Gilberto Melo

Os marcos temporais da correção monetária e dos juros moratórios nas condenações por danos morais: Análise à luz da jurisprudência consolidada do STJ

1 – Introdução

A aplicação correta dos institutos da correção monetária e dos juros de mora sobre as condenações por dano moral constitui questão de fundamental importância no direito processual civil e na responsabilidade civil, especialmente diante da multiplicidade de normas e precedentes jurisprudenciais que disciplinam a matéria.

As indenizações por danos morais, pela própria natureza extrapatrimonial do bem jurídico lesado, apresentam peculiaridades específicas quanto aos marcos temporais para incidência tanto da correção monetária quanto dos juros moratórios, exigindo análise técnica diferenciada dos demais tipos de condenação.

Considerando a relevância prática desses institutos nas ações indenizatórias e a necessidade de uniformização do entendimento sobre seus respectivos marcos temporais em condenações por dano moral, torna-se necessário sistematizar a jurisprudência consolidada do STJ, facilitando a adequada aplicação dos critérios já pacificados por esta Corte Superior.

Este estudo objetiva conferir maior segurança jurídica aos operadores do direito, reunindo de forma objetiva os principais precedentes do STJ e orientações normativas sobre os termos iniciais de correção monetária e juros de mora especificamente aplicáveis às condenações por danos morais.

2 – Distinção técnica e legal entre correção monetária e juros de mora

Inicialmente, revela-se imprescindível estabelecer a distinção entre correção monetária e juros moratórios.

Embora ambos os institutos incidam cumulativamente sobre débitos em atraso, possuem fundamentos, finalidades e regimes jurídicos absolutamente distintos.

A correção monetária cumpre função recompositiva, destinando-se exclusivamente à neutralização dos efeitos corrosivos da inflação1. Não constitui, portanto, sanção nem acréscimo patrimonial, mas simples mecanismo de preservação do poder aquisitivo da moeda.

A correção monetária está disciplinada no CC no parágrafo único do art. 389, dispositivo que estabelece a aplicação subsidiária do IPCA/IBGE quando não houver convenção entre as partes ou previsão em lei específica. Trata-se de norma de caráter supletivo, que confere segurança jurídica às relações obrigacionais ao definir critério objetivo e tecnicamente adequado para a preservação do valor real das prestações.

No ordenamento processual, a lei 6.899/1981 consagra a obrigatoriedade da correção monetária sobre qualquer débito resultante de decisão judicial. O art. 1º do referido diploma estabelece que “a correção monetária incide sobre qualquer débito resultante de decisão judicial, inclusive sobre custas e honorários advocatícios“. Trata-se de norma cogente que visa preservar a integridade patrimonial das decisões judiciais, impedindo que o decurso temporal beneficie indevidamente o devedor.

A mesma lei estabelece marcos diferenciados para a incidência da correção monetária. Nas execuções de títulos de dívida líquida e certa, a correção será calculada desde o respectivo vencimento (§1º); nos demais casos, o cálculo far-se-á a partir do ajuizamento da ação (§ 2º).

A aparente divergência entre a súmula 43 do STJ (“Incide correção monetária sobre dívida por ato ilícito a partir da data do efetivo prejuízo”) e a lei 6.899/1981 resolve-se mediante interpretação sistemática, porquanto não se configura antinomia jurídica propriamente dita.

A questão encontra-se definitivamente pacificada no precedente REsp 124.932/SP (ministro Fernando Gonçalves, 6ª turma, julgado em 5/3/1998), que estabeleceu expressamente a “compatibilidade da aplicação simultânea das súmulas 43 e 148/STJ2“. No referido julgado, o STJ assentou que “na correção monetária dos benefícios previdenciários em atraso há de se observar o critério estabelecido pela lei 6.899/81, com ressalva do termo inicial, que deve ser a partir de quando devida a prestação, aplicando-se simultaneamente as súmulas 148 e 43 do STJ”.

