/6/2023: R$ 60.000,00; AgInt no AREsp n. 2.091.446/RJ, relator Ministro Francisco Falcão, Segunda Turma, julgado em 9/11/2022, DJe de 11/11/2022: R$ 60.000,00.
5 REsp 2.430/SP, rel. min. Sálvio de Figueiredo, 4.ª T., j. 5/6/1990, DJ 6/8/1990.
6 https://www.theguardian.com/us-news/2025/mar/16/delivery-driver-injury-lawsuit-california-starbucks
7 AgInt no REsp n. 2.178.448/SP, relatora Ministra Regina Helena Costa, Primeira Turma, julgado em 17/2/2025, DJEN de 20/2/2025.
8 https://mobi.fiat.com.br/monte.html#versao
9 SOUZA. Sylvio Capanema de. A lei do inquilinato comentada: artigo por artigo. 11. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2019. p. 195
10 https://atos.cnj.jus.br/files/original2331012024102367198735c5fef.pdf
11 https://www.migalhas.com.br/quentes/426488/ministro-herman-alerta-para-litigancia-abusiva-reversa-por-empresas
Autor: Abílio Veloso de Araújo
Fonte: https://www.migalhas.com.br/depeso/431088/direito-indenizatorio-a-estagnacao-das-indenizacoes-por-danos-morais