A licitação é o procedimento pelo qual a Administração Pública seleciona terceiros para lhe prestarem algum tipo de serviço ou fornecer produtos, podendo ter como objeto também uma alienação ou aquisição de bens, construção de obras, a delegação de serviços, de modo que o fim é selecionar a melhor proposta aos interesses do órgão contratante, segundo regras previstas na lei e no edital. Ocorre que a competitividade almejada na licitação não é absoluta, podendo haver certas situações em que se permite que a Administração Pública contrate independentemente de prévio processo licitatório, como nos casos de dispensa de licitação e nas hipóteses de inexigibilidade de licitação, reguladas na Lei n. 8.666/93 de 21 de junho de 1993. Pretende-se destacar os mais importantes requisitos estabelecidos pela lei no tocante à inexigibilidade de licitação, mais especificamente aplicada aos serviços técnicos especializados, colacionando o entendimento jurisprudencial sobre o tema. No caso em questão, intenciona-se dar ênfase à inexigibilidade de licitação para a contratação de serviços prestados por advogados aos entes públicos. Essa contratação direta exige cautela do administrador público, pois, apesar de ser um instrumento útil que agiliza a realização dos contratos administrativos, obriga o gestor a seguir, além dos princípios da administração pública, certos requisitos legais, garantindo-se, assim, uma governança justa e transparente com a finalidade de prestar o melhor serviço à sociedade.No decorrer do estudo diferenciar-se-ão a dispensa e a inexigibilidade de licitação, elencando-se as suas peculiaridades. Em seguida, elencar-se-ão os requisitos indispensáveis para a contratação direta dos advogados pelos gestores públicos, discorrendo-se acerca da natureza intelectual do serviço do advogado e o elemento da confiança como permissivo para que o gestor público exerça o seu poder discricionário com fins de permiti-lo a realizar a contratação direta. Por fim, buscar-se-á ilustrar o assunto com a colação de jurisprudências ratificando, assim, o objeto do artigo. Com o estudo, deseja-se, não debater minúcias sobre contratação sem licitação, mas estimular o debate acerca da legalidade no procedimemto de inexigibilidade de licitação para a contratação direta de advogados para a prestação de serviços a entes públicos.
A licitação é um procedimento legal e obrigatório, regido por princípios próprios que garantem sua correta realização, sendo de fundamental importância para que a Administração firme contratos administrativos e seu objetivo, além de atender ao interesse público, é de obter a melhor proposta que atenda às necessidades das entidades públicas.Em determinados casos a realização de licitação pode comprometer a função principal da administração pública, que é zelar pela coisa pública e pelo bem comum de sua população.Nestes casos, a Lei n. 8.666/1993, que institui a obrigatoriedade do certame licitatório, concede a possibilidade ao gestor público de não realizá-lo, ocorrendo então à chamada contratação direta, ou seja, quando não existe a necessidade ou possibilidade de se realizar tal procedimento, podendo acontecer através da dispensa ou inexigibilidade de licitação.Ambas as hipóteses autorizam o gestor público a não realizar o procedimento licitatório, todavia, é preciso ser observado as peculiaridades legais existentes. Ocorre que a Lei nº 8.666/93, a despeito de trazer características da dispensa e da inexigibilidade, não é expressa em definir nenhum dos institutos, cabendo à doutrina traçar os primeiros conceitos. No dizer de Marçal Justen Filho:
“A dispensa de licitação verifica-se em situações em que, embora viável competição entre particulares, a licitação afigura-se objetivamente incompatível com os valores norteadores da atividade administrativa. Toda licitação envolve uma relação entre custos e benefícios. Há custos econômicos propriamente ditos, derivados do cumprimento dos atos materiais da licitação (publicação pela impensa, realização de testes laboratoriais, etc) e da alocação pessoal. Há custos de tempo, referentes à demora para desevolvimento dos atos da licitação. A dispensa de licitação decorre do reconhecimento por lei de que os custos inerentes a uma licitação superam os benefícios que dela poderiam advir. A lei dispensa a licitação para evitar o sacrificio dos interesses coletivos e supraindividuais.”
Por seu turno, Lúcia Vale Figueiredo e Sérgio Ferraz prelecionam que há inexigibilidade “Quando ocorrem, em caso concreto, circunstâncias especiais, de fato ou de direito, previstas em lei, as quais, porque inviabilizadoras de competição, afastam peremptoriamente a licitação.” No dizer autorizado de Maria Sylvia Zanella di Pietro, a distinção entre os institutos:
“Está no fato de que, na dispensa, há possibilidade de competição que justifique a licitação; de modo que a lei faculta a dispensa, que fica inserida na competência discricionária da Administração. Nos casos de inexigibilidade, não há possibilidade de competição, porque só existe um objeto ou uma pessoa que atenda às necessidades da Administração; a licitação é, portanto, inviável.”
Analisando-se as normas existentes, pode-se afirmar que a diferença entre os institutos consiste no fato de que na dispensa está presente o caráter competitivo intrínseco à licitação, podendo o gestor público, caso presente o interesse público e seja mais favorável à adminsitração, dispensar o certame, enquanto que na inexigibilidade isso é impossível de se aferir, por conta de que há somente um objeto ou pessoa que atenda os interesses da Administração. Ademais, para que haja justo motivo para a abertura de um processo licitatório, importante destacar que o certame está condicionado à verificação da existência de pluralidade de objetos e licitantes e que a licitação seja um instrumento apto para que o interesse público seja alcançado. Por isso, nos casos de dispensa e de inexigibilidade, quando ausentes um desses requisitos, é impossível de se realizar um procedimento licitatório. No caso da inexigibilidade de licitação, a Lei n. 8666/93 elenca quais são as hipóteses para a sua ocorrência:
“Art. 25. É inexigível a licitação quando houver inviabilidade de competição, em especial:I – para aquisição de materiais, equipamentos, ou gêneros que só possam ser fornecidos por produtor, empresa ou representante comercial exclusivo, vedada a preferência de marca, devendo a comprovação de exclusividade ser feita através de atestado fornecido pelo órgão de registro do comércio do local em que se realizaria a licitação ou a obra ou o serviço, pelo Sindicato, Federação ou Confederação Patronal, ou, ainda, pelas entidades equivalentes;II – para a contratação de serviços técnicos enumerados no art. 13 desta Lei, de natureza singular, com profissionais ou empresas de notória especialização, vedada a inexigibilidade para serviços de publicidade e divulgação;III – para contratação de profissional de qualquer setor artístico, diretamente ou através de empresário exclusivo, desde que consagrado pela crítica especializada ou pela opinião pública. […].”