A jurisprudência do STJ demonstra que os critérios coexistem harmoniosamente: em se tratando de dívidas de valor oriundas de ato ilícito ou obrigações de natureza alimentar, prevalece o marco temporal da súmula 43 do STJ; para débitos judiciais em geral, aplica-se a sistemática da lei 6.899/1981.

Os juros de mora, por sua vez, “têm natureza indenizatória e sancionadora, que deriva do retardamento culposo no cumprimento da obrigação” (REsp 1.820.963/SP, relatora ministra Nancy Andrighi, Corte Especial, julgado em 19/10/2022, DJe de 16/12/2022).

Os juros moratórios encontram-se disciplinados no CC no art. 406 e seus parágrafos, dispositivos que estabelecem a taxa legal como sendo a taxa referencial do Selic – Sistema Especial de Liquidação e de Custódia, deduzido o índice de atualização monetária (§ 1º).

Cumpre ressaltar, por relevante, que, desde 2008, a Corte Especial do STJ3 já entendia que é a SELIC a taxa de juros de mora aplicável às dívidas de natureza civil, por ser esta a taxa em vigor para a atualização monetária e a mora no pagamento de impostos devidos à Fazenda Nacional.

A propósito:

“CIVIL. JUROS MORATÓRIOS. TAXA LEGAL. CC, ART. 406. APLICAÇÃO DA TAXA SELIC.

  1. Segundo dispõe o art. 406 do CC, “Quando os juros moratórios não forem convencionados, ou o forem sem taxa estipulada, ou quando provierem de determinação da lei, serão fixados segundo a taxa que estiver em vigor para a mora do pagamento de impostos devidos à Fazenda Nacional”.
  2. Assim, atualmente, a taxa dos juros moratórios a que se refere o referido dispositivo é a taxa referencial do SELIC – Sistema Especial de Liquidação e Custódia, por ser ela a que incide como juros moratórios dos tributos federais (arts. 13 da lei 9.065/95, 84 da lei 8.981/95, 39, § 4º, da lei 9.250/95, 61, § 3º, da lei 9.430/96 e 30 da lei 10.522/02).
  3. Embargos de divergência a que se dá provimento.”

(EREsp 727.842/SP, relator ministro Teori Albino Zavascki, Corte Especial, julgado em 8/9/2008, DJe de 20/11/2008). (Original sem destaques).

Em agosto de 2024, a Corte Especial do STJ reafirmou esse entendimento:

“CIVIL. RECURSO ESPECIAL. INTERPRETAÇÃO DO ART. 406 DO CC. RELAÇÕES CIVIS. JUROS MORATÓRIOS. TAXA LEGAL. APLICAÇÃO DA SELIC. RECURSO PROVIDO.

  1. O art. 406 do CC de 2002 deve ser interpretado no sentido de que é a SELIC a taxa de juros de mora aplicável às dívidas de natureza civil, por ser esta a taxa “em vigor para a atualização monetária e a mora no pagamento de impostos devidos à Fazenda Nacional”.
  2. A SELIC é taxa que vigora para a mora dos impostos federais, sendo também o principal índice oficial macroeconômico, definido e prestigiado pela Constituição Federal, pelas Leis de Direito Econômico e Tributário e pelas autoridades competentes. Esse indexador vigora para todo o sistema financeiro-tributário pátrio.

Assim, todos os credores e devedores de obrigações civis comuns devem, também, submeter-se ao referido índice, por força do art. 406 do CC.

