Gilberto Melo

Notas sobre o julgamento de recurso repetitivo sobre contratos bancários

Após duas horas de intenso debate, a Segunda Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) encerrou a análise do recurso interposto pela União Brasileira de Bancos S/A (Unibanco) contra uma consumidora gaúcha no qual se discutiram temas relativos a contratos bancários. O recurso especial em julgamento foi levado à Seção seguindo a Lei n. 11.672/2008, a Lei dos Recursos Repetitivos, que entrou em vigor em agosto deste ano.

O julgamento teve início no dia 8 deste mês e havia sido interrompido por pedido de vista do ministro Luís Felipe Salomão. Nesta primeira parte do julgamento, a Segunda Seção decidiu que somente seriam apreciados sob a ótica da nova Lei os temas que, no caso concreto, pudessem ser conhecidos pelo Tribunal.

Antes de o ministro Luís Felipe Salomão manifestar seu posicionamento, a ministra Nancy Andrighi, relatora do caso, inovou seu voto quando à questão do cabimento da comissão de permanência. Ela entendeu que seria possível conhecer do recurso quanto a este ponto, uma vez que o dissídio jurisprudencial era notório, mas negou provimento ao recurso do banco. No entanto, a maioria da Seção considerou que este ponto não deveria ser conhecido, pois não houve apontamento de norma legal violada, nem a comparação com julgados de outros tribunais.

No caso em questão, a consumidora adquiriu uma motocicleta e financiou parte do valor em 36 parcelas de R$ 249. Ao perceber que não conseguiria arcar com as prestações, a consumidora entrou com uma ação revisional do contrato de financiamento. A ação chegou ao STJ por iniciativa do banco, inconformado com alguns pontos decididos pelo Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul.

Confira o que foi decidido, ponto a ponto:

Juros remuneratórios – ficou mantida a jurisprudência atual do STJ, no sentido da não limitação dos juros remuneratórios, a não ser em casos específicos, em que comprovada a abusividade, o que deve ficar a juízo das instâncias ordinárias, que avaliam caso a caso. No caso concreto, a Seção deu provimento ao recurso especial do banco, uma vez que os juros cobrados estavam abaixo da taxa média de mercado.

Descaracterização da mora do devedor e possibilidade de inscrição em cadastros de inadimplentes – Os ministros acompanharam o voto da relatora, que segue o entendimento já pacificado da Segunda Seção. Caso tenham sido exigidos encargos abusivos na contratação (os chamados encargos do período da normalidade), a mora está descaracterizada. Por outro lado, o simples ajuizamento de ação revisional ou a mera constatação de que foram exigidos encargos moratórios abusivos, não afastam a caracterização da mora.

Quanto aos cadastros de inadimplentes, a inscrição do nome do devedor só está vedada se, cumulativamente: a) houver interposição de ação revisional; b) as alegações do devedor se fundarem na aparência do bom direito e na jurisprudência do STJ ou do STF; c) for depositada a parcela incontroversa do débito.

Reconhecimento de ofício sem que tenha havido o pedido para o Tribunal – a ministra Nancy Andrighi reconheceu a atuação “de ofício” dos tribunais locais em casos que, pelo Código de Defesa do Consumidor (CDC), as cláusulas do contrato bancário forem consideradas abusivas. Foi acompanhada neste ponto pelo ministro Luís Felipe Salomão. Os demais ministros também divergiram da relatora neste ponto. Sustentaram que, em ações envolvendo contratos bancários, não podem juízes e tribunais conhecer a abusividade de cláusulas sem que haja pedido expresso do consumidor.

Capitalização de juros (juros sobre juros) – a Seção acompanhou o entendimento da relatora neste ponto e não conheceu do recurso, uma vez que a capitalização dos juros não estava pactuada no contrato.

Os temas relativos à capitalização dos juros e à comissão de permanência não puderam ser abordados sob a ótica da Lei dos Recursos Repetitivos, uma vez que a Seção decidiu que somente seriam apreciados os pontos que, no caso concreto, superassem o juízo de admissibilidade. Assim, outros processos que contenham tais temas deverão ser discutidos em oportunidade futura.

NOTAS DA REDAÇÃO

Uma prova de que o novo instituto – recurso especial repetitivo – está cumprindo o seu papel: maior celeridade ao Poder Judiciário.

No dia 23 de agosto noticiamos a decisão do STJ de aplicar ao caso – revisão de contratos bancários – a Lei nº. 11.672, suspendendo os demais feitos com teses idênticas, até a prolação de sua decisão final, objeto desse nosso comentário.

