Em recente julgado, em processo promovido contra o Banco Bradesco S/A, a 16ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul determinou, com base no Código de Defesa do Consumidor, que os juros do cartão de crédito, administrado pelo banco, devem ser limitados a taxa SELIC do período de utilização do cartão, bem como a capitalização dos juros deve ser anual e não mensal como era aplicada.
A decisão verificou a abusividade na taxa de juros cobradas pelo cartão, de 12,5% ao mês, determinando sua limitação a taxa média de mercado – SELIC.
Por taxa média de mercado estipulada pelo Banco Central do Brasil se entendeu de aplicar a Taxa SELIC (Sistema Especial de Liquidação e de Custódia), que reflete as condições instantâneas de liquidez no mercado monetário e se compõe em taxa de juros reais e taxa de inflação. Tal índice é utilizado nas operações realizadas com títulos públicos.
Leia a íntegra da decisão:
AÇÃO REVISIONAL. CONTRATO DE CARTÃO DE CRÉDITO.
CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. Incidência aos contratos bancários por força do §2º do art. 3º da Lei nº 8.078/90, agora reforçado pela Súmula nº 297 do STJ.
JUROS REMUNERATÓRIOS. Uma vez reconhecida a abusividade contratual com base no CDC e tomando-se como parâmetro o teor das Súmulas 294 e 296 do STJ, sem, contudo, aderir in totum a tal posicionamento, impõe-se a revisão contratual, fixando-se os juros remuneratórios da normalidade com base no percentual da Taxa SELIC do período.
CAPITALIZAÇÃO. Admitida a capitalização anual aos contratos de cartão de crédito.
COMPENSAÇÃO DE VALORES E REPETIÇÃO DO INDÉBITO. O parágrafo único do art. 42 do CDC não exige a prova do pagamento com erro, bastando a cobrança de quantia indevida para possibilitar a devolução do excesso, que deverá ser igual ao pago a maior e não em dobro, uma vez ausente a má-fé da instituição financeira, que apenas repassou os encargos pactuados.
CADASTRO DE INADIMPLENTES. Dentro do princípio da cautela, admite-se a suspensão da inscrição até o trânsito em julgado do dissídio.
APELAÇÃO PARCIALMENTE PROVIDA.
APELAÇÃO CÍVEL DÉCIMA SEXTA CÂMARA CÍVEL
Nº 70009856733 COMARCA DE PORTO ALEGRE
BANCO BRADESCO S/A APELANTE
XXXXXXXXXXXXXX APELADO
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os autos.
Acordam os Magistrados integrantes da Décima Sexta Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado, à unanimidade, em dar parcial provimento à apelação.
Custas na forma da lei.
Participaram do julgamento, além do signatário (Presidente), os eminentes Senhores DES. CLAUDIR FIDÉLIS FACCENDA E DRA. ANA BEATRIZ ISER.
Porto Alegre, 09 de março de 2005.
DES. PAULO AUGUSTO MONTE LOPES,
Relator.
RELATÓRIO
DES. PAULO AUGUSTO MONTE LOPES (RELATOR)
Trata-se de recurso de apelação interposto por BANCO BRADESCO S/A, contra sentença que julgou procedente em parte os pedidos deduzidos na ação de revisão de contrato de cartão de crédito ajuizada.
A digna julgadora a quo, em sentença de fls. 88/92, determinou a revisão do contrato celebrado entre as partes, para o efeito de limitar os juros remuneratórios em 12%, vedar a capitalização mensal, admitindo a anual, e determinar a compensação simples dos valores pagos a maior com eventual débito apurador, caso, inexista, o valor deverá ser restituído à parte autora. Em face do decaimento mínimo do autor, o demandado restou condenado ao pagamento das custas e honorários advocatícios do procurador da parte adversa, fixados em R$ 800,00.