  1. O art. 13 da lei 9.065/95, ao alterar o teor do art. 84, I, da lei 8.981/95, determinou que, a partir de 1º de abril de 1995, os juros moratórios “serão equivalentes à taxa referencial do SELIC – Sistema Especial de Liquidação e de Custódia para títulos federais, acumulada mensalmente”.
  2. Após o advento da EC 113, de 8 de dezembro de 2021, a SELIC é, agora também constitucionalmente, prevista como única taxa em vigor para a atualização monetária e compensação da mora em todas as demandas que envolvem a Fazenda Pública. Desse modo, está ainda mais ressaltada e obrigatória a incidência da taxa SELIC na correção monetária e na mora, conjuntamente, sobre o pagamento de impostos devidos à Fazenda Nacional, sendo, pois, inconteste sua aplicação ao disposto no art. 406 do CC de 2002.
  3. O Poder Judiciário brasileiro não pode ficar desatento aos cuidados com uma economia estabilizada a duras penas, após longo período de inflação galopante, prestigiando as concepções do sistema antigo de índices próprios e independentes de correção monetária e de juros moratórios, justificável para uma economia de elevadas espirais inflacionárias, o que já não é mais o caso do Brasil, pois, desde a implantação do padrão monetário do Real, vive-se um cenário de inflação relativamente bem controlada.
  4. É inaplicável às dívidas civis a taxa de juros moratórios prevista no art. 161, § 1º, do CTN, porquanto este dispositivo trata do inadimplemento do crédito tributário em geral. Diferentemente, a norma do art. 406 do CC determina mais especificamente a fixação dos juros pela taxa aplicável à mora de pagamento dos impostos federais, espécie do gênero tributo.
  5. Tal entendimento já havia sido afirmado por esta Corte Especial, por ocasião do julgamento do EREsp 727.842/SP, no qual se deu provimento àqueles embargos de divergência justamente para alinhar a jurisprudência dos Órgãos Colegiados internos, no sentido de que “a taxa dos juros moratórios a que se refere o referido dispositivo é a taxa referencial do SELIC – Sistema Especial de Liquidação e Custódia, por ser ela a que incide como juros moratórios dos tributos federais” (rel. min. TEORI ALBINO ZAVASCKI, julgado em 8/9/2008 e publicado no DJe de 20/11/2008). Deve-se reafirmar esta jurisprudência, mantendo-a estável e coerente com o sistema normativo em vigor.
  6. Recurso especial provido.”

(REsp 1.795.982/SP, relator ministro Luis Felipe Salomão, relator para acórdão ministro Raul Araújo, Corte Especial, julgado em 21/8/2024, DJe de 23/10/2024). (Original sem destaques).

Conforme exposto na Exposição de Motivos do PL 6233/23 (que deu origem à lei 14.905/24), a ausência de consenso jurisprudencial quanto à aplicação da taxa legal e a inadequação tanto da SELIC (que não remunerava adequadamente o credor pelos riscos) quanto da taxa de 1% ao mês do CTN (descolada das condições de mercado) geravam insegurança jurídica, aumentavam custos com passivos judiciais e reduziam a disponibilidade de crédito aos setores produtivos.

A nova sistemática, ao evitar a sobreposição indevida entre juros e correção monetária, confere racionalidade ao sistema, elimina a dupla incidência característica do regime pretérito e estabelece metodologia clara e responsiva às condições de mercado.

Pertinente se faz esclarecer que a lei 14.905/244 passou a produzir efeitos a contar de 28/8/20245.

Não se deve perder de vista que a 3ª turma do STJ já esclareceu que, “mesmo após a entrada em vigor da lei 14.905/24, que alterou o art. 406 do CC para determinar a taxa SELIC como a taxa de juros aplicável, esta não pode ser aplicada aos casos em que o título executivo já previu outros índices, sob pena de violação da coisa julgada” (AgInt nos EDcl no AREsp 2.767.941/RS, relator ministro Humberto Martins, 3ª turma, julgado em 19/5/2025, DJEN de 22/5/2025).

3 – Termo inicial da correção monetária nos danos morais

A correção monetária das importâncias fixadas a título de danos morais incide desde a data do arbitramento, nos termos da súmula 362 do STJ, que possui o seguinte teor:

“A correção monetária do valor da indenização do dano moral incide desde a data do arbitramento.” (Original sem destaques).

