Gilberto Melo

Reajuste por faixa etária após 60 anos: a visão do Judiciário

A cláusula contratual que autoriza a aplicação do reajuste por faixa etária após os 60 anos é abusiva e, portanto, nula.

Um dos mais sérios problemas entre consumidores e planos de saúde é o reajuste da mensalidade. São inúmeras as ações na Justiça questionando os índices aplicados pelas operadoras de saúde, que insistem em descumprir as disposições do Código do Consumidor e, em muitos casos, até mesmo a legislação específica sobre a matéria.

 
Nesta seara, as questões que envolvem reajustes por faixa etária após os 60 anos são as campeãs de reclamações.
 
O Superior Tribunal de Justiça já julgou diversos processos envolvendo discussão sobre reajuste por faixa etária após os 60 anos e, em obediência ao Estatuto do Idoso, amparou os idosos em suas demandas contra as operadoras de planos de saúde, vedando a discriminação do mesmo com a cobrança de valores diferenciados em razão da idade.
 
Os argumentos principais das operadoras de planos de saúde para justificar a legalidade do reajuste por faixa etária após os 60 anos são dois: (i) previsão contratual que autoriza a aplicação de referido reajuste, e (ii) a inaplicabilidade do Estatuto do Idoso a contratos celebrados antes da entrada em vigência do mesmo, o que ocorreu em janeiro de 2004.
 
Ocorre que, para o Judiciário, a cláusula contratual que autoriza a aplicação do referido reajuste por faixa etária após os 60 anos é abusiva e, portanto, nula, uma vez que permite às operadoras de planos de saúde elevar a mensalidade de forma a impedir que os beneficiários idosos consigam efetuar os pagamentos, expelindo-os de sua carteira, quando mais necessitam de assistência médica-hospitalar.
 
Portanto, com base no Código do Consumidor, beneficiários de planos e seguros de saúde têm exigido do Poder Judiciário atuação veemente no sentido de modificar essa cláusula contratual, considerando que a mesma estabelece prestação desproporcional ou até mesmo revisá-la em razão de fatos supervenientes que as tornaram excessivamente onerosas.
 
Por outro lado, é irrelevante o contrato entre consumidor e plano de saúde ter sido celebrado antes da entrada em vigência do Estatuto do Idoso. O STJ também já manifestou entendimento no sentido de que o referido diploma legal é norma cogente (impositiva e de ordem pública), devendo incidir sobre todas as relações que, em execução contratual, realizarem-se a partir da sua vigência.
 
Isso significa que, independente da época em que o contrato foi celebrado, quer seja antes da vigência do Estatuto do Idoso, quer seja a partir de sua vigência (1º de janeiro de 2004), “o consumidor que atingiu a idade de 60 anos está sempre amparado contra a abusividade de reajustes das mensalidades com base exclusivamente no alçar da idade de 60 anos, pela própria proteção oferecida pela Lei dos Planos de Saúde e, ainda, por efeito reflexo da Constituição Federal que estabelece norma de defesa do idoso no art. 230.” (Ministra Nancy Andrighi, no julgamento do Recurso Especial 809.329-RJ).
 
Vale ainda considerar que, conforme bem lembrou a Ministra Nancy Andrighi, também a legislação específica sobre a matéria (Lei 9.656/98) e a Constituição Federal têm dispositivos que devem ser respeitados no que tange à aplicação de reajustes por faixa etária após os 60 anos.
 
No que tange à Lei 9.656/98, que regulamenta a Saúde Suplementar no Brasil, deve ser considerado o disposto no art. 15. Referido artigo, além vedar a variação das contraprestações pecuniárias para consumidores com mais de 60 anos, dispôs que essa variação somente poderá ocorrer caso estejam previstas no contrato inicial as faixas etárias e os percentuais de reajustes incidentes em cada uma delas, conforme normas expedidas pela ANS, ressalvado o disposto no art. 35-E que, por sua vez, condiciona a aplicação de qualquer reajuste por faixa etária após 60 anos à prévia autorização da ANS.
 
O respeito à Constituição Federal também deve ser levado em consideração, uma vez que o artigo 230 obriga o Estado a assegurar à pessoa idosa sua dignidade, bem-estar e, principalmente, seu direito à vida.
 
Portanto, por qualquer ângulo que se reflita sobre a matéria, o Estado, através do Poder Judiciário, tem o dever de fazer valer as principais leis sobre o assunto, atuando de forma a evitar que os idosos sejam desrespeitados pelas operadoras de saúde.
 
Autor (a): Melissa Areal Pires, advogada