A perícia prévia é indispensável para a correta avaliação dos bens em ações de desapropriação, pois viabiliza aferição técnica e isenta do valor da oferta, assegurando o pagamento da indenização justa e prévia, mesmo em casos de alegada urgência.
1 Introdução
O presente trabalho tem por objetivo demonstrar a importância da realização das perícias prévias nas ações de desapropriação, como forma de assegurar a participação dos assistentes técnicos das partes, o exercício do contraditório, da ampla defesa e o atendimento aos princípios da indenização “justa, prévia e em dinheiro“, conforme determina a Constituição da Republica de 1988[1].
Para tanto, será demonstrado que a imissão provisória na posse deve ser condicionada ao depósito do valor apurado em perícia judicial prévia, realizada por técnico isento, nomeado pelo Juízo, adequando-se o montante unilateralmente ofertado pelo expropriante ao atual valor de mercado do bem expropriado.
A desapropriação é procedimento que se desenvolve em duas fases: a declaratória, com a indicação do bem, da necessidade, da utilidade pública ou do interesse social a ser alcançado, seja por lei ou decreto; e a fase executória, com a estimativa da justa indenização e a consolidação da transferência do domínio para o expropriante.
A indenização constitui elemento fundamental do processo expropriatório. Para que seja justa, é necessária a observância do princípio constitucional da justa indenização, devendo o Poder Judiciário se valer dos meios disponíveis para aferir tecnicamente se este princípio está sendo atendido, por meio dos peritos auxiliares do juízo, habilitados e especializados em avaliações, que aferirão o atual valor de mercado do bem. Para que seja prévia, é necessário que o valor inicialmente ofertado pelo expropriante esteja em conformidade com o valor atual de mercado e que tal valor seja depositado à disposição do Juízo, antes da transferência da propriedade ou da imissão provisória do expropriante na posse. Para que seja em dinheiro, o valor da indenização deverá ser pago em moeda corrente ou mediante sua efetiva disponibilidade em conta bancária.
As normas relativas à desapropriação possuem conteúdo material, mas é no conteúdo instrumental que se situam as questões que ensejam o presente estudo, pois regulam a forma dos atos e os procedimentos que devem ser adotados pelo Poder Público, Estado-aparelho e Estado-juiz, nos processos administrativos e no exercício da prestação jurisdicional.
Há, portanto, uma sucessão de práticas concatenadas que devem ser observadas pelo Estado-expropriante e pelo Particular-expropriado para que a desapropriação ocorra em consonância com as normas e princípios vigentes no ordenamento jurídico.
2 Contexto
A expansão dos centros urbanos e o desenvolvimento da infraestrutura têm exigido do Estado maior intervenção na propriedade privada. O adensamento das cidades, associado à crescente implantação de equipamentos públicos, impõem a adoção de procedimentos para aquisição de bens pela Administração, o que, via de regra, se faz por meio da desapropriação, cujo conceito se segue:
Desapropriação é o procedimento de direito público pelo qual o Poder Público transfere para si a propriedade de terceiro, por razões de utilidade pública ou de interesse social, normalmente mediante o pagamento de indenização.[2]
Desapropriação é um procedimento administrativo em que o Poder Público adquire a propriedade do particular de forma compulsória, para fins de interesse público, atingindo-se assim a faculdade que tem o proprietário de dispor da coisa segundo sua vontade, afetando o caráter perpétuo e irrevogável do direito de propriedade com a conseqüente indenização.[3]
Nesse contexto de crescimento e da crescente necessidade do Poder Público por bens, os processos de desapropriação têm exigido dos operadores do Direito a mais adequada aplicação da Lei e dos princípios, notadamente por parte do Poder Publico. Assim, espera-se mitigar as divergências naturalmente decorrentes das intervenções do Estado sobre o patrimônio privado.
3 PREVISÃO LEGAL E PROCEDIMENTO
Como já visto, o estudo da desapropriação pressupõe a análise do direito de propriedade, que está previsto na Constituição Federal, em seu art. 5o, incisos XXII[4] e LIV[5]. O texto constitucional o menciona tanto no caput, quanto em seus incisos, não deixando dúvida da importância dada ao tema pelo legislador constituinte. Tudo sem prejuízo das normas infraconstitucionais, por exemplo, o art. 1.228 do Código Civil, que relaciona os chamados poderes proprietários, quais sejam, usar, gozar, dispor e reivindicar.
