“Antes, quando a Selic e a inflação eram mais altas, esse tipo de correção nas decisões se justificava. Agora, essa metodologia deveria ser repensada, porque as taxas praticadas estão acima não apenas dos investimentos, mas dos indicadores que balizam a economia”, diz Oliveira.
Rodrigo Rebouças, coordenador do Insper Direito, explica que, além do emaranhado de taxas que variam de estado para estado, muitos juízes nem sempre se preocupam com a saúde financeira da empresa ou do governo e aplicam valores exorbitantes nas sentenças. “Essa realidade reflete uma deficiência da cadeira de direito, que não incluía no programa uma disciplina voltada para economia até há pouco mais de 10 anos. Com isso, os advogados já formados, que hoje estão à frente de um tribunal, focam apenas a questão do direito. Mas o juiz contemporâneo também tem que estar conectado com finanças e economia para ter uma visão mais ampla em uma decisão”, afirma.
O advogado e especialista em direito tributário Fernando Zilveti, professor da Fundação Getulio Vargas (FGV), entende que, nos casos que envolvem a União, nem mesmo os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) têm a preocupação de preservar a saúde das contas públicas, ao contrário do que ocorre, por exemplo, na Alemanha.
“A nossa Corte mostra que é muito diferente da alemã ao se autoconceder reajuste salarial acima da inflação, de 16,38%, comprometendo a saúde financeira da União e também de estados e municípios, pois não há espaço nos orçamentos públicos para esse aumento. Lá, existe uma preocupação com a estabilidade do Estado, e já houve decisões nesse sentido”, compara. Procurado, o STF não comentou o assunto.
Especialistas reconhecem que o problema ficou mais evidente com a nova realidade macroeconômica, mas avaliam que a discrepância também é resultado da complexa malha tributária, devido à mudanças constantes nas regras — o que também vem fazendo pipocar uma série de decisões contra a União nessa seara.
Jabuticaba
Zilveti, da FGV, não poupa críticas à confusão de taxas nas decisões judiciais. “Uma das distorções é esse índice de correção mensal, que não existe em nenhum lugar no mundo. É uma jabuticaba brasileira”, ironiza. Ele lembra que os juros aplicados a débitos tributários com o governo federal são corrigidos pela Selic mais correção monetária. “O Fisco ainda cobra juros sobre a multa, o que é uma inconstitucionalidade”, diz. A Receita Federal não quis comentar o assunto.
Uma decisão do plenário do Supremo, em 2017, sobre os índices de correção monetária e os juros de mora a serem aplicados contra a Fazenda Pública no pagamento de precatórios, está sendo contestada pela União. O entendimento do STF é que deve ser aplicado o Índice de Preços ao Consumidor Amplo Especial (IPCA-E) em vez da Taxa Referencial (TR), atualmente zerada. Quanto aos juros de mora incidentes sobre os débitos do Instituto Nacional de Seguridade (INSS), por se tratar de natureza tributária, a corte definiu o mesmo índice adotado pelo Fisco para “preservar o princípio da isonomia”. Na cobrança de dívidas tributárias, A Receita utiliza a Selic, além de correção monetária mensal, uma das mais altas entre as listadas.
De acordo com especialistas, vem sendo bastante comum o fato de investidores estrangeiros, quando veem que o custo judicial pode ser exorbitante no país, tanto na Justiça Trabalhista quanto na Tributária, mudarem o destino de investimentos para nações com sistemas mais transparentes e mais simples na América Latina, como o Chile.
“A lógica dos juros legais tem regramentos que nem sempre conversam entre si. E é controvertida, porque não existe um padrão único, o que faz com que algumas partes da legislação sejam conflituosas”, avalia o advogado Marcelo Inglez de Souza, sócio da área de contencioso do Demarest, um dos maiores escritórios de advocacia do país.
Souza diz que é muito difícil explicar as regras a clientes estrangeiros, principalmente, europeus. “Para eles, esse emaranhado é assustador. Os juros praticados em outros países são inferiores. Uma vez, um cliente japonês quase caiu da cadeira quando soube que havia correção monetária de 1% ao mês nas decisões judiciais. Ele achava que isso era ao ano.”
“Essa metodologia deveria ser repensada, porque as taxas praticadas estão acima não apenas dos investimentos, mas dos indicadores que balizam a economia” Miguel José Ribeiro de Oliveira, vice-presidente da Anefac
12,68% ao ano
Correção anual dos débitos judiciais apenas com a aplicação de juros de 1% ao mês
Autor (a): Rosana Hessel
Fonte: www.correiobraziliense.com.br