É de se destacar que o rol supra não pode ser considerado como taxativo, já que o caput do art. 25 se utiliza da expressão em especial, o que implica afirmar que quando houver inviabilidade de competição, estar-se-á diante de um caso de inexigibilidade de licitação.
A primeira situação que configura uma licitação inexigível é a existência de produtor, empresa ou representante comercial exclusivo, ou seja, somente certas pessoas é que detêm todos os objetos de interesse da Administração Pública, ficando, assim, a Administração obrigada a contratar com esse fornecedor. O inciso II do art. 25 descreve a inexigibilidade de licitação para a contratação de serviços técnicos de natureza singular, salvo os serviços de publicidade, com profissionais ou empresas de notória especialização. Nesse caso o serviço técnico deve ser relevante e necessário para satisfazer o interesse do órgão contratante, de modo que o profissional a ser contratado deve possuir habilidade indiscutível, acumulando trabalhos na área em que será exigido pela Administração Pública, devendo a qualificação estar comprovada por meio documental. Por fim, a última hipótese do art. 25 elenca a hipótese de contratação de profissional de setor artístico consagrado pela crítica especializada ou pela opinião pública, o que se presume que o o profissional a ser contratado deve, no mínimo, ser conhecido pelo público. Logo, poderá ocorrer a dispensa de licitação sempre que o certame, ainda que seja viável, for mais conveniente à Administração Pública, bem ainda atender ao interesse público.
Na dispensa de licitação o gestor público poderá exercer o seu poder de analisar a conveniência, levando-se em conta, sempre, o interesse público, para decidir ou não pelo afastamento da licitação, já que o art. 24 da Lei n. 8.666/93 define os casos em que a licitação é dispensável.
Além dos casos de licitação dispensável, há também um outro tipo de contratação direta elencada nos incisos I e II do art. 17 da Lei de Licitações, as quais se destinam à alienação de bens móveis e imóveis pelos Entes públicos. No caso de bens imóveis a licitação é dispensada, e não a avaliação e autorização legislativa, quando se tratar de dação em pagaemento, permuta, doação, venda ou concessão de direito real de uso, permuta por outro imóvel de interesse público, investidura, entre outras hipóteses.
Já em relação aos móveis a licitação é dispensada, sendo necessária avaliação prévia do bem, nos casos de doação para fins e uso de interesse social, permuta entre órgãos ou entidades da Administração Pública, venda de ações, que poderão ser negociadas em bolsa, observada a legislação específica, venda de títulos, na forma da legislação pertinente, venda de bens produzidos ou comercializados por órgãos ou entidades da Administração Pública, em virtude de suas finalidades e venda de materiais e equipamentos para outros órgãos ou entidades da Administração Pública, sem utilização previsível por quem deles dispõe.Nesses casos, diferentemente da dispensa prevista no art. 24 da Lei de Licitações, a licitação é dispensada, ficando o gestor público com o seu juízo discricionário limitado à verificação da utilidade de se desfazer do bem público, já que, havendo subsunção do caso concreto com a prescrição normativa, não há margem para discricionaridade em optar pela licitação, estando essa dispensada.
A inexigibilidade do processo licitatório para a contratação direta de advogados se dá em razão da singularidade da atividade (típica à natureza deontológica da advocacia), da notória especialização e da inviabilização objetiva de competição dos serviços, conforme determina o art. 25 da Lei n° 8.666/93:
“Art. 25. É inexigível a licitação quando houver inviabilidade de competição, em especial:II – para a contratação de serviços técnicos enumerados no art. 13 desta Lei, de natureza singular, com profissionais ou empresas de notória especialização, vedada a inexigibilidade para serviços de publicidade e divulgação.”
Já o art. 13 da mesma lei define que:
“Art. 13. Para os fins desta Lei, consideram-se serviços técnicos profissionais especializados os trabalhos relativos a:I – estudos técnicos, planejamentos e projetos básicos ou executivos;II – pareceres, perícias e avaliações em geral;III – assessorias ou consultorias técnicas e auditorias financeiras;III – assessorias ou consultorias técnicas e auditorias financeiras ou tributárias;IV – fiscalização, supervisão ou gerenciamento de obras ou serviços;V – patrocínio ou defesa de causas judiciais ou administrativas;VI – treinamento e aperfeiçoamento de pessoal;VII – restauração de obras de arte e bens de valor histórico.“
Da análise da lei de licitações, pode-se concluir que a contratação de advogados por meio de inexigibilidade de licitação é legal, porquanto a contratação de profissionais de advocacia sem licitação se enquadra em uma das hipóteses de inexigibilidade de licitação cujos requisitos são a inviabilidade de competição, a prestação de algum dos serviços técnicos elencados no art. 13 da Lei n° 8666/93, o serviço a ser prestado deve ter natureza singular e o profissional a executar deve possuir notória especialização.
Inicialmente, é imperioso definirmos o que vem a ser serviço técnico elencado na lei. No caso dos advogados, esses serviços seriam os elencados nos incs. II, III e V do art. 13 da Lei n. 8.666/93. Hely Lopes Meirelles define os serviços técnicos profissionais:
Serviços técnicos profissionais são os que exigem habilitação legal para sua execução. Essa habilitação varia desde o simples registro do profissional ou firma na repartição competente até o diploma de curso superior oficialmente reconhecido. O que caracteriza o serviço técnico é a privatividade de sua execução por profissional habilitado, seja ele um mero artífice, um técnico de grau médio ou um diplomado em escola superior.