Apesar da importância dedicada ao direito de propriedade, a desapropriação é instituto que relativiza suas características essenciais, pois sobrepõe o interesse público ao privado, suprimindo-as.
A desapropriação está prevista na Constituição da República de 1988:
Artigo 5º…
XXIV – a lei estabelecerá o procedimento para desapropriação por necessidade ou utilidade pública, ou por interesse social, mediante justa e prévia indenização em dinheiro, ressalvados os casos previstos nesta Constituição;
O dispositivo consagra a supremacia do interesse público sobre o privado e eleva o expropriante à superioridade em relação ao expropriado, não sendo justo que, além das prerrogativas só ao Estado conferidas, seja o particular compelido à perda de seu patrimônio, sem que lhe seja assegurada a justa retribuição, de forma prévia, que lhe permita da maneira menos gravosa reconstruir seu estado anterior à imposição estatal.
A propósito, vale rememorar que o procedimento de desapropriação se inicia com a fase administrativa, na qual ocorrem os atos preparatórios para a intervenção na propriedade privada, com o decreto expropriatório, que declara o bem de utilidade pública ou de interesse social. Prossegue com o detalhamento dos bens, sua avaliação e com o convite ao expropriado para tentativa de composição amigável. Não sendo possível a composição, necessário será o ajuizamento da ação de desapropriação.
Desse modo, o expropriante rotineiramente realiza a avaliação dos bens, amparado por documentos técnicos elaborados para o procedimento administrativo e, em caso de insucesso na negociação com o particular, os utiliza para embasar a respectiva ação judicial.
Disso decorre que o expropriante possui condições de instruir sua petição inicial com o cadastro técnico ou documento similar, peça técnica elaborada com o objetivo de delimitar e descrever os bens desapropriados, bem como para atribuir-lhes valor.
Esse fato, por si só, configura mais uma vantagem do expropriante, pois o processo judicial se inicia com a oferta acostada à petição inicial, amparada por profissionais do corpo técnico do expropriante ou por ele contratados para esse fim.
Isso não assegura, necessariamente, que os valores da oferta serão adequados aos de mercado, pois, sob a ótica do contraditório e da ampla defesa, fica fácil constatar que o particular-expropriado não disporá, salvo raras exceções, de corpo técnico pré-constituído para se contrapor ao laudo unilateralmente elaborado pelo expropriante.
Não bastasse, os entes expropriantes acabam se sobressaindo ainda mais, pois tornam-se verdadeiras figuras de mercado, conhecidas e conhecedoras dos trâmites e dos envolvidos, face à sua ostensiva presença, notadamente em obras de grande porte, que envolvem inúmeros imóveis e procedimentos.
A determinação de realização de perícia prévia é o meio de que dispõe o Magistrado de fazer aferir, por profissional isento, qual é o valor atual de mercado, adequado à oferta, hábil a autorizar até mesmo a eventual imissão provisória na posse requerida pelo expropriante.
É por ocasião da perícia prévia que as partes poderão indicar seus assistentes técnicos e formular quesitos, exercitando, com efetividade, o devido processo legal, o contraditório e a ampla defesa, permitindo que o expropriado discuta, em condições de igualdade, os trabalhos iniciados unilateralmente pelo expropriante.
Nas palavras de Francisco Maia Neto:
O assistente técnico é o auxiliar da parte, aquele que tem por obrigação concordar, criticar ou complementar o laudo do perito, por meio de seu parecer, cabendo ao juiz, pelo princípio do livre convencimento, analisar seus argumentos, podendo fundamentar sua decisão em seu trabalho técnico.[6]
Assim, destaca-se a necessidade da atuação do perito judicial e dos assistentes técnicos na apuração do valor da indenização perquirido como justo pelo juízo.