Cumpre ressaltar, por relevante, que se uma indenização por dano moral fixada pelo Juízo de primeiro grau for modificada pelo Tribunal de segundo Grau ou pelo STJ, o termo inicial para fins de incidência da correção monetária que deve ser considerado é o do último arbitramento, isto é, a data em que foi fixado o valor final que será objeto de execução.

Nesse sentido:

“EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS E ESTÉTICOS. CORREÇÃO MONETÁRIA. TERMO INICIAL. SÚMULA 362/STJ. EMBARGOS REJEITADOS.

  1. Em havendo a substituição do acórdão estadual por decisão deste STJ, no tocante ao quantum da condenação por danos morais e estéticos, a atualização monetária deve incidir a partir da data da decisão proferida por esta Corte, por ser a que fixou em definitivo o valor da indenização, ainda que adotando os mesmos parâmetros utilizados pela sentença.”
  2. Embargos de declaração rejeitados.”

(EDcl nos EDcl no REsp n. 1.349.968/DF, relator ministro Marco Aurélio Bellizze, 3ª turma, julgado em 4/2/2016, DJe de 11/2/2016). (Original sem destaques).

Vê-se, portanto, que o termo inicial da correção monetária corresponde à data da decisão que estabeleceu o valor final da indenização, seja ela proferida em primeira instância (quando mantida pelas instâncias superiores) ou em grau recursal (quando o valor for alterado).

Para ilustrar com exemplos práticos:

Exemplo 1: se o Juízo de primeiro grau fixar a indenização em R$ 5.000,00 (cinco mil reais) e essa decisão for mantida pelo Tribunal de segunda instância e pelo STJ, o termo inicial da correção monetária será a data da publicação da sentença de primeiro grau.

Exemplo 2: se o Juízo de primeiro grau fixar a indenização em R$ 5.000,00 (cinco mil reais), o Tribunal de segunda instância majorar para R$ 10.000,00 (dez mil reais) e essa decisão for mantida pelo STJ, o termo inicial será a data da publicação do acórdão do Tribunal de segunda instância.

Exemplo 3: Se o Juízo de primeiro grau fixar R$ 5.000,00 (cinco mil reais), o Tribunal de segunda instância majorar para R$ 10.000,00 (dez mil reais) e o STJ majorar para R$ 15.000,00 (quinze mil reais), o termo inicial da correção monetária será a data da publicação da decisão do STJ.

Tal sistemática preserva a coerência jurisprudencial e garante que a correção monetária incida sobre o valor que efetivamente será executado, evitando distorções e prejuízos ao lesado.

4 – Termo inicial dos juros moratórios nos danos morais

Nos casos de responsabilidade extracontratual, os juros de mora incidentes sobre a condenação eventualmente fixada a título de danos morais devem fluir desde o evento danoso, tendo em vista o disposto no art. 398 do CC.

Nesse sentido, a súmula 54 do STJ estabelece expressamente:

“Os juros moratórios fluem a partir do evento danoso, em caso de responsabilidade extracontratual.” (Original sem destaques).

Cumpre ressaltar, por relevante, que a 2ª Seção do STJ, quando do julgamento do REsp 1.132.866/SP, pacificou o entendimento de que “[o] fato de, no caso de dano moral puro, a quantificação do valor da indenização, objeto da condenação judicial, só se dar após o pronunciamento judicial, em nada altera a existência da mora do devedor, configurada desde o evento danoso”. Eis o teor da ementa do referido julgado:

“RECURSO ESPECIAL. DIREITO CIVIL. JUROS MORATÓRIOS. INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL PURO. VEICULAÇÃO DE MATÉRIA JORNALÍSTICA. TERMO INICIAL DOS JUROS DE MORA. DATA DO EVENTO DANOSO. SÚMULA 54/STJ.

