No livro O Processo, o genial autor tcheco Franz Kafka narra a história de Josef K., um homem pacato que, certo dia, acorda e descobre estar sendo processado por um crime que nem sequer sabe qual é. O atemporal romance do início do século 20 retrata com maestria as incertezas e angústias decorrentes de uma atuação autoritária e inconstitucional do Estado e o impacto dessa atuação na vida de cidadãos comuns.
Ao trazer as reflexões de O Processo para a realidade brasileira do século 21, podemos pensar a respeito da situação de uma pessoa que descobre estar sendo investigada por um crime que não cometeu. Suponhamos que a investigação envolva uma alegada fraude em licitação promovida pela União, que teria causado um suposto dano ao erário de R$ 100 mil.
Visando a futura reparação desse dano e alegando existirem indícios de autoria, o Ministério Público requer o “bloqueio” de bens do investigado, pedido que é deferido pelo Poder Judiciário em juízo de cognição sumária. Assim que bloqueado, o valor é imediatamente transferido para uma conta judicial e lá permanece por anos, aguardando a conclusão da investigação, cuja demora é justificada pela “complexidade” do caso.
Ao final, o Ministério Público conclui pela ausência de provas contra o investigado, decide não oferecer denúncia e concorda com a restituição do valor constrito. No entanto, ao receber o montante, o investigado percebe que o valor devolvido é cerca de 20% menor do que o que fora originalmente bloqueado, devido à inflação acumulada no período. Além de todas as consequências pessoais e sociais decorrentes do fato de ser alvo de uma investigação criminal, ao final da apuração, o cidadão se surpreende ao perceber que “pagou” para ser investigado por um crime do qual sempre alegou inocência.
Por mais absurda que essa hipotética situação possa parecer, não é incomum na prática forense brasileira. Isso porque o artigo 11, §1º, da Lei 9.289/96 [1], prevê que “os depósitos efetuados em dinheiro observarão as mesmas regras das cadernetas de poupança, no que se refere à remuneração básica e ao prazo”. A “remuneração básica” da caderneta de poupança é a Taxa Referencial (TR), nos termos do artigo 7º da Lei 8.660/1993, que extinguiu a TRD anteriormente prevista na Lei 8.177/1991.
É amplamente sabido, porém, que a TR não reflete a perda do poder aquisitivo da moeda provocada pela inflação. Entre 2017 e 2022, por exemplo, a TR ficou zerada, enquanto a inflação acumulada no período foi de 28,86%, de acordo com o IPCA-E da Fundação Getúlio Vargas. Em nosso exemplo, a diferença no valor a ser restituído ao investigado, caso a investigação ocorresse durante esse período, seria de aproximadamente R$ 30 mil.
Continua..
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Por: José Carlos Cal Garcia Filho e Alexandre Miranda Demantova
Leia a íntegra em: https://www.conjur.com.br/2024-out-05/tr-como-indice-de-correcao-monetaria-de-depositos-referentes-a-medidas-assecuratorias/