Conforme determina o texto constitucional, a indenização deve ser justa, prévia e em dinheiro. Indenização justa é aquela que corresponde ao atual valor de mercado do bem expropriado, ou seja, a importância que assegura ao expropriado a recomposição de seu patrimônio, sem qualquer prejuízo. Indenização prévia é aquela anterior à transferência da propriedade do bem ou da imissão provisória na posse e, portanto, aquela que coloque o expropriado em situação de se recompor, mitigando os já nefastos resultados da indisponibilidade de seus bens. Por fim, a indenização em dinheiro é aquela feita em moeda corrente, normalmente depositada em conta à disposição do juízo.
3.1 Da Imissão Provisória na Posse
Como já visto, a desapropriação consubstancia, de modo rigoroso, a supremacia do interesse público sobre o privado, pois suprime do particular o poder potestativo de usar, gozar e dispor de seus bens, tendo como única contrapartida o pagamento de indenização. Não bastasse, há casos em que a indenização se afigura inferior ao valor atual de mercado e é pago mediante emissão de títulos públicos, chamados precatórios.
Em casos de alegada urgência, conforme previsão do art. 15 do Decreto-Lei 3.365/41, esse rigor se destaca, tendo em vista que poderá o expropriante requerer a imissão provisória na posse, mediante depósito da “quantia arbitrada“.
Art. 15. Se o expropriante alegar urgência e depositar quantia arbitrada de conformidade com o art. 685 do Código de Processo Civil, o juiz mandará imiti-lo provisoriamente na posse dos bens;
§ 1º A imissão provisória poderá ser feita, independente da citação do réu, mediante o depósito:
a) do preço oferecido, se êste fôr superior a 20 (vinte) vêzes o valor locativo, caso o imóvel esteja sujeito ao impôsto predial;
b) da quantia correspondente a 20 (vinte) vêzes o valor locativo, estando o imóvel sujeito ao impôsto predial e sendo menor o preço oferecido;
c) do valor cadastral do imóvel, para fins de lançamento do impôsto territorial, urbano ou rural, caso o referido valor tenha sido atualizado no ano fiscal imediatamente anterior;
d) não tendo havido a atualização a que se refere o inciso c, o juiz fixará independente de avaliação, a importância do depósito, tendo em vista a época em que houver sido fixado originalmente o valor cadastral e a valorização ou desvalorização posterior do imóvel.
É necessário que se tenha a devida cautela para não sujeitar o particular, ainda mais, aos já pesados efeitos da supremacia do interesse público sobre o privado.
Especificamente no que concerne aos imóveis residenciais urbanos, o Decreto 1.075/70, em art. 1º estabelece, in verbis:
Art. 1º – Na desapropriação por utilidade pública de prédio urbano residencial, o expropriante, baseado urgência, poderá imitir-se provisoriamente na posse do bem, mediante o depósito do preço oferecido, se este não for impugnado pelo expropriado em cinco dias da intimação da oferta.
Esse dispositivo revela a preocupação do legislador com o direito à moradia e a dignidade da pessoa humana, na medida em que assegura a possibilidade de impugnação do preço oferecido pelo expropriado e reforça a tese de que é necessária a realização de perícia judicial prévia em ações de desapropriação, inclusive quando for alegada urgência para pedido de imissão provisória na posse. José dos Santos Carvalho Filho, esclarece o tema em questão, vejamos:
A despeito de a imissão na posse não representar ainda a transferência de domínio do bem sujeito à desapropriação, é inegável que, mesmo sendo provisória, seus efeitos são severos para com o proprietário. Na prática, a imissão na posse provoca o total impedimento para que o proprietário volte a usufruir a propriedade, ou seja, sob visão de ordem prática, o que há realmente é a perda da propriedade. Por isso mes mo, têm sido excluídas algumas obrigações atribuídas ao proprietário. Em relação à incidência tributária, já decidiu o STJ que “o proprietário de imóvel expropriado para fins de utilidade pública tão somente é responsável pelos impostos, inclusive o IPTU, até o deferimento e efetivação da imissão da posse provisória. [7]
Portanto, “o depósito prévio deve corresponder, já na avaliação prévia, a um montante mais aproximado ao valor real do bem”[8]. Isto porque, como visto, o antigo proprietário será alijado de seus bens, não podendo deles usufruir, sendo comum, por exemplo, a demolição dos bens imóveis, fato que, sem qualquer dúvida, consuma a total impossibilidade de uso pelo expropriado.