O Ilustre doutrinador também define os serviços técnicos profissionais especializados:
“São os prestados por quem, além da habilitação técnica e profissional – exigida para os serviços técnicos profissionais em geral -, aprofundou-se nos estudos, no exercício da profissão, na pesquisa científica, ou através de cursos de pós-graduação ou de es-tágios de aperfeiçoamento.”
Portanto, o advogado, por si só, já exerce um serviço técnico, de modo que, para ser visto como um profissional técnico especializado, é preciso uma qualificação específica apta a lhe atribuir uma notória especialização em algum ramo do direito.
A inviabilidade de competição reside no fato de que o art. 5º do Estatuto dos Advogados disciplina que “o exercício da advocacia é incompatível com qualquer procedimento de mercantilização” , o que implica dizer que a OAB determina que os advogados não devem disputar por preços os clientes e os serviços, a fim de evitar a chamada mercantilização do serviço jurídico, termo que é inerente às licitações.
Os serviços prestados por advogados são estritamente subjetivos e personalíssimos, sendo impossível aplicar os critérios de objetividade, para valoração de serviços, previstos nas licitações. Ora, se não há a possibilidade de se haver a competição, não há disputa, e por consequência, não há licitação.Além disso, é imperioso ressaltar que os advogados devem obediência aos dispositivos previstos no Estatuto da Advocacia, que vedam a mercantilização e o aviltamento dos honorários, senão vejamos:
“Art. 34. Constitui infração disciplinar:I – exercer a profissão, quando impedido de fazê-lo, ou facilitar, por qualquer meio, o seu exercício aos não inscritos, proibidos ou impedidos;II – manter sociedade profissional fora das normas e preceitos estabelecidos nesta lei;III – valer-se de agenciador de causas, mediante par-ticipação nos honorários a receber;IV – angariar ou captar causas, com ou sem a intervenção de terceiros; […]“
Importante, ainda, mencionar os artigos 5º e 7º do Regulamento Geral:
“Art. 5º O exercício da advocacia é incompatível com qualquer procedimento de mercantilização. […]
Art. 7º É vedado o oferecimento de serviços profissionais que impliquem, direta ou indiretamente, inculcação ou captação de clientela. […]”
Não menos importante, é a necessidade de observância ao Código de Ética quanto às questões de clientes e honorários, onde traz a obrigatoriedade de assegurar que:
“Art. 39. A celebração de convênios para prestação de serviços jurídicos com redução dos valores estabelecidos na Tabela de Honorários implica captação de clientes ou causa, salvo se as condições peculiares da necessidade e dos carentes puderem ser demonstradas com a devida antecedência ao respectivo Tribunal de Ética e Disciplina, que deve analisar a sua oportunidade. […]Art. 41. O advogado deve evitar o aviltamento de valores dos serviços profissionais, não os fixando de forma irrisória ou inferior ao mínimo fixado pela Tabela de Honorários, salvo motivo plenamente justificável. […].”
Essas disposições apenas visam enaltecer a profissão do advogado, o qual, por expressa disposição constitucional, é indispensável à administração da justiça, sendo inviolável por seus atos e manifestações no exercício da profissão.
Portanto, exercendo o advogado uma função essencial à administração da justiça, o que implica dizer que, sem ele, não há justiça, é inadmissível que legislações infraconstitucionais ou entendimentos doutrinários e jurisprudenciais limitem, relativizem, generalizem, desprezem a singularidade da profissão de advogado, reconhecida constitucionalmente como única para a administração da justiça, de modo que não se pode aceitar que critérios aplicáveis a produtos/mercadorias sejam utilizados para a contratação de advogados, não passando, assim, de verdadeiro aviltamento da profissão.
Nesse sentido, além de ser totalmente impossível de se utilizar as regras aplicáveis aos procedimentos licitatórios visando o melhor preço, o advogado está limitado a seguir a sua ética e demais normas do conselho de classe, os quais o obrigam a não disputar, em hipótese alguma, preço em procedimentos de licitação, sob pena de se estar violando um direito garantido constitucionalmente ao advogado.
A singularidade no caso em questão reside no fato de que os serviços prestados por advogados são incomparáveis, por se tratar de atividade intelectual, o que por si só caracteriza a singularidade da atividade. É essa a lição de Marçal Justen Filho:
“Consultem-se diversos advogados e cada qual identificará diversas soluções para a condução de uma causa. Todas elas poderão ser cientificamente defensáveis e será problemático afirmar que uma é mais certa do que outra. Algumas alternativas poderão ser qualificadas como erradas, mas mesmo essa qualificação poderá ser desmentida pela evolução dos fatos e tendo em vista a natureza contextual dos problemas enfrentados. Depois, cada advogado executará a solução técnica de modo distinto. A condução de uma causa perante a Justiça ou a Administração nunca será exatamente idêntica a uma outra, realizada por advogado diverso. Assim se passa porque uma das características desse tipo de atividade consiste na aplicação do conhecimento teórico e da habilidade pessoal na produção de uma utilidade concreta. Isso significa que a personalidade do prestador do serviço será refletida na prestação executada, gerando variações subjetivas inafastáveis.“
O grande equívoco cometido por alguns juristas, Tribunais e Corte de Contas é definir a singularidade como se fosse apenas para um caso complexo, entendimento que não condiz com a Lei de Licitações, porquanto ela é expressa ao dizer ser inexigível a licitação quando houver inviabilidade de competição para a contratação de serviços técnicos enumerados no art. 13 desta Lei, de natureza singular, com profissionais ou empresas de notória especialização.