1.- É assente neste Tribunal o entendimento de que os juros moratórios incidem desde a data do evento danoso em casos de responsabilidade extracontratual, hipótese observada no caso em tela, nos termos da súmula 54/STJ: “Os juros moratórios fluem a partir do evento danoso, em caso de responsabilidade extracontratual”. Na responsabilidade extracontratual, abrangente do dano moral puro, a mora se dá no momento da prática do ato ilícito e a demora na reparação do prejuízo corre desde então, isto é, desde a data do fato, com a incidência dos juros moratórios previstos na lei.

2.- O fato de, no caso de dano moral puro, a quantificação do valor da indenização, objeto da condenação judicial, só se dar após o pronunciamento judicial, em nada altera a existência da mora do devedor, configurada desde o evento danoso. A adoção de orientação diversa, ademais, ou seja, de que o início da fluência dos juros moratórios se iniciasse a partir do trânsito em julgado, incentivaria o recorrismo por parte do devedor e tornaria o lesado, cujo dano sofrido já tinha o devedor obrigação de reparar desde a data do ato ilícito, obrigado a suportar delongas decorrentes do andamento do processo e, mesmo de eventuais manobras processuais protelatórias, no sentido de adiar a incidência de juros moratórios.

3.- Recurso Especial improvido.” (REsp 1.132.866/SP, relatora ministra Maria Isabel Gallotti, relator para acórdão ministro Sidnei Beneti, 2ª Seção, julgado em 23/11/2011, DJe de 3/9/2012). (Original sem destaques).

A Corte Especial do STJ, quando do julgamento do AgInt nos EREsp 1.946.950/PA, confirmou esse entendimento:

“PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NOS EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA EM RECURSO ESPECIAL. INDENIZAÇÃO. DANO MORAL. JUROS DE MORA. TERMO INICIAL. DATA DO EVENTO DANOSO. SÚMULA 54 DO STJ. ACÓRDÃO EMBARGADO EM CONFORMIDADE COM A JURISPRUDÊNCIA DO STJ. INCIDÊNCIA DA SÚMULA 168 DO STJ. AGRAVO DESPROVIDO.

  1. A jurisprudência do STJ firmou-se no sentido de que os juros de mora, na responsabilidade extracontratual, incidem desde o evento danoso (súmula 54 do STJ), seja o dano de natureza material ou moral.
  2. Não se mostram viáveis os embargos de divergência se a jurisprudência do tribunal se firmou no mesmo sentido do acórdão embargado. Incidência da súmula 168 do STJ.
  3. Agravo interno desprovido.”

(AgInt nos EREsp 1.946.950/PA, relator ministro João Otávio de Noronha, Corte Especial, julgado em 25/6/2024, DJe de 28/6/2024).(Original sem destaques).

Por outro lado, em se tratando de indenização por danos decorrentes de responsabilidade contratual, os juros moratórios fluem a partir da citação tanto para os danos morais quanto para os materiais (art. 405 do CC).

Nesse sentido:

“RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. DANOS MATERIAIS E MORAIS. NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. NÃO OCORRÊNCIA. JUROS MORATÓRIOS. TAXA LEGAL. APLICAÇÃO DA SELIC. ART. 406 DO CC. ADVOGADO. DESCUMPRIMENTO DO MANDATO. CELEBRAÇÃO DE ACORDO PREJUDICIAL. RENÚNCIA DE CRÉDITO. RESPONSABILIDADE CIVIL. RELAÇÃO CONTRATUAL. ABUSO DE PODER. JUROS MORATÓRIOS. TERMO INICIAL. CITAÇÃO.

