Gilberto Melo

Revisão de cláusulas x prestação de contas: impossibilidade de cumulação de procedimentos diversos na mesma ação

Não se pode acolher a revisão de cláusula contratual por meio de ação de prestação de contas, vez que não é meio processual hábil para tal, em decorrência da diversidade de ritos.

Tratando-se de procedimento especial, a ação de prestação contas, tem como finalidade esclarecer e comprovar a todas as despesas e receitas de uma relação jurídica, assinalando a existência ou não de saldo credor em favor de determinada parte.

 
Com efeito, consiste a prestação de contas no relacionamento e na documentação comprobatória de todas as receitas e de todas as despesas referentes a uma administração de bens, valores ou interesses de outrem, realizada por força de relação jurídica emergente da lei ou do contrato, a rigor do que também entende Humberto Theodoro Junior.
 
Seu principal objetivo é liquidar o relacionamento jurídico existente entre as partes no seu aspecto econômico de tal maneira que, no final, se defina, com perfeição, a existência ou não de um saldo, fixando, no caso positivo, o seu montante, com efeito de condenação judicial contra a parte que se qualifica como devedora.
 
A problemática se encontra no fato de que em muitos casos a Ação de Prestação de Contas vem sendo demandada, principalmente, em desfavor das Instituições Financeiras, com intuito de modificação ou revisão de cláusulas, taxas e, a incidência dessas sobre contrato, o que não é permitido pelo nosso ordenamento.
 
O instituto da prestação de contas,que somente é admitido a fim de saber se há saldo devedor ou credor em favor do autor, está sendo utilizado, diga-se de passagem, indevidamente, para revisar a aplicação de taxas de juros e demais encargos cobrados em contratos firmados com as instituições bancárias, o que sobre hipótese alguma deve ser admitido.
 
A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça é pacífica no sentido de que não se pode acolher a revisão de cláusula contratual por meio de Ação de Prestação de Contas, vez que, não é meio processual hábil para tal, em decorrência da diversidade de ritos.
 
Corroborando o mencionado acima, vale trazer a colação, trecho da decisão proferida pela Ministra Maria Isabel Gallotti, no REsp 1.150.089-PR [1], na qual descreve que a pretensão voltada a aferir a legalidade dos encargos cobrados (comissão de permanência, juros,multa, tarifas), deve ser veiculada por meio de ação ordinária revisional.
 
Nessa mesmaacepção, define João Roberto Parizzato, “A ação de prestação de contas pressupõe que uma das partes receba da outra bens ou valores para serem administrados, não sendo própria para impugnação de legalidade de cláusulas contratuais” (PARIZZATO, João Roberto. “Ação de Prestação de Contas”. Ed. Parizzato – edipa, 3ª edição, págs. 05/06).
 
Portanto, revela-se inviável a inserção de pleito puramente revisional na ação de prestação de contas, devendo ser extinto sem julgamento de mérito o processo que carrega tal equívoco processual.
 
Ademais, é notório que o meio processual adequado para se alcançar à revisão de cláusulas éa Ação Revisional de Contrato, não podendo ser acolhidaa revisão em sede de prestação de contas.
 
Não é cabível e sequer aceitável tal cumulação, já que a ação de prestação de contas obedece rito especial, enquanto que a ação revisional segue o rito ordinário comum, ou seja, há clara diferenciação em sua formulação, processamento e finalidade.
 
A Ação de Prestação de Contas não é o meio competente para discussão de cláusulas previstas em contrato bancário, mas sim para verificar a existência ou não de um saldo em favor de uma das partes, não constituindo-se via adequada para se examinar eventual abusividade ou ilegalidade de cláusulas contratuais.
 
Desse modo, a Ação de Prestação que trouxer em seu bojo clara pretensão de revisar cláusulas contratuais, de modo algum, deve ser admitida.
 
Nota
[1] REsp 1.150.089-PR RECURSO ESPECIAL 2009/0140564-0. Relator(a) Ministra Maria Isabel Gallotti, Órgão Julgador: Quarta Turma. Data do Julgamento: 16/10/2012.
Autor (a): Isadora de Moraes Pinheiro Murano, advogada.