Os conflitos entre os sócios ganham força em meio à retração da atividade econômica, mas a legislação elevou a segurança jurídica, principalmente, em casos que vão aos tribunais
São Paulo – Com um capítulo inteiro no novo Código de Processo Civil (CPC), a questão da dissolução de sociedades ganhou muito mais segurança jurídica, em um momento em que disparam os pedidos desse tipo por conta da crise econômica.
Antes do novo CPC, em vigor desde março de 2016, não havia uma legislação específica sobre o tema, sendo que as decisões dependiam apenas da jurisprudência existente, comentam especialistas ouvidos pelo DCI.
O professor Fábio Ulhoa Coelho, sócio-fundador do escritório que leva o seu nome e autor desse capítulo do CPC, conta que antigamente havia uma “irracionalidade” nos processos de dissolução societária. “Antes, o juiz não era obrigado a fazer a definição, logo no início, da data e do critério para avaliar o valor da sociedade, se levaria em conta o que a companhia pode gerar de riqueza para frente ou se dependia do que ela faturou no passado. Isso fazia com que os contadores entregassem avaliações as mais distorcidas“, opina o advogado. No novo CPC, essas definições tornam-se obrigatórias. Essa é, de acordo com Coelho, a contribuição mais importante da nova lei.
O sócio do escritório Guedes Nunes, Oliveira e Roquim Sociedade de Advogados, Marcelo Guedes Nunes, que auxiliou Coelho na elaboração desse capítulo do CPC, afirma que a lei cria um roteiro para a sentença, porque os juízes que tratavam desses processos anteriormente demoravam muito para julgar e traziam, muitas vezes, juízos que eram omissos em questões cruciais para uma melhor resolução do conflito entre os sócios. “Era importante, por exemplo, ter um dispositivo que mostrasse que da decisão tinha que obrigatoriamente constar a autorização para compensar não só os valores dos haveres [avaliação do valor de mercado das cotas de cada sócio] como também um eventual prejuízo que o sócio tenha feito à sociedade“, ressalta ele.
Nunes explica que, de acordo com o novo código, quando um parceiro é expulso da sociedade por ter gerado um prejuízo ao caixa esse valor pode ser descontado do valor da cota dele.
Outra inovação trazida pelo capítulo de dissoluções societárias no CPC é a listagem das possibilidades em que cabe a dissolução parcial, tais quais o falecimento, exclusão ou pedido de retirada ou recesso de um dos sócios.
A dissolução parcial é uma alternativa à dissolução total, na qual a sociedade se extingue em relação a todos os seus sócios, com a liquidação efetiva de bens sociais. Esta última, inclusive, teve uma queda no percentual de pedidos de 46,8% no período de 1997 a 2007 para 40,7% de 2008 a 2011. Isso, na visão de Nunes, autor também de um vasto estudo sobre dissoluções de sociedades, deve-se à vigência do novo Código Civil, que passou a dispor de dispositivos de regulamentação da dissolução parcial que não existiam quando da edição do antigo CPC em 1939.
Conforme o levantamento, realizado com base na análise de 718 acórdãos de processos de dissolução de 1997 a 2011, “apenas” 28,8% das sociedades terminam com dissolução total.
Coelho destaca ainda a importancia da obrigação de se fazer o depósito em juízo da parte incontroversa. “Isso é uma inovação importante. Quando existe um conflito entre os sócios, em que um foi expulso ou quer sair da sociedade, a divergência raramente tem a ver com a participação na sociedade. A divergência está no montante que será pago. Por exemplo, os sócios que ficam na empresa dirão que o parceiro tem direito a 70% [de um valor] e ele dirá que quer 100%. Existe um acordo que são os 70%, a divergência está só nos outros 30“, explica. Ou seja, os 70% no exemplo do professor, que não são objeto de disputa, são depositados para garantir o pagamento da parte do sócio litigante.
Recessão
Com a crise econômica, o escritório Scheer Advogados Associados viu um aumento na demanda por dissoluções de sociedades, conta Mauro Scheer Luís, que é especialista em Direito Societário.
Segundo ele, os problemas financeiros causados pela fraqueza da atividade econômica atinge em cheio o relacionamento entre os sócios das empresas. “Os problemas entre os sócios costumam ficar um pouco mais salientes nesses períodos. Um parceiro, por exemplo, consegue aportar dinheiro na empresa, enquanto os outros não conseguem dar conta do capital necessário. Isso gera sérios desentendimentos“, observa o advogado.
Marcelo Nunes acrescenta que há mesmo estudos que mostram claramente uma correlação entre disputas societárias e crise econômica.
Por outro lado, para Mauro Scheer até uma briga dessas chegar ao ponto de dissolução societária é preciso que todas as tentativas de conciliação, inclusive na Justiça, com intermediação dos advogados das partes, já tenham sido esgotadas.
No entanto, Coelho pondera que na maioria das vezes a crise econômica é só mais um ingrediente nas dissoluções de sociedades. “Eventualmente, se houver um caso de deterioração da sociedade, a situação financeira da companhia gera um estresse que aumenta desentendimento entre os sócios, mas isso não é uma relação tão direta assim.”
De acordo com Scheer, as disputas na Justiça são mais comuns em companhias familiares. “Muitas empresas familiares, principalmente as constituídas por marido e esposa, têm situações nas quais fica impossível a conciliação. Em sociedades formadas por investidores os conflitos são muito mais fáceis de resolver. Fora que normalmente eles vão para a arbitragem e não para o Judiciário nesses casos“, destaca.
O professor Fábio Ulhoa Coelho relata que desentendimentos de dentro de casa muito comumente acabam tornando-se razão para problemas também nas empresas. “A dinâmica da família acaba gerando um tipo de crise política por conta do maior grau de irracionalidade.”
Já as sociedades formadas por investidores muitas vezes terminam por rusgas de origem pecuniária, analisa Coelho. “O [acionista ou sócio] minoritário cria problemas para [conseguir] vender a parte dele por um valor maior“, diz Coelho.
Autor: Ricardo Bomfim – DCI
Fonte: FENACON