  1. Não há falar em negativa de prestação jurisdicional se o tribunal de origem motiva adequadamente sua decisão, solucionando a controvérsia com a aplicação do direito que entende cabível à hipótese, apenas não no sentido pretendido pela parte.
  2. Nos termos do art. 406 do CC, o percentual dos juros moratórios deve ser calculado segundo a variação da taxa SELIC, vedada a sua incidência cumulativa com outro índice de correção monetária.
  3. No caso concreto, ficou consignado que o advogado celebrou acordo prejudicial ao cliente, por meio do qual renunciou a crédito consolidado em sentença transitada em julgado, em virtude de ajuste espúrio realizado com a parte contrária.
  4. A responsabilidade pelos danos decorrentes do abuso de poder pelo mandatário decorre da violação dos deveres subjacentes à relação jurídica contratual entre o advogado e o assistido.
  5. Esta Corte firmou o entendimento de que, em se tratando de indenização por danos decorrentes de responsabilidade contratual, os juros moratórios fluem a partir da citação tanto para os danos morais quanto para os materiais.
  6. Recurso especial conhecido e parcialmente provido.”

(REsp 2.062.204/RS, relator ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, 3ª turma, julgado em 12/5/2025, DJEN de 19/5/2025).

Impende destacar, por pertinente, que esse também é o entendimento da Corte Especial do STJ, senão vejamos:

“AGRAVO INTERNO NOS EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA EM RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. ATROPELAMENTO POR COLETIVO. RESPONSABILIDADE EXTRACONTRATUAL. TERMO INICIAL DOS JUROS MORATÓRIOS. EVENTO DANOSO. SÚMULA 54/STJ. ACÓRDÃO PARADIGMA QUE TRATOU DE RESPONSABILIDADE CONTRATUAL DE HOSPITAL POR MÁ PRESTAÇÃO DE SERVIÇO. PATENTE AUSÊNCIA DE SIMILITUDE FÁTICO-PROCESSUAL. PARADIGMA QUE NÃO DESTOA DO ACÓRDÃO EMBARGADO, ALIÁS, REAFIRMA A MESMA TESE. SÚMULA 168/STJ. DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL INDEMONSTRADO. EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA LIMINARMENTE INDEFERIDOS. AGRAVO INTERNO DESPROVIDO.

(.)

  1. Ademais, a tese esposada pelo acórdão embargado foi ratificada no acórdão paradigma, integrado pelo o que rejeitou os subsequentes embargos de declaração, reafirmando o entendimento consagrado nesta Corte: “Tratando-se de reparação de dano moral, os juros de mora incidem desde o evento danoso, em casos de responsabilidade extracontratual (Súmula 54/STJ), e desde a citação da parte ré, no caso de responsabilidade contratual” (EDcl nos EREsp 903.258/RS, rel. ministro ARI PARGENDLER, rel. p/ acórdão ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, CORTE ESPECIAL, julgado em 6/5/2015, DJe 11/06/2015; sem grifo no original). Incidência da súmula 168 do STJ: “Não cabem Embargos de Divergência, quando a jurisprudência do Tribunal se firmou no mesmo sentido do Acórdão embargado”.
  2. Agravo interno desprovido.”

(AgInt nos EREsp 1.595.029/DF, relatora ministra Laurita Vaz, Corte Especial, julgado em 9/3/2021, DJe de 22/3/2021). (Original sem destaques).

Contudo, penso ser pertinente fazer um esclarecimento. O art. 397 do CC estabelece que “[o] inadimplemento da obrigação, positiva e líquida, no seu termo, constitui de pleno direito em mora o devedor”.

Tal dispositivo versa sobre a mora ex re que ocorre essencialmente em obrigações contratuais ou derivadas de títulos de crédito, porquanto, no mais das vezes, é por essas vias que são acertadas obrigações positivas, líquidas e com termo certo de cumprimento. A razão de ser é óbvia: sendo o devedor sabedor da data em que deve ser adimplida a obrigação líquida – porque decorre de cláusula contratual -, descabe advertência complementar por parte do credor.

Conforme já decidiu o STJ, “[h]avendo termo certo para o pagamento de obrigação líquida, trata-se de mora ex re e incide o art. 397, caput, do CC, segundo o qual o inadimplemento da obrigação, positiva e líquida, no seu termo, constitui de pleno direito em mora o devedor” (AgInt no REsp 1.744.329/PR, relator ministro Antonio Carlos Ferreira, 4ª turma, julgado em 30/3/2020, DJe de 1/4/2020).