Em suas razões recursais, aduziu que sua irresignação diz respeito à limitação dos juros em 12% ao ano, afastamento da capitalização mensal, admissibilidade da compensação e/ou repetição do indébito, e manutenção da liminar que determinação a exclusão do nome do autor dos cadastros de inadimplentes. Sustenta a legalidade dos encargos livremente pactuados, já que o § 3º do art. 192 da Constituição Federal não é auto-aplicável, e o Decreto nº 22.626/33 não se aplica às instituições financeiras desde o advento da Lei nº 4.595/64. Da mesma forma, as disposições do CDC não incidem no contrato em apreço. Colacionando decisões jurisprudenciais acerca da matéria em discussão, pugna pelo provimento do recurso nos pontos atacados.
Admitido e contra-arrazoado o recurso, subiram os autos a esta Corte, vindo-me conclusos.
É o relatório.
VOTOS
DES. PAULO AUGUSTO MONTE LOPES (RELATOR)
Em suas razões de apelação o demandado postulou a reforma da sentença no tocante aos juros remuneratórios, capitalização, e repetição de indébito, sustentando a incidência da Lei nº 4.595/64, e asseverando inaplicabilidade do CDC e do Dec. 22.626/33 à espécie, requerendo a revogação da tutela antecipada sobre os cadastros de inadimplentes.
A fim de melhor sistematizar as questões controvertidas, a matéria suscitada na apelação segue enfrentada sob a forma de tópicos.
JUROS REMUNERATÓRIOS
Esta Câmara tem se posicionado pela revisão da taxa de juros contratada quando traduzir abusividade na estipulação, a fim de se compatibilizar com a atual realidade econômica do País, expurgando a pactuação viciada pela onerosidade excessiva, com fundamento no Código de Defesa do Consumidor, a teor do disposto no art. 3º, § 2º, da Lei nº 8.078/90, agora reforçado pela Súmula nº 297 do STJ: O Código de Defesa do Consumidor é aplicável às instituições financeiras.
Portanto, afastada qualquer discussão a respeito da aplicabilidade do CDC, cujas disposições tem total pertinência aos contratos bancários.
Mas, como se sabe, o CDC apenas traça um princípio legal, porém não limita os juros. Com isto, busca-se a solução no recente posicionamento do Superior Tribunal de Justiça exteriorizado nas Súmulas 296 e 294.
Segundo a Súmula nº 296 do STJ, Os juros remuneratórios, não cumuláveis com comissão de permanência, são devidos no período de inadimplência à taxa média de mercado estipulada pelo Banco Central do Brasil, limitada ao percentual contratada.
Já a Súmula nº 294 tem o seguinte teor: Não é potestativa a cláusula contratual que prevê a comissão de permanência, calculada pela taxa média de mercado, apurada pelo Banco Central do Brasil, limitada à taxa do contrato (no ponto, de observar que na prática os bancos cobram os juros da inadimplência sob o título comissão de permanência).
Ora, por taxa média de mercado estipulada pelo Banco Central do Brasil se entendeu de aplicar a Taxa SELIC (Sistema Especial de Liquidação e de Custódia), que reflete as condições instantâneas de liquidez no mercado monetário e se compõe em taxa de juros reais e taxa de inflação. Tal índice é utilizado nas operações realizadas com títulos públicos.
Partindo deste prisma, examinando o caso concreto nota-se que os encargos contratuais foram fixados em taxas que oscilam entre 10,94 e 125 ao mês, conforme faturas de fls. 22/27. Neste diapasão, incide o disposto no art. 51, inc. IV, que comina de nulidade as cláusulas contratuais que “estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada ou sejam incompatíveis com a boa-fé e a eqüidade”.
O § 1º, inc. III, do mesmo art. 51, do CDC, por sua vez, afirma que “presume-se exagerada, entre outros casos, a vantagem que (III) se mostra excessivamente onerosa para o consumidor, considerando-se a natureza e o conteúdo do contrato, o interesse das partes e outras circunstâncias peculiares ao caso”.
E, com efeito, sem aderir in totum ao posicionamento do Superior Tribunal de Justiça, mas tomando-se como parâmetro o teor de tais enunciados, uma vez reconhecida a abusividade contratual impõe-se a revisão do contrato, fixando-se os juros remuneratórios da normalidade com base no percentual da Taxa SELIC do período.
