Gilberto Melo

O gato subiu no telhado

Anos atrás estive durante cinco horas dando um depoimento para dois economistas japoneses sobre um determinado trabalho do qual fiz parte. Ambos bastante simpáticos. O sucesso do trabalho passava por uma atualização monetária de um montante de 22 anos atrás. No trabalho eu lembro que citamos alguns índices que poderiam ser utilizados e acabamos escolhendo o usado pelo governo para a atualização e para o futuro usamos a variação de uma commodity que tinha relação com o mercado relacionado ao trabalho.

Era para ser um depoimento de, no máximo, hora e meia, mas teve de ser prolongado para eu explicar aos dois esta estória de atualização monetária. Eles não tinham a menor idéia do que era correção monetária, indexação, etc. Inflação para eles é coisa de livro didático e lá é tratada como incentivo para os investidores. O tradutor, um economista de verdade (não passo de um curioso com graduação feita 27 anos atrás), cansou e pediu para eu tentar fazer o relato sem o conceito de inflação, o que era impossível.

Eu e todo economista, ou qualquer pessoa com o mínimo de curiosidade que conheceu nossa economia anterior a 94, somos doutores no assunto. Prova desta sofisticação do brasileiro é que somos inventores da correção monetária. Surge na década de 60 com a criação do FGTS, dentro do pacote da dupla Campos/Bulhões, mais do último, grande mestre da antiga Universidade do Brasil e que influenciou e ensinou toda uma geração de economistas, entre eles, só para ficar entre dois de linhas distintas, Mário Henrique Simonsen e Maria Conceição Tavares. O mestre fazia e Roberto Campos dava as entrevistas e levava a fama. Bulhões não gostava de jornalistas e nem de empresários.

E o assunto voltou. Não por conta da crise nos EUA. Ela dificilmente causará inflação. Se for repercutida por aqui será causando uma retração nas nossas exportações que, muito pelo contrário, baixará os preços, igualzinho como faz Neves no seu boteco. Quando vê diminuir a clientela baixa o preço da cerveja. Um aumento no câmbio pode encarecer certos insumos cotados em moeda estrangeira, mas isto será difícil porque a matriz da crise é exatamente na economia emissora do dólar, a moeda internacional até o momento. Nossos netos verão o euro como padrão internacional, nós ainda não. Já representa trinta por cento das reservas de Taiwan e China que juntas já somam um trilhão 300 bilhões de dólares. Para se ter uma idéia a Alemanha, dona das maiores reservas na Europa, tem 200 bilhões. As nossas que Nosso Guia vive falando, 130.

O assunto voltou diante de alguns indicadores que mostraram aumento de preços no mês de agosto. Aqui em Cuiabá a KGM divulgou sua pesquisa mensal da cesta básica estagnada no mesmo período. Mas o seu diretor, Kleber Lima, alerta que Cuiabá contraria o resultado de uma mesma pesquisa feita por outro instituto nas outras capitais do país. Precisava falar mais da KGM. Empresa do jornalista Kleber Lima e do publicitário Geraldo Gonçalves, funciona como as empresas Think Tank americanas, oferecendo trabalhos de pesquisa, planejamento de marca, de conceito e estratégico, etc., para o setor público e privado e pessoas físicas, e vem desenvolvendo uma pesquisa de preços da cesta básica em Cuiabá e consiste hoje no único instrumento de conjuntura econômica vivo da cidade. O resto tudo que lemos por aqui é Google ou Gazeta Mercantil.).

Voltando às noticias de aumento do investimento, segundo o IBGE, congelaram esta discussão. Mas eu continuo achando que o gato subiu no telhado e causa preocupação. Poderemos estar diante de uma inflação de demanda. Tipo clássico de inflação. É o famoso “tem muito dinheiro na praça”, que os economistas chamam de excesso de M1, ou seja, moeda na mão das pessoas. Isto provoca aumento de demanda e é o que o comerciante quer, manda bala na remarcação de preços. Acho que o problema reside numa demanda falsa que não tem correspondente na produção, via de endividamento e aumento do gasto público.

E o tal aumento do investimento, que dias destes vi dois ministros do Nosso Guia falando como antídotos para o aumento de demanda, ainda precisa ser melhor investigado. Muitos destes investimentos, por exemplo, estão ligados ao setor de produção de biocombustiveis. Outros, para reforma do parque automobilístico, quando sabemos ser busca de plataformas de exportação. Nada a ver com o mercado interno que é onde mora o perigo.

* PAULO RONAN é economista

Fonte: www.espacovital.com.br