Como a Resolução CMN 5.171/24, extrapolou o poder regulamentar conferido pela lei 14.905/24 e trará prejuízo aos credores na correção de dívidas civis.
A edição da Lei n. 14.905, de 28 de junho de 2024, criou certo sentimento de segurança jurídica e de pacificação quanto à taxa de juros moratórios a que se refere o art. 406 do Código Civil de 2002.
Conforme ressaltado em anterior texto aqui no Migalhas, o mais acertado, por força da previsibilidade, teria sido a aprovação de norma legal nos moldes apresentados no Relatório Final da Comissão de Juristas responsável pela elaboração de anteprojeto de Lei para revisão e atualização da Lei n. 10.406, de 10 de janeiro de 2002 (Código Civil), instituída pelo Ato do presidente do Senado Federal nº 11/2023, a seguir reproduzida:
Art. 406. Quando os juros moratórios não forem convencionados ou assim forem sem taxa estipulada, ou quando provierem de determinação da lei, serão fixados segundo a taxa mensal de 1% (um por cento) ao mês.
Parágrafo único. Os juros moratórios, quando convencionados, não poderão exceder o dobro da taxa prevista no caput.
A correção de dívidas civis com a incidência de correção monetária pelo IPCA, mais a aplicação de juros de mora de 1% ao mês, de forma simples, teria sido mais previsível para as partes, contribuindo para a segurança jurídica.
No entanto, optou o legislador pela utilização da Taxa Selic e do Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) para o cálculo da Taxa Legal (TL) que incidirá na ausência de estipulação entre as partes ou de determinação legal. Confira-se a novel redação dada aos arts. 389 e 406 do Código Civil pela Lei n. 14.905, de 2024:
Art. 389. Não cumprida a obrigação, responde o devedor por perdas e danos, mais juros, atualização monetária e honorários de advogado.
Parágrafo único. Na hipótese de o índice de atualização monetária não ter sido convencionado ou não estar previsto em lei específica, será aplicada a variação do Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), apurado e divulgado pela Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), ou do índice que vier a substituí-lo.
[…]
Art. 406. Quando não forem convencionados, ou quando o forem sem taxa estipulada, ou quando provierem de determinação da lei, os juros serão fixados de acordo com a taxa legal.
§ 1º A taxa legal corresponderá à taxa referencial do Sistema Especial de Liquidação e de Custódia (Selic), deduzido o índice de atualização monetária de que trata o parágrafo único do art. 389 deste Código.
§ 2º A metodologia de cálculo da taxa legal e sua forma de aplicação serão definidas pelo Conselho Monetário Nacional e divulgadas pelo Banco Central do Brasil.
§ 3º Caso a taxa legal apresente resultado negativo, este será considerado igual a 0 (zero) para efeito de cálculo dos juros no período de referência.
Um aspecto positivo da lei que merece registro é ter feito a separação entre a TL e a correção monetária. Essa providência tem o condão de assegurar, ao menos, a manutenção do valor da moeda quando a variação da Taxa Selic fica aquém do índice de correção monetária. Para relembrar, isso aconteceu de forma acentuada entre agosto/2020 e maio/2022, período em que a correção monetária pelo IPCA foi de 19,965445% e o acumulado da Taxa Selic foi de 9,834478%. A soma de acumulados mensais da Taxa Selic resultou em percentual ainda menor: 9,409411%!
Em tais situações, a TL será igual a 0 (zero), conforme disposto no § 3º do art. 406. Esse é um aspecto deficiente da lei, pois a ausência de juros moratórios cria um cenário de estímulo ao devedor para o descumprimento da obrigação, ciente este último que a inadimplência não trará relevantes consequências patrimoniais.
Veja a íntegra na fonte: https://www.migalhas.com.br/depeso/416108/no-brasil-dever-em-juizo-compensa
Por: Luciano Oliveira de Moraes
Sexta-feira, 27 de setembro de 2024