Contudo, em sede de danos morais, não há que se falar em mora ex re, tendo em vista que a parte ré não tem como prever se o Poder Judiciário irá ou não fixar danos morais no processo.

A sistematização dos marcos temporais para incidência de correção monetária e juros de mora sobre condenações por dano moral revela-se essencial para a uniformização da aplicação desses institutos no âmbito das ações indenizatórias.

5 – Conclusão

A jurisprudência consolidada do STJ estabelece critérios claros e objetivos que eliminam as incertezas interpretativas: a correção monetária incide desde a data do arbitramento que fixou o valor definitivo da indenização (súmula 362), enquanto os juros moratórios fluem desde o evento danoso na responsabilidade extracontratual (súmula 54) ou desde a citação na responsabilidade contratual (art. 405 do CC).

É fundamental destacar que a mora ex re não se aplica aos danos morais, tendo em vista que a parte demandada não tem como prever se o Poder Judiciário irá fixar indenização por danos extrapatrimoniais, tampouco o quantum eventualmente arbitrado.

A implementação da lei 14.905/24, ao estabelecer nova metodologia para cálculo da taxa legal de juros, representa avanço significativo na busca por maior racionalidade e responsividade às condições de mercado, contribuindo para a redução da insegurança jurídica que anteriormente caracterizava a aplicação do art. 406 do CC.

Tais orientações proporcionam segurança jurídica e previsibilidade às decisões judiciais, contribuindo para a efetividade da prestação jurisdicional e a adequada reparação dos danos morais.

A observância rigorosa desses marcos temporais pelos(as) operadores(as) do direito constitui medida indispensável para a manutenção da coerência e estabilidade do sistema jurídico, evitando decisões contraditórias e garantindo tratamento uniforme às situações análogas, em consonância com os princípios constitucionais da isonomia e da justa indenização.

OBS: A tabela abaixo resume tudo o que foi exposto neste artigo:


A mora configura-se desde o ato ilícito.

DATA DA CITAÇÃO

Art. 405 do CC: “Contam-se os juros de mora desde a citação inicial.”


A mora constitui-se com a citação.


1 Nesse sentido: “Sendo postergado o pagamento dos honorários periciais para o final da contenda, é imprescindível a atualização monetária de tal verba, como forma de recompor o valor da moeda, corroído pelo processo inflacionário.” (AREsp n. 2.814.261/SP, relator Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, julgado em 26/5/2025, DJEN de 30/5/2025).

2 Súmula 148 do STJ. Os débitos relativos a benefício previdenciário, vencidos e cobrados em juízo após a vigência da Lei n. 6.899/1981, devem ser corrigidos monetariamente na forma prevista nesse diploma legal.

3 Nesse mesmo sentido é o teor do Tema Repetitivo 112 do STJ (aprovado pela Primeira Seção): A taxa de juros moratórios a que se refere o art. 406 do CC/2002 é a taxa referencial do Sistema Especial de Liquidação e Custódia – SELIC. 

4 Art. 5º da lei 14.905/24. Esta lei entra em vigor na data de sua publicação e produzirá efeitos: I – na data de sua publicação, quanto à parte do art. 2º que inclui o § 2º no art. 406 da Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002 (Código Civil); e II – 60 (sessenta) dias após a data de sua publicação, quanto aos demais dispositivos.

5 Nesse sentido: EDcl no AgInt nos EDcl no AREsp n. 1.857.204/PR, relator Ministro Humberto Martins, 3ª turma, julgado em 12/5/2025, DJEN de 15/5/2025.

Autor: Carlos Eduardo Jar e Silva

Fonte: https://www.migalhas.com.br/depeso/440291/marco-temporal-da-correcao-monetaria-e-juros-moratorios-por-dano-moral