Gilberto Melo

Dúvidas sobre o regime dos juros legais após lei 14.905/24

Desde a entrada em vigor do Código Civil atual o debate em torno da interpretação do art. 406 se manteve ativo. Duas correntes disputaram a fixação do significado da expressão “taxa que estiver em vigor para a mora do pagamento de impostos devidos à Fazenda Nacional”. De um lado, havia aqueles que se filiavam à interpretação de que referida taxa é a prevista no art. 161, §1º do CTN, qual seja de 1% ao mês, e de outro a corrente que apontava como taxa aplicável a SELIC, por força do que dispõem as leis 9.250/95, 8.981/95 e 9.430/96. A doutrina majoritariamente se filiou à primeira tese1. Por outro lado, no âmbito do STJ, ainda que não especificamente sobre as dívidas civis, a posição sempre se inclinou pela aplicação da SELIC, em especial a partir de decisões da 1ª seção sob relatoria do falecido ministro Teori Zavascki2 e na decisão do Tema repetitivo 1123, vindo essa posição a ser reiterada no julgamento do Tema repetitivo 9054 e, mais recentemente, na decisão proferida pela corte especial no REsp 1.795.9825.

Com a conclusão do julgamento do REsp 1.795.982 e o advento das alterações do Código Civil promovidas pela lei 14.905/24, nasce para a sociedade um problema a ser tratado: a existência, ou não, de impacto sobre os negócios jurídicos firmados fora do âmbito do Sistema Financeiro Nacional e de outras áreas de exclusão do alcance do decreto 22.626/33, durante a vigência da redação original do art. 406 do CC e no período em que não firmado precedente qualificado sobre a taxa de juros aplicável sobre as dívidas civis.

Além disso, um outro problema se coloca. É fato notório que, influenciada pela redação do CC/16 que fixava a taxa legal em 6% ao ano e pela redação do art. 192 da CF/88 vigente até a EC 40/03, a sociedade brasileira se acostumou, quanto às dívidas civis, com uma taxa fixa de juros legal de 12% ao ano a partir da vigência do CC/02. Com a recente alteração legislativa – e mesmo com a predominância no STJ da posição doutrinariamente minoritária de aplicação da SELIC às dívidas civis mesmo antes dela – passa-se a ter uma taxa móvel ou variável como fiel para avaliação das disposições contratuais firmadas anteriormente. Desse modo, pensando-se em uma cláusula que fixou juros moratórios à taxa de 1% ao mês, há meses em que esse percentual poderá estar acima da taxa legal, e há meses em que poderá estar abaixo.

No que se refere aos impactos para a responsabilidade civil, os juros moratórios, que enfrentavam já a discussão sobre a sua taxa, passam a apresentar outras problemáticas que influenciam diretamente a composição das dívidas decorrentes de decisões judiciais, o efeito da mora para os negócios e a capacidade de as partes prefixarem as consequências do inadimplemento. É o que se buscará, nessas breves linhas, abordar à luz das alterações promovidas pela lei 14.905/24 e das regras de direito intertemporal do CC.

Por: Marcelo Matos Amaro da Silveira e Vitor Pavan

Veja a íntegra em: https://www.migalhas.com.br/coluna/migalhas-de-responsabilidade-civil/416399/duvidas-sobre-o-regime-dos-juros-legais-apos-lei-14-905-24