As expressões em destaque, ainda que à primeira vista pareçam comuns e de fácil percepção, merecem uma atenção especial e um cuidado interpretativo, porquanto não se pode colocar a profissão do advogado como sendo uma mercadoria ou simplesmente um serviço de fácil consecução. É preciso analisar as normas aplicáveis à inexigibilidade sob o enfoque das regras éticas, as quais disciplinam a profissão, bem ainda sob o manto constitucional dado a ela. Não há como se distinguir o serviço advocatício de pequeno ou de grande monta, aquele dotado de maior ou de menor complexidade formal, ou aquele que se realiza com maior frequência nas necessidades diárias da profissão do que outro mais raro. Se os trabalhos inerentes ao Advogado não podem ser realizados por mais nenhum profissional, então nada tem de comum, normal, vulgar, corriqueiro ou mesmo trivial, posto que no Brasil, para se exercer a profissão de advogado, é preciso estar regularmente inscrito na Ordem dos Advogados do Brasil, o que só pode ocorrer após a conclusão do ensino superior e aprovação no chamado Exame de Ordem.
A singularidade, no caso dos serviços advocatícios, é da atividade em si e não de um trabalho específico, porquanto não há padronização mediante fórmulas prontas e acabadas no desenvolvimento de seu ofício, muito pelo contrário, tem-se a criação a cada instante, atendendo-se a necessidade do trabalho específico sob sua responsabilidade. Essa é a singularidade do serviço, aquele inimitável, incomparável, dentro da concepção humana, por outro profissional, mesmo que tão habilitado quanto outro profissional. Celso Antônio Bandeira de Mello define os serviços singulares como:
“Em suma: a singularidade é relevante e um serviço deve ser havido como singular quando nele tem de interferir, como requisito de satisfatório atendimento da necessidade administrativa, um componente criativo de seu autor, envolvendo o estilo, o traço, a engenhosidade, a especial habilidade, a contribuição intelectual, artística, ou a argúcia de quem o executa, atributos, estes, que são precisamente os que a Administração reputa conveniente e necessita para a satisfação do interesse público em causa.”
O advogado César Augusto Assad Filho defende que:
“Atribuir ao serviço prestado por Advogado como serviço corriqueiro, diminui a dignidade do prestador. A insultuosa pecha de trabalho rotineiro, fácil ou simples ofende o Advogado militante em determinada área especifica do direito, no caso, direito administrativo, em virtude do menosprezo a todo seu passado de trabalho, de estudo e de realizações, que é tão difícil de se obter.”
O Supremo Tribunal Federal, por meio do Relator Min. Eros Roberto Grau, ao julgar a Ação Penal 348, definiu o que vem a ser singularidade:
“Serviços singulares são os executados segundo características próprias do executor. Correta, portanto, a observação de que singulares são os serviços porque apenas podem ser prestados, de certa maneira e com determinado grau de confiabilidade, por um determinado profissional ou determinada empresa. Por isso mesmo é que a singularidade do serviço esta contida no bojo na notória especialização. Ser singular o serviço, isso não significa seja ele necessariamente o único. Outros podem realizá-lo, embora não possam realizá-lo do mesmo modo e com o mesmo estilo de um determinado profissional ou de uma determinada empresa. A escolha desse profissional ou dessa empresa, o qual ou a qual será contratada sem licitação – pois o caso é de inexigibilidade de licitação – incumbe à administração.”
Por tudo isso, pode-se concluir que os serviços prestados por advogados e a atividade em si é que são singulares, por ser uma atividade eminentemente intelectual, incomparável e imitável. Por fim, a inexigibilidade de licitação para a contratação de advogados somente pode ocorrer caso o profissional ou o Escritório de Advocacia possuam notória especialização em direito público ou outro ramo que a demanda assim exigir. A qualificação técnica do profissional é que tem o condão de revelar a notoriedade no meio jurídico, não cabendo a mais ninguém fazer esse julgamento.
Nessa ordem de ideia, Marçal Justen Filho define alguns elementos que podem caracterizar a notoriedade, auxiliando o trabalho de análise do administrador:
“Assim, a conclusão de cursos, a participação em certos organismos voltados à atividade especializada, o desenvolvimento de serviços semelhantes em outras opor-tunidades, a autoria de obras literárias (técnico-científicas, se for o caso), o exercício do magistério superior, a premiação por serviços similares, a existência de aparelhamento específico, a organização de equipe técnica etc.”
Assim é que em cada intervenção do advogado, seja na elaboração de um parecer sobre um edital de licitação ou na apresentação de defesa na esfera judicial, seja na elaboração ou análise de um projeto de lei, é imprescindível toda uma visão mais prolongada, detalhada a respeito do tema, o que só pode ser realizado por aquele profissional que detém familiaridade sobre a área especifica de atuação, no caso o direito público.
O cerne da questão da notória especialização está no fato de que essa visão mais refinada, especializada, poderá levar o administrador público a tomar atos com consequências desastrosas, que serão, depois, objeto de análise pelo Tribunal de Contas, Ministério Público e Poder Judiciário, sendo, assim, trivial que o gestor público sempre tenha ao seu lado o profissional advogado com notória especialização em direito público ou outro ramo do direito conveniente ao caso.
Logo, se o trabalho do advogado é intelectual e por isso singular, então deve a licitação ser inexigível. E amparado por todas essas peculiaridades da profissão do advogado, é que o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil aprovou e fez publicar no DOU n. 205, de 23/10/2012, às fls. 119, a Súmula 4/2012/COP, que delimitou o seguinte:
“ADVOGADO. CONTRATAÇÃO. ADMINIS-TRAÇÃO PÚBLICA. INEXI-GIBILIDADE DE LICITAÇÃO. Atendidos os requisitos do inciso II do art. 25 da Lei nº 8.666/93, é inexigível procedimento licitatório para contratação de serviços advocatícios pela Administração Pública, dada a singu-laridade da atividade, a notória especialização e a inviabilização objetiva de competição, sendo inaplicável à espécie o disposto no art. 89 (in totum) do re-ferido diploma legal.” Brasília, 17 de setembro de 2012. OPHIR CAVALCANTE JUNIOR Presidente. JARDSON SA-RAIVA CRUZ Relator.”
