A produção antecipada de prova permite aos interessados melhor avaliar os riscos e chances de sucesso de uma eventual disputa judicial e as vantagens de solucionar a demanda através da autocomposição.
A todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação – é o que preconiza o inciso LXXVIII do artigo 5º da Constituição da República, incluído pela Emenda Constitucional 45, de 2004. Ainda antes desta inclusão, o Estado brasileiro já reconhecia a razoável duração do processo como um direito fundamental humano, desde a sua adesão à Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica), em 1992 (Decreto 678/92), que fixou no seu artigo 8º, item 1, o direito de toda pessoa a ser ouvida judicialmente dentro de um prazo razoável.
Não obstante, a realidade prática caracteriza-se por reiteradas violações ao direito supracitado, haja vista que a morosidade do sistema judiciário brasileiro se apresenta como um obstáculo de difícil superação, enraizado na inadequação estrutural dos órgãos judiciais – com funcionários e instrumentos insuficientes para atender à crescente demanda por prestação jurídica – bem como nas rígidas práticas processuais permitidas aos operadores do direito, que possibilitam uma protelação injustificada do processo e acabam prejudicando a efetiva obtenção da justiça[1] .
A reversão de tal quadro foi uma das principais preocupações que impulsionaram a recente reforma no sistema processual civil, com a promulgação da Lei 13.105, de 2015 (novo Código de Processo Civil). A razoável duração do processo aparece no texto normativo não apenas como princípio ideológico, transcrito no artigo 4º,[2] mas também através da alteração e criação de instrumentos processuais que visam possibilitar uma maior destreza na conclusão da demanda judiciária. Dentre as modificações implementadas, destaca-se a priorização dos métodos de autocomposição das partes.[3]
O artigo 3º, no capítulo denominado “normas fundamentais do processo civil”, realça tal ideologia ao impor ao Estado e aos operadores do direito a obrigação de estimular a solução consensual dos conflitos, através da conciliação, mediação ou outro método adequado.[4]Ademais, após acolhida a petição inicial, e não sendo o caso de improcedência liminar do pedido, passa a ser obrigatória a designação de audiência prévia de conciliação ou mediação (art. 334, caput[5]), excetuadas as hipóteses de manifesto desinteresse de ambas as partes e impossibilidade de autocomposição (art. 334, § 4º). E, em caso de injustificado não comparecimento à audiência, há a previsão de multa de até 2% (dois por cento) da vantagem econômica pretendida, por ato atentatório à dignidade da justiça (art. 334, § 8º).
Evidente, portanto, a intenção do legislador de garantir que as partes tenham oportunidade de solucionar o conflito de maneira rápida e amigável, de modo a aprimorar a qualidade, eficácia e eficiência da prestação jurisdicional. Nesse sentido, o novo Código de Processo Civil trouxe ainda a possibilidade de produção antecipada de provas, antes mesmo do ingresso da ação judicial, a fim de facilitar a conciliação ou mediação prévias e, possivelmente, evitar o ajuizamento da demanda ou acelerar o seu término[6].
A grande inovação do CPC/2015 consiste na desnecessidade de existência de risco de perecimento da fonte de prova ou de impossibilidade de sua produção caso não seja realizada antecipadamente – ou seja, a eliminação do requisito da urgência[7]. Esta era a única hipótese anteriormente admitida no CPC/1973, em seus artigos 847 e 849. Na redação do CPC/2015, a produção antecipada de prova possui uma função mais ampla, como pode ser observado a seguir:
Art. 381. A produção antecipada da prova será admitida nos casos em que:
I – haja fundado receio de que venha a tornar-se impossível ou muito difícil a verificação de certos fatos na pendência da ação;
II – a prova a ser produzida seja suscetível de viabilizar a autocomposição ou outro meio adequado de solução de conflito;
III – o prévio conhecimento dos fatos possa justificar ou evitar o ajuizamento de ação. (BRASIL, Lei nº 13.105/2015)
Vale destacar que a prova não possui como único destinatário o juiz, que irá proferir um julgamento de mérito sobre a demanda. Ela serve também para que as próprias partes possam certificar-se sobre a ocorrência ou inocorrência de determinados fatos, obtendo assim uma noção mais adequada sobre a veracidade da narração fática e os direitos que efetivamente lhe são devidos, podendo, inclusive, servir como fundamento para eventual recurso questionando uma decisão judicial baseada em uma análise equivocada do conjunto probatório[8]. Ademais, a produção antecipada de provas pode servir como estratégia processual para incentivar um prévio acordo entre as partes, antes do ingresso da ação ou logo no início do seu curso, ou mesmo para evitar o ajuizamento de demandas temerárias, baseadas em um conjunto fático de difícil ou impossível comprovação.
