Esse dispositivo legal tinha por objetivo assegurar à União uma taxa de juros real de 6%. A adoção do IGP-DI como critério de atualização monetária refletia a prática então ainda disseminada de considerar esse índice a medida da inflação no país.
A União abandonou progressivamente, a partir do fim dos anos 90, o uso do IGP como medida de inflação e como indexador de ativos financeiros e de contratos. Em 1999, adotou o IPCA como referência para a definição da meta de inflação a ser contemplada pelo Banco Central na condução da política monetária. Da mesma forma, o Tesouro Nacional, tendo introduzido títulos indexados ao IPCA (NTN-B) em 2002, suspendeu praticamente em 2004 a emissão do seu último título ainda indexado pelo IGP, a NTN-C, interrompendo-a completamente em dezembro de 2006. A indexação de títulos públicos pelo Índice de Preços ao Consumidor é, aliás, o procedimento adotado também pelo Tesouro americano – cujos Treasury Inflation-indexed Securities são corrigidos pelo Consumer Price Index – e pelo Tesouro inglês – cujos Index-Linked Treasury Stocks estão indexados pelo Retail Prices Index. Por fim, o IGP-DI tem sido substituído também como critério de reajuste de valores monetários nos contratos de concessão de serviços públicos.
Essa nova orientação do governo federal reflete o reconhecimento da inadequação do IGP como medida de inflação. O IGP corresponde à média ponderada de três índices – de preços ao produtor (IPA), de preços ao consumidor (IPC) e da construção civil (INCC), com pesos de 60%, 30% e 10% respectivamente. Além da evidente arbitrariedade dessa ponderação, adotada na década de 1940 e mantida até hoje, a crítica ao IGP refere-se basicamente à própria ideia de combinar os três índices. É impossível identificar o que está sendo medido pelo IGP. Cada um dos índices que o compõe tem um significado preciso; a média dos três não expressa a evolução de nenhuma variável econômica. De fato, não se tem conhecimento da existência de um índice dessa natureza em qualquer outro país.
A consequência do indexador de uma dívida divergir da taxa de inflação observada é, evidentemente, obliterar a própria essência do mecanismo de indexação: assegurar uma determinada taxa de juros real às partes envolvidas na operação. Se o indexador supera sistematicamente a inflação, a divergência dá origem a um bônus em favor do credor, que se acrescenta à taxa de juros real contratada, como um “windfall profit”.
No caso da dívida dos Estados, o bônus auferido pela União tem sido significativo, Em relação ao Estado de São Paulo, ao qual corresponde o primeiro contrato de refinanciamento firmado pela União, em maio de 1997, a atualização monetária acumulada até maio do corrente ano com base no IGP-DI foi 226%; a inflação nesses 14 anos segundo o IPCA foi 135%. As taxas médias anuais de variação do IGP-DI e do IPCA nesse período foram, respectivamente, 8,8% e 6,3% – o que indica um acréscimo de 2,5 pontos de percentagem à taxa de juros real prevista no contrato.
A União reconheceu, a partir de 1999, que a medida adequada da inflação é o IPCA. Nesse sentido, aceitar a atualização monetária dos contratos de refinanciamento da dívida dos Estado pela variação do IPCA, em vez do IGP-DI, não constitui uma benesse; significa sim dar cumprimento efetivo à determinação da Lei 9.496 de fazer incidir sobre a dívida refinanciada uma taxa de juros real de 6%.
Por outro lado, não há razão para alterar o contrato de refinanciamento – um contrato de 30 anos de prazo, dos quais não mais do que 14 decorridos – para substituir, como vem sendo proposto, a remuneração estável em termos reais aí estabelecida, pela Selic, uma taxa nominal que varia no curto prazo e constitui basicamente um instrumento de política monetária.
Autor: Eduardo Augusto Guimarães, economista, foi diretor de pesquisa e presidente do IBGE e Secretário do Tesouro Nacional.
Fonte: Valor Econômico