Sendo assim, havendo a contratação de advogados, por meio de inexigibilidade de licitação, e atendidos os requisitos da inviabilidade de competição, a prestação dos serviços técnicos está elencada no art. 13 da Lei n° 8666/93, o serviço a ser prestado tem natureza singular e o profissional a executar possui notória especialização, a Administração Pública pode e deve contratar diretamente o profissional do ramo da advocacia, não cometendo, assim, nenhuma ilegalidade na inexigibilidade de licitação.
Os trabalhos inerentes ao advogado são singulares como já defendido, já que se trata de atividade eminentemente intelectual, posto que no Brasil, para se exercer a profissão de advogado, é preciso estar regularmente inscrito na Ordem dos Advogados do Brasil, o que só pode ocorrer após a conclusão do ensino superior e aprovação no chamado Exame de Ordem.
A intelectualidade e a singularidade, no caso dos serviços advocatícios, é da própria ativida-de e não de um trabalho específico, pois o advogado não aprende uma padronização mediante fórmulas prontas para que possa exercer o seu ofício, muito pelo contrário, tem-se criação a cada instante, estando configurado, assim, que se trata de uma atividade intelectual.
Além de todos os requisitos necessários à contratação de um advogado por inexigibilidade de licitação, um elemento é primordial na relação entre o advogado e o seu cliente: “a confiança”.
Esse elemento também deve valer para o administrador público, já que todos os seus atos são e serão fiscalizados pelo Ministério Público, Tribunal de Contas, Câmara de Vereadores e pela sociedade civil, o que implica afirmar que o gestor público deve estar muito bem as-sessorado administrativamente e principalmente juridicamente, posto que, uma vez tomadas decisões equivocadas, as consequências jurídicas são grandes, como perda do patrimônio, direitos políticos e até mesmo da liberdade.
Assim, o Poder Público e o r. gestor têm o poder de escolher, dentre os muitos profissionais devidamente qualificados, aqueles que mais demostrem confiança, ou seja, aquele que possui, aos olhos do Poder Público, maior compatibilidade com os desideratos da Administração Pública. Acerca do elemento confiança, César Augusto Assad Filho defende que:
“Os atributos profissionais do contratado devem despertar no contratante a convicção de que o serviço deste será irrefutavelmente superior ao dos demais, em atendimento às necessidades da Administração e às exigências da situação concreta. Também a confiança tem origem na discricionariedade de que dispõe o Poder Público ao tratar de questões da mais alta relevância jurídica ou política. Não se pode esperar que o administrador tenha objetividade total. Certamente, a escolha de certos profissionais em detrimento de outros levará em consideração a confiança e segurança de que a atividade será realizada a contento por aquele que se contrata.”
E para que o gestor público possa se valer do elemento confiança ao contratar um advogado, ele deve colocar em prática a discricionariedade de que dispõe ao para tratar das questões da mais alta relevância jurídica ou política, sendo inconcebível que a contratação de um advogado para tratar dos interesses da Administração possa se dar por meio de critérios objetivos.Com isso, indubitável que a escolha de certos profissionais em detrimento de outros levará em consideração a confiança de que o serviço a ser prestado por certo profissional será realizado nos exatos moldes e sempre visando o melhor para a Administração Pública. Por tais razões, a contratação de serviços prestados por advogados é juridicamente viável, lícita e legítima, e deve ser realizada seguindo o rito dos processos de inexigibilidade de licitação.
Ante a escassez de recursos, aliado ao tamanho do território brasieliro, a imensa esmagadora dos municípios brasileiros carecem de Procuradoria Jurídica, e essa ausência também decorre da indisponibilidade e do desinteresse dos profissionais habilitados em exercer essa função.
Importante ressaltar esses municípios se enquadram no padrão pequeno, ante a ausência de recursos de ordem financeira, humanos, dentre outros. Somente para exemplificar algumas dificuldades enfrentadas nesses entes da federação, os servidores são disputados pelo mercado privado, ficando, assim, a Administração Municipal com carência de servidores qualificados para atuarem na administração.
Por esses motivos, entre outros de igual forma relevantes, é indispensável a contratação de uma assessoria jurídica qualificada, já que a própria mão de obra dessas Prefeituras não possui a qualificação costumeira.
Toda essa transferência de conhecimento e de técnicas é essencial para o aperfeiçoamento da Administração, que, muitas vezes, não possui, sequer, Procuradoria Jurídica com profissionais habilitados, e tampouco com procuradores com conhecimento notório reconhecido publicamente a partir de trabalhos anteriores. Em outros casos, é sabido que não há, sequer, advogado na cidade.