De acordo com o entendimento firmado pelo Tribunal da Cidadania, quando da aplicação da norma em comento, em agosto, como o objeto da causa se relaciona com posições já pacificadas pela Corte, tornar-se-ia possível a incidência da nova legislação.

Vários pontos de indiscutível importância foram analisados pelo STJ, dentre os quais, a legalidade da cobrança da comissão de permanência, a não limitação dos juros bancários ao teto de 12% aa., a possibilidade ou não da capitalização de juros, e, por fim, a descaracterização da mora.

Comecemos pela comissão de permanência.

De plano, uma indagação se impõe: o que seria comissão de permanência? Trata-se de instituto bastante costumeiro no Direito Bancário, cuja finalidade precípua é remunerar o período de inadimplência contratual.

Esse mecanismo foi inserido no ordenamento jurídico brasileiro pela Resolução de nº. 1.129/86, do BACEN (Banco Central). De acordo com os estudiosos do tema, a comissão de permanência nada mais é que um instrumento de correção do saldo devido, cobrado do mútuo, após o vencimento da obrigação, quando caracterizada a inadimplência do devedor.

Nessa linha, a norma supracitada facultou aos bancos e sociedades de arrendamento mercantil a cobrança da comissão de permanência, de forma que, quando pactuada, pode ser exigida até o pagamento da dívida.

Nesses termos, o artigo I da Resolução 1.129/86 determina que:

“O BANCO CENTRAL DO BRASIL, na forma do artigo 9º da Lei nº. 4.595/64, de 31/12/64, torna público que o CONSELHO MONETÁRIO NACIONAL, em sessão realizada nesta data, tendo em vista o disposto no artigo 4º, inc. VI e XI, da referida Lei:

I – Facultar aos bancos comerciais, bancos de desenvolvimento, bancos de investimento, caixas econômicas, cooperativas de crédito, sociedade de crédito, financiamento e investimento e sociedades de arrendamento mercantil cobrar de seus devedores por dia de atraso no pagamento ou na liquidação de seus débitos, além de juros de mora na forma da legislação em vigor, “comissão de permanência”, que será calculada às mesmas taxas pactuadas no contrato original ou à taxa de mercado do dia do pagamento.

Da leitura desse enunciado é possível que surjam algumas dúvidas. Seria cabível a cumulação de comissão de permanência, correção monetária e juros remuneratórios?

A Resolução fala da possibilidade de incidência da comissão de permanência ao lado dos juros de mora. Sobre o tema, contamos com duas súmulas do STJ

SÚMULA 30 A comissão de permanência e a correção monetária são inacumuláveis.

SÚMULA 296 Os juros remuneratórios, não cumuláveis com a comissão de permanência, são devidos no período de inadimplência, à taxa média de mercado estipulada pelo Banco Central do Brasil, limitada ao percentual contratado.

O Tribunal da Cidadania, nas súmulas em análise veda, expressamente, a cumulação da comissão de permanência com a correção monetária, e, com os juros remuneratórios, fazendo parecer que tal proibição não alcança os juros de mora.

Vale lembrar que juros de mora (moratórios) e juros remuneratórios não se confundem. Esses, visam a remunerar diretamente o capital, compensando o seu titular pelo tempo em que o devedor dele faz uso. Por tal motivo, são denominados de juros compensatórios. Em contrapartida, os juros de mora são decorrência do não cumprimento da obrigação legal ou contratual, de forma punir o devedor pelo seu inadimplemento.

Ainda que pese a Resolução do BACEN autorizar a cumulação da comissão de permanência aos juros de mora, e, a súmula 296 do STJ falar apenas em juros remuneratórios, entendemos que uma confusão deve ser desfeita. A nosso ver, a coexistência dos institutos – comissão de permanência e juros de mora – é impossível. Trata-se de entendimento firmado pelo Ministro Carlos Alberto Direito, para quem a cobrança da comissão de permanência somente é cabível desde que não cumulada aos juros moratórios, haja vista que ambos buscam o mesmo objetivo: recompensar o credor pela inadimplência do devedor, hipótese em que restaria configurado “bis in idem”.

Partindo dessa premissa, entende-se que uma vez caracterizada a mora do devedor, estando pactuada a incidência da comissão de permanência, impõe-se o afastamento da correção monetária e dos juros, sejam eles remuneratórios (compensatórios), ou, de mora.

