Pretende-se com o presente artigo analisar a aplicação das multas moratórias quando da configuração da denúncia espontânea.
Ocorre que, uma vez configurada a denúncia espontânea do não cumprimento da obrigação tributária principal, acompanhada do pagamento integral do tributo devido e dos juros de mora, nos termos do art. 138 do Código Tributário Nacional – CTN, restará afastada a responsabilidade decorrente do cometimento da infração, senão veja-se:
Art. 138 – A responsabilidade é excluída pela denúncia espontânea da infração, acompanhada, se for o caso, do pagamento do tributo devido e dos juros de mora, ou do depósito da importância arbitrada pela autoridade administrativa, quando o montante do tributo dependa de apuração.
Parágrafo único. Não se considera espontânea a denúncia apresentada após o início de qualquer procedimento administrativo ou medida de fiscalização, relacionados com a infração.
Com vistas à ocorrência da denúncia espontânea, faz-se necessário que estejam presentes os seguintes requisitos: a) deverá o contribuinte confessar o débito antes de iniciado qualquer procedimento administrativo ou medida de fiscalização específica b) deverá, se for o caso, ocorrer o pagamento integralmente o tributo devido, acompanhado dos juros de mora.
Sobre o instituto, importantes são as lições de Paulo de Barros Carvalho:
“Modo de exclusão da responsabilidade por infrações à legislação tributária é a denúncia espontânea do ilícito, acompanhada, se for o caso, do pagamento do tributo devido e dos juros de mora, ou do depósito da importância arbitrada pela autoridade administrativa, quando o montante do tributo dependa de apuração.
A confissão do infrator, entretanto, haverá de ser feita antes que tenha início qualquer procedimento administrativo ou medida de fiscalização relacionada com o fato ilícito, sob pena de perder seu teor de espontaneidade”(art. 138, parágrafo único).[1]
A norma em comento tem como característica a intenção de prêmio ao contribuinte, tendo em vista que traz hipótese de anistia para aqueles que espontaneamente confessam os seus débitos, nos termos acima expostos, ao Fisco. Por outro lado, garante o recolhimento ao erário sem necessidade de fiscalização.
Ganha relevo, contudo, diante da previsão constante do art. 61 da Lei nº 9.430/96, que prescreve o pagamento de multa de mora nos casos de débitos não pagos nos prazos legais, in verbis:
Art. 61. Os débitos para com a União, decorrentes de tributos e contribuições administrados pela Secretaria da Receita Federal, cujos fatos geradores ocorrerem a partir de 1º de janeiro de 1997, não pagos nos prazos previstos na legislação específica, serão acrescidos de multa de mora, calculada à taxa de trinta e três centésimos por cento, por dia de atraso.
Sobre a citada disposição legal, importa fazer algumas considerações.
Inicialmente, faz-se necessário verificar que, conforme o texto constitucional, o legislador submeteu à reserva de lei complementar a disciplina acerca da obrigação e do crédito tributários, de acordo com o inciso III do seu art. 146:
Art. 146– Cabe à lei complementar:
(…)
III- estabelecer normas gerais em matéria de legislação tributária, especialmente sobre:
(…)
b) obrigação, lançamento, crédito, prescrição e decadência tributários;
Como é cediço, o Código Tributário Nacional, originariamente editado como lei ordinária, foi recepcionado pela Constituição Federal de 1988 com status de lei complementar.
Com relação ao crédito tributário, o CTN prescreveu, no seu art. 161, que o pagamento intempestivo deve ser acrescido de juros de mora, correção monetária e multa de mora.
Assim sendo, seguindo-se a sistemática geral contida no CTN, no caso de pagamento intempestivo do tributo, o contribuinte deve a acrescer a multa de mora, que se encontra prevista na legislação regulamentar, qual seja, no art. 61 da Lei nº 9.430/96, ao montante devido.
Apesar disso, o próprio CTN estipula exceção à regra disposta em seu art. 161.
Como dito acima, prevê o CTN, no Título II, relativo à obrigação tributária, e mais especificamente no já citado art. 138, que o contribuinte que promova o pagamento nos termos ali expostos pagará o seu débito acrescido apenas dos juros de mora.
Por conseguinte, vê-se que, pela interpretação do art. 138 do CTN, estará excluída a multa de mora.
Nesse contexto, deve-se asseverar que as disposições do CTN, por trazerem atenderem à reserva de lei complementar sobre determinadas matérias, deve prevalecer às disposições fixadas em lei ordinária que com elas sejam incompatíveis.
Assim, a rigor, na hipótese de denúncia espontânea, a previsão do art. 61 da Lei nº 9.430/96 deve ceder espaço às prescrições do art. 138 do CTN, que desonera o contribuinte do recolhimento de multa de mora.
Demais disso, deve-se asseverar que a dispensa da multa constitui fator relevante para que o sujeito passivo da obrigação tributária regularize sua situação perante o Fisco, tendo em vista que entendimento contrário desestimularia o pagamento espontâneo pelo devedor.
Importa, ainda, asseverar que o direito tributário pátrio não faz distinção entre as multas punitivas, que constituem sanção pelo não cumprimento de obrigação, e as multas indenizatórias, que visam a compensação pelo descumprimento da obrigação pactuada, como ocorre no campo do direito privado.
No ramo do direito tributário, o papel indenizatório é exercido pelos juros, cabendo à multa cumprir a função de penalizar o contribuinte pelo descumprimento do pagamento das exações. Assim, tem-se que a multa moratória, no campo do direito em análise, cumpre a finalidade de punir, que não se confunde com a função que compete às multas indenizatórias previstas no direito privado.
Sobre a natureza das multas moratórias, assevera Antônio Sebastião Poloni:
A multa moratória foi concebida como forma de punir o atraso no cumprimento das obrigações fiscais, tornando-o oneroso. Seu escopo final é intimidar o contribuinte, prevenindo a mora. Inegável sua natureza punitiva. O ressarcimento pelo atraso fica por conta dos juros e eventual correção monetária (RE nº 177.076 – STF). Sacha Calmon Navarro Coelho observa, com propriedade, que ‘se o atraso é atendido pela correção monetária e pelos juros, a subsistência da multa só pode ter caráter penal.[2] (grifou-se).
MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 12ª.e.d. São Paulo: Atlas, 2002.
MACHADO, Hugo de Brito. Curso de Direito Tributário. 25ª e.d. São Paulo: Malheiros, 2014.
POLONI. Antônio Sebastião. Curso de Direito Tributário Brasileiro. Ed. Forense: Rio de Janeiro.
[2] POLONI. Antônio Sebastião. Curso de Direito Tributário Brasileiro. Ed. Forense: Rio de Janeiro. p. 641-642.
Fonte: www.jus.com.br