É oportuno observar, ainda, que a Constituição Federal não estabeleceu a obrigatoriedade de instituição de procuradoria jurídica municipal especializada, tal qual é exigível dos Estados e da União, visto ser inviável do pondo de vista econômico, senão vejamos:
“Art. 131. A Advocacia-Geral da União é a instituição que, diretamente ou através de órgão vinculado, representa a União, judicial e extrajudicialmente, cabendo-lhe, nos termos da lei complementar que dispuser sobre sua organização e funcionamento, as atividades de consultoria e assessoramento jurídico do Poder Executivo.§ 1º – A Advocacia-Geral da União tem por chefe o Advogado-Geral da União, de livre nomeação pelo Presidente da República dentre cidadãos maiores de trinta e cinco anos, de notável saber jurídico e reputação ilibada.§ 2º – O ingresso nas classes iniciais das carreiras da instituição de que trata este artigo far-se-á mediante concurso público de provas e títulos.§ 3º – Na execução da dívida ativa de natureza tributária, a representação da União cabe à Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, observado o disposto em lei.Art. 132. Os Procuradores dos Estados e do Distrito Federal, organizados em carreira, na qual o ingresso dependerá de concurso público de provas e títulos, com a participação da Ordem dos Advogados do Brasil em todas as suas fases, exercerão a representação judicial e a consultoria jurídica das respectivas unidades federadas. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)Parágrafo único. Aos procuradores referidos neste artigo é assegurada estabilidade após três anos de efetivo exercício, mediante avaliação de desempenho perante os órgãos próprios, após relatório circunstanciado das corregedorias. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)”
Acerca da matéria, Adilson Abreu Dallari detém o entedimento de que:
“De pronto já se percebe que o dispositivo não menciona os Municípios, e esse é um eloquente silêncio, ditado pelo simples bom senso, pois existem Municípios de todos os portes, que comportam ou não a instituição de uma procuradoria. Da mesma forma, não está abrangida a administração descentralizada ou indireta, especialmente as empresas estatais, dotadas de personalidade jurídica de direito privado e de patrimônio distinto daquele das unidades federadas a que se vinculem. Mais importante que isso, porém, é lembrar um postulado elementar de hermenêutica, no sentido de que uma simples disposição isolada (de cunho nitidamente corporativo, digase de passagem) não pode derrubar um princípio fundamental da organização nacional, qual seja, o princípio federativo, que tem como componente essencial a autonomia administrativa dos entes federados.”
Importante ainda evidenciar sobre a discussão o parecer de lavra da Procuradora Maria Cecilia Borges, do Ministério Público de Contas do Estado de Minas Gerais, quando elucidou a questão:
“Há que se ter em conta ainda que, caso configurada inexigibilidade de licitação para contratação de serviços advocatícios, o procedimento que lhe dê ensejo deve ser necessariamente formalizado, nos termos do art. 26 da Lei n. 8.666/93. Nesse sentido, o TCU, no subitem 8.2.2 da Decisão n. 30/2000 do Plenário, determinou que a Administração Pública, em referidas contratações, “observe, com rigor, o disposto no art. 26 da Lei n. 8.666/93, de modo que sejam devidamente justificados os motivos da escolha do fornecedor ou executante e os preços pactuados”. (grifo nosso).
“Diante do exposto, conclui este Parquet de Contas ser possível a contratação de serviços advocatícios por meio de procedimento de inexigibilidade de licitação, o qual necessariamente deve ser formalizado, contendo, entre outros itens legalmente previstos, as justificativas para caracterização do serviço como sendo de natureza singular e do profissional contratado como possuidor de notória especialização.
Nesse mesmo sentido, o Procurador-Geral da República Roberto Monteiro Gurgel Santos, em seu parecer exarado nos autos do Processo de Proposta de Súmula Vinculante n. 18/DF, dispôs que:
[…] por abranger as mais variadas e desiguais situações, compreendendo desde metrópoles como São Paulo até pequenas municipalidades no interior do país, no âmbito dos municípios poderão existir desde procuradorias estruturadas — com advogados efetivos, concursados e integrados em carreira jurídica — até hipóteses de advogado único, nomeado para o cargo em comissão ou contratado para representar o ente judicialmente. Desta feita, em homenagem ao princípio federativo, incumbe ao Município optar pela instituição de procuradoria municipal ou pela contratação de profissionais para execução dos serviços advocatícios. Essa questão merece destaque especialmente em Estados tais como Minas Gerais, com mais de 800 municípios, a maioria de pequeno porte e com baixo índice populacional. Contudo, a liberdade regulamentar do município, advinda do princípio federativo, não é ilimitada. A própria Constituição da República, ao tratar do tema, estabeleceu, no caput de seu art. 25, que o “Município reger-se-á por lei orgânica […] atendidos os princípios estabelecidos nesta Constituição, na Constituição do respectivo Estado […]”.
“Em outros termos, a lei orgânica de um município deve ser simétrica às constituições federal e estadual, havendo quem entenda que a escolha preferencial do ente deve ser a instituição de procuradoria municipal, determinando a exigência constitucional de concurso público para ingresso na Administração Pública, aliada à obrigatoriedade de instituição de carreira de advocacia pública para os demais entes federados, que o Município excepcionalmente possa inovar sobre o tema, tendo em vista as peculiaridades locais, como medida que se revele mais eficiente e econômica.
Assim, uma vez criadas, as procuradorias municipais devem ter seu cargos preenchidos por meio de concurso público, com exceção aos cargos em comissão, de livre nomeação e exoneração, com caráter de assessoramento, chefia ou direção. É o que entende o STF, conforme ADI n. 2682 (Relator: Min. Gilmar Mendes, Tribunal Pleno, julgado em 12/02/09, DJe-113, publ. 19/06/09).
Diante do exposto, conclui-se que, em virtude do princípio federativo, os Municípios devem optar ou pela contratação de advogados por meio de procedimento licitatório — desde que presentes peculiaridades que tornem a medida mais eficiente e econômica — ou sua inexigibilidade, se for o caso, ou pela instituição de procuradoria municipal.
De outro lado, é de se observar, outrossim, que os serviços objetos da contratação de advogados não constituem atividade fim do Município, que, à evidência, preordena-se a atender necessidades coletivas no campo da saúde, da educação, do lazer, do esporte, da estruturação da mobilidade, infraestrutura e sistema viário urbanos, constituindo as atividades de assessoramento jurídico e acompanhamento processual atividades meio necessárias ao desenvolvimento daquelas necessidades primárias.Vislumbra-se, assim, com relativa facilidade, que os serviços prestados por advogados constitui atividade meio e não atividade fim da Administração Pública. Portanto, tendo em vista a motivação consistente na necessidade da contratação ante a ausência de Procuradoria devidamente estruturada e do volume de serviço existentes nos municípios brasileiros, ainda, face à caracterização do serviço como atividade meio e não atividade fim, é absolutamente legal e regular a contratação de advogados por meio de inexigibilidade de licitação.”
