A Lei nº 13.043/14 resolveu acelerar o ajuizamento da ação de busca e apreensão, de forma que passou a permitir que as medidas liminares sejam concedidas durante o plantão do judiciário, ou seja, fora do horário normal do expediente forense.
No dia 14 de Novembro de 2014, foi publicada no Diário Oficial da União a Lei nº 13.043/14, como resultado da aprovação do Projeto de Lei de Conversão da Medida Provisória nº 654/2014.
A Lei nº 13.043/14 aborda um grande número de temas, como, por exemplo, os relacionados aos fundos de índice de renda fixa, à responsabilidade tributária na integralização de cotas de fundos ou clubes de investimentos, à isenção de imposto de renda na alienação de ações de pequenas e médias empresas, dentre outros.
Este artigo trata das importantes alterações que foram implementadas pela Lei nº 13.043/14 em vários artigos do Decreto Lei nº 911/69, também conhecido popularmente como a “Lei de Alienação Fiduciária de Veículos“, considerando que este tema de Direito Bancário é de grande importância para a população brasileira, devido ao vultoso crescimento do mercado de financiamento de veículos no país, apesar do atual panorama da economia brasileira já apresentar sinais de instabilidade para o futuro, como muito debatido nas últimas eleições presidenciais.
Via de regra, o contrato de alienação fiduciária regido pelo DL nº 911/69 é celebrado entre duas partes, sendo uma a instituição financeira (Banco), proprietária do veículo alienado, e a outra o próprio adquirente daquele veículo (pessoa física ou jurídica), que obterá a propriedade definitiva sobre aquele bem, após cumprir todas as condições estabelecidas no contrato de alienação fiduciária celebrado.
Todavia, embora existam casos em que este contrato possa ser celebrado entre mais de duas pessoas, não entraremos nesta discussão nas linhas seguintes deste artigo.
Neste contrato, estarão previstos os termos e condições do negócio. Como forma de garantia de que o valor do empréstimo será quitado, a instituição financeira ficará com a propriedade resolúvel do veículo e o adquirente, por sua vez, com a posse direta sobre o mesmo até o total cumprimento das obrigações contratuais, quando, então, lhe será transferida a propriedade plena do veículo.
Assim, uma vez cumprido integralmente o contrato de alienação fiduciária, com o pagamento de todas as parcelas ajustadas, o contratante (adquirente) receberá da instituição financeira a propriedade plena sobre o veículo.
Todavia, em caso de atraso ou de inadimplemento no pagamento das parcelas contratuais, têm-se por configurada a mora do contratante, mediante o preenchimento dos requisitos previstos no Decreto Lei nº 911/69, cujas modificações introduzidas pela Lei nº 13.043/14 serão debatidas nas linhas seguintes deste estudo.
Para tanto, deveria encaminhar uma notificação extrajudicial para o devedor exclusivamente por meio dos cartórios de registro de títulos e documentos ou mesmo promover o protesto do contrato na serventia cartorária competente, na forma do que previa o parágrafo 2º do artigo 2º do Decreto Lei nº 911/69.
“Art 2º (…)
§ 2º A mora decorrerá do simples vencimento do prazo para pagamento e poderá ser comprovada por carta registada expedida por intermédio de Cartório de Títulos e Documentos ou pelo protesto do título, a critério do credor. “
O tema, inclusive, foi objeto da Súmula nº 72 do STJ que assim dispõe: “A comprovação da mora é imprescindível à busca e apreensão do bem alienado fiduciariamente“.
Com o início da vigência da Lei nº 13.043/14, a comprovação da mora passou a ser possível pela instituição financeira através do envio de uma simples notificação extrajudicial por via postal (Correios) com A.R (aviso de recebimento) para o endereço residencial do devedor, tornando desnecessária, assim, qualquer intervenção dos cartórios para tal finalidade. Esta alteração encontra-se na nova redação do parágrafo 2º do artigo 2º do DL 911/69.
“§ 2o A mora decorrerá do simples vencimento do prazo para pagamento e poderá ser comprovada por carta registrada com aviso de recebimento, não se exigindo que a assinatura constante do referido aviso seja a do próprio destinatário.“
Um ponto importante a destacar sobre o aviso de recebimento e que consta na parte final da redação do §2º supracitado é que, a partir de agora, ele não precisa mais ser assinado pelo próprio destinatário para que a comprovação da mora reste configurada, bastando apenas que seja subscrito por qualquer pessoa que esteja no endereço do devedor quando da entrega da notificação ou ainda por qualquer funcionário que trabalhe no local (porteiros, por exemplo).