Desse modo, a produção antecipada de prova permite aos interessados melhor avaliar os riscos e chances de sucesso de uma eventual disputa judicial e as vantagens de solucionar a demanda através da autocomposição. Não se trata de uma medida cautelar, mas sim de um direito próprio, o direito à prova, fundamentado no direito de ação (art. 5º, XXXV, CR/88).[9]Nesse caso, a prova produzida antecipadamente é direcionada ao convencimento das partes, e não meramente do juiz, embora possa ser posteriormente aproveitada para o julgamento da controvérsia.
Dado o caráter autônomo do direito à produção antecipada de prova, não há vinculação entre esta medida processual e uma eventual demanda de mérito que seja ajuizada com base na prova produzida. O artigo 381, § 3º, do CPC/2015 afirma expressamente que não haverá prevenção de juízo na hipótese em exame, e estabelece, no § 2º, que a competência para a produção antecipada de prova será do juízo do foro onde deva ser produzida, ou do foro de domicílio do réu.
Na petição de requerimento de produção antecipada de prova, deve o requerente esclarecer a necessidade de sua produção, nos termos do caput do artigo 382, indicando assim o seu interesse de agir. Não se trata de uma simples justificativa para a antecipação em si, haja vista que a urgência não é mais requisito para a medida. Na verdade, deverá o requerente demonstrar a utilidade da prova, que não deverá se enquadrar entre as hipóteses do art. 374 (fatos que dispensam prova), indicando o modo como a prova auxiliará as partes a avaliar suas chances em juízo. Ou seja, a prova deve estar relacionada a um fato do qual se possa extrair um efeito jurídico, não podendo ficar meramente no plano fático ou econômico. Todavia, tal ônus não inclui a necessidade de indicar qual “ação principal” será proposta, pois, como já visto, a produção antecipada de prova é uma medida autônoma que independe de qualquer ação posterior.[10]
Realizado o juízo de admissibilidade, o juiz determinará a citação de todos os interessados (art. 382, § 1º), sendo que estes poderão expandir o objeto processual, requerendo a realização de outros meios de prova no mesmo procedimento, desde que as provas estejam relacionadas aos mesmos fatos inicialmente relatados, e desde que sua produção não acarrete excessiva demora (art. 382, § 3º).
Contra o requerimento de produção antecipada de prova, não se admite defesa (art. 382, § 4º). Tal proibição justifica-se porque não há, aqui, valoração de fatos nem resolução de questões de mérito (art. 382, § 2º)[11]. Contudo, apesar da literalidade da proibição, deverá ser admitida a defesa relativa ao modo de colheita da prova[12], às questões processuais e ao cabimento do pedido face ao previsto no art. 381, sob pena de violação do princípio constitucional do contraditório[13].
Também não será admitido recurso, exceto contra o indeferimento total do pedido originariamente formulado, que resulte na extinção do processo (art. 382, § 4º). Trata-se de uma previsão temerária, haja vista que o deferimento da prova pode violar direitos constitucionalmente garantidos, tais como o sigilo, a intimidade e a privacidade. Portanto, o dispositivo deve ser interpretado à luz das normas constitucionais, de modo que somente não haverá interesse recursal no tocante à valoração da prova e a questões de mérito.[14]
A doutrina admite, ainda, a possibilidade de interposição de agravo de instrumento contra decisões interlocutórias proferidas durante o processo – por exemplo, “sobre competência, composição da relação processual, de deferimento ou indeferimento de quesitos, de nomeação de perito incapaz ou suspeito” – por uma questão de lógica, pois não faria sentido que o autor suscitasse as irregularidades cometidas ao longo do processo somente em âmbito de apelação[15].
Concluída a produção da prova, o processo será extinto através de uma sentença homologatória, que não fará qualquer valoração dos fatos ou projeção de consequências jurídicas. As despesas processuais deverão ser repartidas entre as partes sob a luz do princípio da causalidade, não se podendo olvidar que a prova poderá ser útil a ambas as partes, ou seja, não há “vencedor” e “vencido” na demanda. Quanto aos honorários advocatícios, cada parte deverá arcar com a verba de seu patrono.[16]
Extinto o processo, os autos permanecerão em cartório durante um mês, para extração de cópias e certidões pelos interessados, sendo em seguida entregues ao promovente da medida (art. 383). De posse de tais documentos, poderão os interessados ajuizar demanda própria para assegurar eventuais direitos que possam ser extraídos dos fatos provados, após realizada a devida avaliação dos ônus, riscos e chances da disputa a ser proposta, ou mesmo optar por uma solução abreviada do litígio por meio da autocomposição.