Atentos às circunstâncias peculiares que circundam a matéria, o E. e. Tribunal de Contas do Estado de Mato Grosso do Sul editou a Súmula nº. 62, esclarecendo o tema e trazendo maior segurança jurídica para que os administradores possam contratar serviços jurídicos do interesse dos Entes Públicos, como se nota de sua redação:
“SÚMULA TC/MS N.º 62. Contrato. Advogado. Serviço técnico profissional. Conceito notório. Natureza singular do serviço. Inexigibilidade de licitação. Legalidade. Regularidade. “OS SERVIÇOS DE NATUREZA TÉCNICO-JURÍDICO, DE INTERESSE DA COISA PÚBLICA EM DEFESA NAS CAUSAS JUDICIAIS, ASSESSORIA OU CONSULTORIA, PODERÃO SER CONSIDERADOS DE NOTÓRIA ESPECIALIZAÇÃO, DESDE QUE SEJA CONSIDERADO O MAIS ADEQUADO À SATISFAÇÃO DO OBJETO DO CONTRATO, ESTE FIRMADO COM DISPENSA DO PROCESSO LICITATÓRIO.”
Sobre a possibilidade de se realizar contratações como a solicitada, bem como sobre a forma como deve ser realizada, já se manifestou o Excelso Supremo Tribunal Federal, em algumas oportunidades, quando esclareceu que, em razão das características peculiares do serviço jurídico, devem tais contratações ser realizadas com dispensa de licitação, segundo o critério discricionário do administrador, como se nota da manifestação do eminente Ministro Eros Grau no julgamento da AP 348, vejamos:Em tese de doutrina desenvolvi algumas anotações a propósito do equívoco segundo o qual a notória especialização apenas se manifestaria quando inexistissem outras empresas ou pessoas capazes prestar os mesmos serviços, além daquela à qual se pretenda atribuir a qualificação:[…] Permanecem alguns Tribunais de Contas a sustentar que apenas se manifesta a notória especialização quando inexistam outras empresas ou pessoas capazes de prestar os mesmos serviços, além daquela à qual se pretenda atribuir aludida qualificação.
Entendo, não obstante, que ‘serviços técnicos profissionais especializados’ são serviços que a Administração deve contratar sem licitação, escolhendo o contratado de acordo, em última instância, com o grau de confiança que ela própria, Administração, deposite na especialização desse contratado. É isso, exatamente isso, o que diz o direito positivo, como adiante demonstrarei.Vale dizer: nesses casos, o requisito da confiança da Administração em quem deseje contratar é subjetivo, logo, a realização de procedimento licitatório para a contratação de tais serviços – procedimento regido entre outros, pelo princípio do julgamento objetivo – é incompatível com a atribuição de exercício de subjetividade que o direito positivo confere à Administração para a escolha do ‘trabalho essencial e indiscutivelmente mais adequado à plena satisfação do objeto do contrato’ (cf § 1º do art. 25 da Lei 8.666/93).Há, por certo, quem não goste disso. Mas é isso o que define o direito positivo, apesar do desconforto que possa causar em quem quer que seja, movido pela aspiração de substituir o direito vigente por outro. Até que isso venha a ocorrer, contudo, revolucionariamente ou não, o direito vigente não pode ser desacatado.
O Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso do Sul, ao analisar a legalidade de um processo de inexigibilidade de licitação, assentou o seguinte entendimento:
“PENAL E PROCESSO PENAL – DENÚNCIA – INEXIGIBILIDADE DE LICITAÇÃO – NOTÓRIA ESPECIALIZAÇÃO COMPROVADA PREFEITO MUNICIPAL E SERVIDORES MUNICIPAIS – AUSÊNCIA DE DOLO E DE AJUSTE – MERO CUMPRIMENTO DE FUNÇÕES – DOLO ESPECÍFICO NÃO EVIDENCIADO – REJEIÇÃO. Havendo documentos que atestam a notória especialização e a singularidade dos serviços prestados pelos advogados contratados, evidencia-se, de plano, a ausência de dolo específico. A participação dos servidores públicos municipais – procurador jurídico e grupo executivo de licitação – na análise de procedimento que declara a inexigibilidade de licitação, especialmente quando aprovada pelo Tribunal de Contas, não implica em conluio com o objetivo de agir indevidamente contra as regras da Lei n.º 8.666/93. Feito Não Especificado a que se julga improcedente, ante a manifesta ausência de dolo específico dos acusados em declarar a inexigibilidade de procedimento licitatório.”
Por fim, sobre as contratações como a solicitada, bem como sobre a forma como deve ser realizada, o Superior Tribunal de Justiça, recentemente, ao decidir o Recurso Especial n. 1.192.332/RS, assentou o entendimento de que:
“ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. CONTRATAÇÃO DE SERVIÇOS ADVOCATÍCIOS COM DISPENSA DE LICITAÇÃO. ART. 17 DA LIA. ART. 295, V DO CPC. ART. 178 DO CC/16. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. SÚMULAS 282 E 356 DO STF. ARTS. 13 E 25 DA LEI 8.666/93. REQUISITOS DA INEXIGIBILIDADE DE LICITAÇÃO. SINGULARIDADE DO SERVIÇO. INVIABILIDADE DE COMPETIÇÃO. NOTÓRIA ESPECIALIZAÇÃO. DISCRICIONARIEDADE DO ADMINISTRADOR NA ESCOLHA DO MELHOR PROFISSIONAL, DESDE QUE PRESENTE O INTERESSE PÚBLICO E INOCORRENTE O DESVIO DE PODER, AFILHADISMO OU COMPADRIO. RECURSO ESPECIAL PROVIDO. (…) 3. Depreende-se, da leitura dos arts. 13 e 25 da Lei 8.666/93 que, para a contratação dos serviços técnicos enumerados no art. 13, com inexigibilidade de licitação, imprescindível a presença dos requisitos de natureza singular do serviço prestado, inviabilidade de competição e notória especialização. 4. É impossível aferir, mediante processo licitatório, o trabalho intelectual do Advogado, pois trata-se de prestação de serviços de natureza personalíssima e singular, mostrando-se patente a inviabilidade de competição. 5. A singularidade dos serviços prestados pelo Advogado consiste em seus conhecimentos individuais, estando ligada à sua capacitação profissional, sendo, dessa forma, inviável escolher o melhor profissional, para prestar serviço de natureza intelectual, por meio de licitação, pois tal mensuração não se funda em critérios objetivos (como o menor preço). 6. Diante da natureza intelectual e singular dos serviços de assessoria jurídica, fincados, principalmente, na relação de confiança, é lícito ao administrador, desde que movido pelo interesse público, utilizar da discricionariedade, que lhe foi conferida pela lei, para a escolha do melhor profissional. 7. Recurso Especial a que se dá provimento para julgar improcedentes os pedidos da inicial, em razão da inexistência de improbidade administrativa.”