Esta alteração, que visou reduzir o custo das notificações e isentar as instituições financeiras do pagamento dos emolumentos dos cartórios, já vinha sendo empregada na prática pelo STJ, como podemos verificar da leitura de trecho do julgado a seguir.
“(…) Esta Corte consolidou entendimento no sentido de que, para a constituição em mora por meio de notificação extrajudicial, é suficiente que seja entregue no endereço do devedor, ainda que não pessoalmente. (…)
STJ. 4ª Turma. AgRg no AREsp 419.667/MS, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 06/05/2014.“
A Lei nº 13.043/14, ao modificar o artigo 3º, resolveu acelerar o ajuizamento da ação de busca e apreensão, de forma que passou a permitir que as medidas liminares sejam concedidas durante o plantão do judiciário, ou seja, fora do horário normal do expediente forense. Diz o novo artigo 3º, verbis:
“Art. 3o O proprietário fiduciário ou credor poderá, desde que comprovada a mora, na forma estabelecida pelo § 2o do art. 2o, ou o inadimplemento, requerer contra o devedor ou terceiro a busca e apreensão do bem alienado fiduciariamente, a qual será concedida liminarmente, podendo ser apreciada em plantão judiciário.” (grifo nosso)
Assim, basta que a instituição credora comprove a mora do devedor e reúna os demais requisitos previstos no Decreto Lei nº 911/69 que ao magistrado de plantão é dado o poder-dever de conceder a medida liminar (sem ouvir o devedor) de busca e apreensão do veículo.
“§ 9o Ao decretar a busca e apreensão de veículo, o juiz, caso tenha acesso à base de dados do Registro Nacional de Veículos Automotores – RENAVAM, inserirá diretamente a restrição judicial na base de dados do Renavam, bem como retirará tal restrição após a apreensão.
§ 10. Caso o juiz não tenha acesso à base de dados prevista no § 9o, deverá oficiar ao departamento de trânsito competente para que:
I – registre o gravame referente à decretação da busca e apreensão do veículo; e
II – retire o gravame após a apreensão do veículo”
Para isso, basta que a instituição financeira, tão logo localize o veículo, procure o judiciário daquela localidade e apresente a cópia da petição inicial e a decisão de concessão da medida liminar. É o que prescreve o parágrafo 12 do artigo 3º do DL 911/69.
“§ 12. A parte interessada poderá requerer diretamente ao juízo da comarca onde foi localizado o veículo com vistas à sua apreensão, sempre que o bem estiver em comarca distinta daquela da tramitação da ação, bastando que em tal requerimento conste a cópia da petição inicial da ação e, quando for o caso, a cópia do despacho que concedeu a busca e apreensão do veículo.“
Após a apreensão do veículo se concretizar, a instituição financeira será intimada a retirá-lo do local no prazo de 48 horas, ficando o devedor obrigado a entregar amigavelmente o veículo e toda a documentação, nos termos dos parágrafos 13 e 14 do artigo 3º do decreto supracitado.
“§ 13. A apreensão do veículo será imediatamente comunicada ao juízo, que intimará a instituição financeira para retirar o veículo do local depositado no prazo máximo de 48 (quarenta e oito) horas.
§ 14. O devedor, por ocasião do cumprimento do mandado de busca e apreensão, deverá entregar o bem e seus respectivos documentos.”
Esta modificação normativa certamente aumentará o número de apreensões judiciais, o que, até então, nem sempre era possível em curto espaço de tempo, diante dos inúmeros casos em que os devedores, ao tomarem conhecimento da existência das ações judiciais, passavam a esconder os veículos, até mesmo em municípios vizinhos aos seus, para dificultar o cumprimento das medidas liminares.
Isto porque até pouco tempo atrás, a doutrina e a jurisprudência admitiam que o conceito de integralidade da dívida, previsto no Decreto Lei nº 911/69, se referia apenas as parcelas vencidas dos contratos e não ao total do saldo devedor apresentado pelas instituições financeiras quando da propositura das ações de busca e apreensão, ou seja, naquele recente período, uma vez cumprida a medida liminar, cabível se mostrava ao devedor, nos 5 dias seguintes, efetuar a chamada purgação da mora, que representava o mero pagamento das parcelas vencidas do contrato com o intuito de recuperar o bem apreendido.