Pode-se extrair, portanto, da ação autônoma de produção antecipada de prova, a possibilidade de se alcançar a pacificação social de forma mais célere e mais consciente, na medida em que se disponibiliza às partes os meios adequados para melhor conhecer a realidade dos fatos e os riscos envolvidos em uma eventual demanda judicial.
Notas
1 WAMBIER, Teresa Arruda Alvim; TALAMINI, Eduardo; DANTAS, Bruno; DIDIER, Fredie. Breves comentários do código de processo civil [livro eletrônico]. 1ª ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2015, pp. 17-19.
2 “Art. 4º As partes têm o direito de obter em prazo razoável a solução integral do mérito, incluída a atividade satisfativa.” (BRASIL, Lei nº 13.105/2015)
3 WAMBIER, Teresa Arruda Alvim; TALAMINI, Eduardo; DANTAS, Bruno; DIDIER, Fredie. Breves comentários do código de processo civil [livro eletrônico]. 1ª ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2015, pp. 15-19.
4 “Art. 3º […] § 2º O Estado promoverá, sempre que possível, a solução consensual dos conflitos. § 3º A conciliação, a mediação e outros métodos de solução consensual de conflitos deverão ser estimulados por juízes, advogados, defensores públicos e membros do Ministério Público, inclusive no curso do processo judicial.” (BRASIL, Lei nº 13.105/2015)
5 “Art. 334. Se a petição inicial preencher os requisitos essenciais e não for o caso de improcedência liminar do pedido, o juiz designará audiência de conciliação ou de mediação com antecedência mínima de 30 (trinta) dias, devendo ser citado o réu com pelo menos 20 (vinte) dias de antecedência.” (BRASIL, Lei nº 13.105/2015)
6 CAMBI, Eduardo. In: WAMBIER, Teresa Arruda Alvim; TALAMINI, Eduardo; DANTAS, Bruno; DIDIER, Fredie (org.). Breves comentários do código de processo civil [livro eletrônico]. 1ª ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2015, p. 836.
7 YARSHELL, Flávio Luiz. In: WAMBIER, Teresa Arruda Alvim; TALAMINI, Eduardo; DANTAS, Bruno; DIDIER, Fredie (org.). Breves comentários do código de processo civil [livro eletrônico]. 1ª ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2015, pp. 975-977.
8 FERREIRA, William Santos. In: WAMBIER, Teresa Arruda Alvim; TALAMINI, Eduardo; DANTAS, Bruno; DIDIER, Fredie (org.). Breves comentários do código de processo civil [livro eletrônico]. 1ª ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2015, pp. 940-942.
9 YARSHELL, Flávio Luiz. In: WAMBIER, Teresa Arruda Alvim; TALAMINI, Eduardo; DANTAS, Bruno; DIDIER, Fredie (org.). Breves comentários do código de processo civil [livro eletrônico]. 1ª ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2015, pp. 975-977.
10 YARSHELL, Flávio Luiz. In: WAMBIER, Teresa Arruda Alvim; TALAMINI, Eduardo; DANTAS, Bruno; DIDIER, Fredie (org.). Breves comentários do código de processo civil [livro eletrônico]. 1ª ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2015, pp. 980-984.
11 “Art. 382 […] § 2º O juiz não se pronunciará sobre a ocorrência ou a inocorrência do fato, nem sobre as respectivas consequências jurídicas.” (BRASIL, Lei nº 13.105/2015)
12 BUENO, Cassio Scarpinella. Manual de direito processual civil: inteiramente estruturado à luz do novo CPC, de acordo com a Lei n. 13.256, de 4-2-2016 [livro eletrônico]. 2ª ed. São Paulo: Saraiva, 2016, p. 388.
13 NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Manual de direito processual civil [livro eletrônico]. 8ª ed. Salvador: Ed. JusPodivm, 2016, p. 790.
14 YARSHELL, Flávio Luiz. In: WAMBIER, Teresa Arruda Alvim; TALAMINI, Eduardo; DANTAS, Bruno; DIDIER, Fredie (org.). Breves comentários do código de processo civil [livro eletrônico]. 1ª ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2015, p. 991.
15 Idem, ibidem.
16 YARSHELL, Flávio Luiz. In: WAMBIER, Teresa Arruda Alvim; TALAMINI, Eduardo; DANTAS, Bruno; DIDIER, Fredie (org.). Breves comentários do código de processo civil [livro eletrônico]. 1ª ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2015, pp. 992-993.
Autor (a): Ana Clara Ângelo Teixeira Sousa, advogada do escritório GVM – Guimarães & Vieira de Mello Advogados.
Fonte: www.migalhas.com.br