E com base nesse julgado do Superior Tribunal de Justiça, o Conselho Nacional do Ministério Público, por meio do Conselheiro Esdras Dantas de Souza, requereu ao seu Presidente uma proposta de recomendação para o fim de recomendar aos membros do Ministério Público que se abstenham de adotar medidas contrárias ao entendimento do Superior Tribunal de Justiça que, pautados nos arts. 13 e 25 da Lei nº 8.666/93, autoriza o ente público a contratar o advogado por inexigibilidade de licitação.
Portanto, com base nos entendimentos supra, a Administração tem o poder discricionário de contratar serviços técnicos especializados, de acordo com o grau de confiança que deposite na notória especialização dos profissionais contratados.Nesse passo, convém ressaltar que a prestação de serviços jurídicos privativos de advogado envolve uma relação de personalíssima confiança, na qual são estimados os atributos profissionais e morais do contratado, em função dos interesses do ente público e do objetivo que se pretende ver alcançado.
A prescindibilidade de licitação pode ocorrer em certos casos, os quais são descritos na lei, podendo ser definidada como licitação dispensada, dispensável e inexigibilidade, de modo que o obejtivo é permitir que os entes públicos realizem a contratação com terceiros independentemente de processo licitatório.
O que definirá se a licitação é dispensada, dispensável ou até mesmo inexigível é a presença do elemento da competividade e a sua viabilidade, de modo que pode-se concluir que a diferença entre esses institutos reside na questão de que na dispensa está evidente o caráter competitivo intrínseco à licitação, podendo o gestor público, caso existente o interesse público e a situação ser mais favorável à adminsitração, dispensar o certame, enquanto que na inexigibilidade de licitação, isso não é possível de se aferir, em razão de que há somente um objeto ou pessoa que atenda aos interesses da Administração.Pretendeu-se dar enfase aos mais importantes requisitos estabelecidos pela lei no tocante à inexigibilidade de licitação, mais especificamente para a contratação de serviços prestados por advogados aos entes públicos.
Essa contratação direta exige certos cuidados do gestor público, porquanto ele deve seguir os princípios da administração pública e requisitos legais, atentando-se, sempre, em verificar se o profissional a ser contratado atende aos requisitos do objeto da contratação, como qualificação, área de atuação, experiência, confiança, aliado ao interesse público.
Nesse norte, a Administração Pública pode e deve contratar diretamente o profissional do ramo da advocacia, não cometendo, assim, nenhuma ilegalidade na inexigibilidade de licitação, caso atendidos os requisitos da inviabilidade de competição, a prestação dos serviços técnicos esteja elencada no art. 13 da Lei n° 8666/93, o serviço a ser prestado seja natureza singular e o profissional a executar possua notória especialização.Além desses requisitos indispensáveis à contratação de um advogado por inexigibilidade de licitação, a confiança é um elemento primordial na relação entre o advogado e o seu cliente, devendo o administrador público dele se utilizar, porquanto todos os seus atos são e serão fiscalizados pelo Ministério Público, Tribunal de Contas, Câmara de Vereadores e pela sociedade civil, e nada mais justo que o gestor esteja cercado por assessores qualificados e de sua confiança, não podendo se esquecer que, caso praticados atos indevidos, incorretos e ilegais, sérias são as consequências jurídicas, como perda do patrimônio, direitos políticos e até mesmo da liberdade.
Demonstrou-se, também, que os serviços prestados por advogados constituem atividade meio e não atividade fim da Administração Pública, que, à evidência, tem a missão de atender necessidades coletivas no campo da saúde, da educação, do lazer, do esporte, da estruturação da mobilidade, infraestrutura e sistema viário urbanos, entre outros, constituindo as atividades de assessoramento jurídico e acompanhamento processual atividades meio necessárias ao desenvolvimento daquelas necessidades primárias, sendo absolutamente legal e regular a contratação de advogados por meio de inexigibilidade de licitação.
Além da doutrina e legislação, procurou-se destacar o entendimento jurisprudencial, no sentido de ser legal e regular a inexigibilidade de licitação para a contratação de advogados, desde que presentes os requisitos legais.
Por tais razões, considerando todos os mandamentos constitucionais pertinentes, considerando que a natureza do serviço jurídico é incompatível com a realização de processo licitatório, considerando que a Lei n. 8.666/93 dispõe, em seu art. 25, caput, ser inexigível o procedimento licitatório quando houver inviabilidade da competição, a Súmula n. 4/2012/COP da OAB, considerando os preceitos definidos pelo art. 25, II, c/c o art. 13, III e V, ambos da Lei n. 8.666/93, considerando a jurisprudência sobre a matéria, a contratação de serviços de assessoria e consultoria jurídica é juridicamente viável, lícita e legítima, e deve ser realizada seguindo o rito dos processos de inexigibilidade de licitação.
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