Porém, com a entrada em vigor da Lei nº 10.931/04 este direito à purgação da mora outrora concedido ao devedor deixou de existir, haja vista que o conceito de “integralidade da dívida pendente” ganhou uma maior amplitude, passando, então, a englobar todo o saldo devedor apurado pela parte credora no momento do ajuizamento da ação de busca e apreensão, entendendo-se como tal o somatório das parcelas vencidas e vincendas do contrato, acrescidas dos encargos contratuais de juros, multa e correção monetária.
Sendo assim, com o advento da legislação retro-mencionada, verificou-se uma queda acentuada, e assim permanece até hoje, do número de veículos que, uma vez apreendidos, não são mais recuperados pelos devedores face à impossibilidade dos mesmos de quitarem o contrato após o cumprimento das liminares.
Entretanto, vale dizer que para os contratos de alienação fiduciária celebrados antes do início de vigência da Lei nº 10.931/04, permanece válida a purgação da mora e, portanto, a possibilidade de pagamento apenas das parcelas vencidas dos contratos de financiamento, nos 5 dias seguintes ao do cumprimento da liminar, de forma a permitir que os devedores recuperem os veículos apreendidos, desde que já quitados mais de 40% do valor total financiado, por força da Súmula 284 do Superior Tribunal de Justiça.
Súmula 284-STJ: A purga da mora, nos contratos de alienação fiduciária, só é permitida quando já pagos pelo menos 40% (quarenta por cento) do valor financiado.
“Art. 4o Se o bem alienado fiduciariamente não for encontrado ou não se achar na posse do devedor, fica facultado ao credor requerer, nos mesmos autos, a conversão do pedido de busca e apreensão em ação executiva, na forma prevista no Capítulo II do Livro II da Lei no 5.869, de 11 de janeiro de 1973 – Código de Processo Civil.“
Essa faculdade da instituição financeira pode se dar de maneira direta (ingressando com execução do contrato desde o início) ou mediante a conversão prevista no sobredito artigo 4º, cabendo-lhe, em qualquer dos casos, requerer a penhora dos bens do devedor até que haja a integral satisfação da dívida.
“Art. 5o Se o credor preferir recorrer à ação executiva, direta ou a convertida na forma do art. 4o, ou, se for o caso ao executivo fiscal, serão penhorados, a critério do autor da ação, bens do devedor quantos bastem para assegurar a execução.”
“Art. 2o No caso de inadimplemento ou mora nas obrigações contratuais garantidas mediante alienação fiduciária, o proprietário fiduciário ou credor poderá vender a coisa a terceiros, independentemente de leilão, hasta pública, avaliação prévia ou qualquer outra medida judicial ou extrajudicial, salvo disposição expressa em contrário prevista no contrato, devendo aplicar o preço da venda no pagamento de seu crédito e das despesas decorrentes e entregar ao devedor o saldo apurado, se houver, com a devida prestação de contas.” (grifo nosso)
Sobre o assunto, vale transcrever o §4º do artigo 2º que foi introduzido pela Lei nº 13.043/14 no decreto lei já amplamente citado neste estudo.
“Art. 2º (…)
§ 4o Os procedimentos previstos no caput e no seu § 2o aplicam-se às operações de arrendamento mercantil previstas na forma da Lei no 6.099, de 12 de setembro de 1974 ”
“Art. 6o-A. O pedido de recuperação judicial ou extrajudicial pelo devedor nos termos da Lei no 11.101, de 9 de fevereiro de 2005, não impede a distribuição e a busca e apreensão do bem”
“Art. 7o-A. Não será aceito bloqueio judicial de bens constituídos por alienação fiduciária nos termos deste Decreto-Lei, sendo que, qualquer discussão sobre concursos de preferências deverá ser resolvida pelo valor da venda do bem, nos termos do art. 2o”
Embora a maioria delas tenha sido positiva, acreditamos que algumas das mudanças trazidas pela Lei nº 13.043/14 darão margem para novas controvérsias no judiciário nacional, por talvez terem mitigado determinados direitos já consagrados dos consumidores em prol do fortalecimento das grandes corporações, o que certamente que iremos discutir num futuro próximo. Até lá, o que nos resta é esperar e aguardar como o sistema de alienação fiduciária de veículos reagirá a tudo isso.
Autor: Eduardo Hermes Barboza da Silva, advogado, bacharel em Direito pela Universidade Cândido Mendes – UCAM/RJ, pós-graduado em direito da Propriedade Intelectual pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro – PUC-RIO e sócio do escritório de advocacia Hermes Advogados.
Fonte: www.jus.com.br