É o que determina o STJ, em reiteradas decisões:

É admitida a cobrança da comissão de permanência durante o período de inadimplemento contratual, calculada pela taxa média de mercado apurada pelo BACEN, limitada à taxa do contrato, não podendo ser cumulada com a correção monetária, com os juros remuneratórios e moratórios, nem com a multa contratual. (AgRg no Ag 877081 / RS).

Apenas para concluir o raciocínio, a incidência da comissão de permanência impõe a presença de alguns requisitos: a) estar pactuada, b) não cumulação com a correção monetária, juros de mora e juros remuneratórios.

Uma vez vencidas as considerações sobre a comissão de permanência, cumpre-nos analisar a (im) possibilidade de limitação dos juros cobrados pelos bancos e instituições financeiras. Um dos argumentos apontados por aqueles que defendem a aplicação do teto de 12% aa. é a sujeição dessas instituições ao CDC (Código de Defesa do Consumidor).

No entanto, a jurisprudência pátria é pacífica: embora incidente o diploma consumerista nos contratos bancários, não se aplica a limitação da taxa de juros remuneratórios em 12% ao ano aos contratos bancários (EDcl no Ag 737802).

Nesse sentido, entende-se que os juros bancários pactuados à taxa superior a 12% ao ano não são considerados abusivos, salvo se comprovado que discrepantes em relação à

Taxa de mercado.

É o que determina a súmula 596 do STF: “as disposições do Decreto 22626/1933 não se aplicam às taxas de juros e aos outros encargos cobrados nas operações realizadas por instituições públicas ou privadas, que integram o Sistema Financeiro Nacional”.

O decreto a que se refere o enunciado é conhecido como Lei de Usura que define como sendo ilegal a cobrança de juros acima de 12% ao ano ou a cobrança exorbitante que ponha em perigo o patrimônio pessoal, a estabilidade econômica e sobrevivência pessoal do tomador de empréstimo. Conforme visto, a legislação não alcança as instituições financeiras.

Uma observação se impõe nesse momento: a taxa de juros bancários não se subordina ao limite de 12 % aa., mas, tem como parâmetro o limite a taxa média de mercado.

Na sequência, a possibilidade de capitalização de juros.

Na análise do recurso em comento, o STJ firmou-se pela impossibilidade da capitalização de juros, por um único motivo: por não estar pactuada no contrato firmado entre as partes.

De acordo com o entendimento adotado pela Corte “a capitalização mensal dos juros é possível quando pactuada nos contratos celebrados a partir de 31.3.2000, data de publicação da MP 1.963-17, reeditada sob o n. 2.170-36/01 (AgRg no REsp 1052336 / MS)

Capitalização dos juros nada mais é que a configuração dos chamados juros compostos, ou seja, “juros sobre juros”, que se revelam como aqueles calculados sobre o montante do capital principal (valor devido), acrescido dos juros vencidos e não pagos.

O STF, na súmula 121 determina que “é vedada a capitalização de juros, ainda que expressamente convencionada”.

Vale lembrar que essa súmula data de 1963. A posição consagrada pelo STJ tem como fundamento a MP 2170-36/2001.

Assim, desde que pactuada, é cabível a capitalização dos juros remuneratórios, com periodicidade inferior a um ano, nos contratos bancários celebrados a partir de 31 de março de 2000, data da publicação da primitiva edição da atual MP nº. 2170-36/2001 (AgRg no REsp 899490 / DF). Esse entendimento foi ratificado no recurso objeto do nosso estudo.

Por derradeiro, a hipótese de descaracterização da mora.

Vejamos:

Trata-se de entendimento pacificado da Segunda Seção: a cobrança de encargos indevidos importa na descaracterização da mora, na medida em que dificulta o pagamento, causando a impontualidade (EREsp 163.884/RS). Assim, desde que comprovada a abusividade das cláusulas contratuais, impõe-se a descaracterização da mora, em benefício do devedor.

Numa situação como essa, uma vez desmaterializada a mora, há de se reconhecer o afastamento da cobrança da comissão de permanência (quando pactuada), ou, incidência de correção monetária e juros.

Sem dúvida, uma matéria bastante complexa, tanto, que levou o STJ a aplicar-lhe a Lei 11.672 – recurso especial repetitivo-, de forma a pacificar o tratamento a ela conferido.

Autora: Patrícia Donati de Almeida

Fonte: www.lfg.com.br