Diante do contexto, no tocante aos juros ficam afastadas tanto a Lei nº 4.595/64 como o Decreto nº 22.626/33, eis que refletem situações extremas, seja em favor do credor por estabelecer juros muito acima do aceitável atualmente em face da realidade sócio-econômica do país, seja em favor do devedor por reduzir ao mínimo a remuneração do capital, situação que também refoge ao necessário equilíbrio contratual existente entre as partes.
CAPITALIZAÇÃO
Com respeito à capitalização, sustenta o recorrente a possibilidade da cobrança em caso de pagamento em atraso, referindo, além da Lei nº 4.595/64, a incidência da Medida Provisória nº 2.170.36. Todavia, a jurisprudência, inclusive esta Câmara, tem entendido que a medida provisória referida é inconstitucional, porquanto ausentes os requisitos da urgência e necessidade previstos no art. 62 da CF. O que se admite, no entanto, para os cartões de crédito, é a capitalização anual, a exemplo dos contratos de conta corrente, aos quais se aplica o art. 4º do Decreto nº 22.626/33, eis que afastado somente em relação aos juros.
COMPENSAÇÃO E/OU REPETIÇÃO DE INDÉBITO
O Código de Defesa do Consumidor não exige a prova do erro no pagamento voluntário prevista pelo art. 965 do Código Civil. Assim, basta a cobrança indevida para possibilitar a devolução em dobro daquilo que foi pago. No entanto, a repetição deverá ser apenas da quantia paga a maior caso exista crédito em favor da parte autora após a compensação dos valores, isto porque a parte final do parágrafo único do art. 42 do CDC ressalva a hipótese de engano justificável. O autor não comprovou a má-fé da administradora no repasse dos encargos, visto que estava autorizada a tal procedimento. Desse modo, realizada a compensação, sobejando valor pago a maior, deverá haver devolução do excesso, de forma simples.
CADASTRO DE INADIMPLENTES
Por fim, quanto à inscrição do nome do demandante em cadastros de inadimplentes, sem embargo do entendimento do apelante, ainda que presente o disposto no art. 43, § 4º, da Lei nº 8.078 e do art. 4º, § 2º, da Lei nº 9.507/97, tem prevalecido, dentro do princípio geral de cautela, o entendimento de afastamento de anotações de qualquer espécie uma vez instaurada lide sobre o débito, até o trânsito em julgado do dissídio. A permanência do óbice aos aludidos cadastramentos não fere o direito do credor, conforme conclusão nº 11 do CETARGS, o que foi ratificado pelo CETJRGS.
Portanto, não se está afastando eventual débito ou o direito do credor de realizar anotações. Todavia, quando se torna controvertida a relação obrigacional, após análise específica e particular, a cautela recomenda o descadastramento até o trânsito em julgado.
PREQUESTIONAMENTO
Por fim, relativamente aos artigos prequestionados, entendo que a solução da demanda posta em exame não exige seja secionada a decisão de acordo com os dispositivos invocados. Interessa, isso sim, que o acórdão aprecie integralmente a questão trazida aos autos, dando-lhe o devido fundamento, conforme entendimento desta Corte e do STJ.
CONCLUSÃO
Por tais razões, dou provimento em parte à apelação, tão somente para fixar a taxa de juros remuneratórios com base na Taxa Selic, mantida a r. sentença de 1º grau nos demais aspectos, inclusive no que tange aos ônus da sucumbência ( art. 21, parágrafo único, do CPC).
DES. CLAUDIR FIDÉLIS FACCENDA (REVISOR) – De acordo.
DRA. ANA BEATRIZ ISER – De acordo.
DES. PAULO AUGUSTO MONTE LOPES – Presidente – Apelação Cível nº 70009856733, Comarca de Porto Alegre: “DERAM PARCIAL PROVIMENTO. UNÂNIME.”
Julgador(a) de 1º Grau: VERA REGINA C DA ROCHA MORAES
Fonte: www.endividado.com.br