A questão da imissão provisória não é recente e desafia juristas e Tribunais há anos. O Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo chegou a sumular a necessidade de realização de perícia prévia, como condição para imissão provisória na posse:
Súmula 30: Cabível sempre avaliação judicial prévia para imissão na posse nas desapropriações.
No mesmo sentido, sumulou o Tribunal de Justiça do Estado do Paraná:
Súmula 28: Nas desapropriações por utilidade pública, não obstante o contido no artigo 15, § 1º, do Decreto-Lei nº 3.365/41, exige-se a avaliação judicial prévia ao deferimento na imissão provisória da posse do imóvel.”
Referidas súmulas têm impacto nas decisões daqueles Tribunais, que se fundam também em jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça:
AGRAVO DE INSTRUMENTO.DESAPROPRIAÇÃO. IMISSÃO PROVISÓRIA NA POSSE. DECISÃO QUE DETERMINOU A IMISSÃO NA POSSE BASEANDO-SE NA AVALIAÇÃO REALIZADA PELO EXPROPRIANTE. AVALIAÇÃO UNILATERAL. IMPOSSIBILIDADE. PRÉVIA E JUSTA INDENIZAÇÃO. GARANTIA CONSTITUCIONAL. VALOR DO DEPÓSITO DEVE SER ENCONTRADO PELO AVALIADOR OU PERITO JUDICIAL. ORIENTAÇÃO DA SÚMULA Nº 28 DESTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA E DA JURISPRUDÊNCIA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. AGRAVO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO. Este Tribunal e o Superior Tribunal de Justiça fixaram entendimento no sentido de que é necessária avaliação prévia judicial para deferimento de imissão de posse em desapropriação, em respeito ao Princípio Constitucional da Justa Indenização.Assim sendo, o valor a ser depositado deve der encontrado por perito judicial, não sendo suficiente a avaliação prévia e unilateral realizada pelo ente público.
(TJ-PR – Ação Civil de Improbidade Administrativa 10000823 PR 1000082-3 (Acórdão) (TJ-PR). Data de publicação: 07/05/2013)
E também o TJSP:
DESAPROPRIAÇÃO. Razoável condicionar imissão na posse do imóvel expropriado à realização de avaliação prévia por perito, conforme segura orientação jurisprudencial (Enunciado CADIP nº 06, DOE de 06.07.09). Necessária previa e justa indenização por meio de laudo provisório. Recurso não provido.
(TJ-SP – Agravo de Instrumento AI 990103928970 SP (TJ-SP) Data de publicação: 07/12/2010)
Os acórdãos a seguir, proferidos pelo STJ, são unânimes no sentido de reconhecer que a imissão na posse do expropriante somente poderá ocorrer após o depósito prévio do valor encontrado em avaliação judicial realizada por perito da confiança do juízo, senão vejamos:
ADMINISTRATIVO. RECURSO ESPECIAL. DESAPROPRIAÇÃO. IMISSÃO PROVISÓRIA NA POSSE. AVALIAÇÃO PRÉVIA. AUSÊNCIA DE VIOLAÇÃO DO ART. 15 DO DECRETO-LEI N. 3.365/41. PRECEDENTES.
1. O Superior Tribunal de Justiça firmou o entendimento de que a imissão provisória em imóvel expropriando somente é possível mediante prévio depósito do valor apurado em avaliação judicial provisória, não havendo de ser substituída por mera avaliação efetuada por entidade particular. Ausência de violação do art. 15 do Decreto-Lei n. 3.365/41. 2. Recurso especial conhecido e não-provido.
(REsp 181407/SP, Rel. Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, SEGUNDA TURMA, julgado em 15/02/2005, DJ 25/04/2005, p. 256. destacamos.)
Desapropriação, imissão provisória na posse, avaliação prévia. Decreto-lei NUM. 3.365/41, ART.15, PAR.1. I- conforme a jurisprudência desta colenda corte, a imissão provisória em imóvel expropriado somente é possível mediante prévio depósito de valor apurado em avaliação judicial provisória. Precedentes, II- Recurso especial conhecido e provido.
(RESP 97057/MG – Recurso Especial 1995/0034253-9, Relator (a) Ministro José De Jesus Filho (1040), Órgão julgador T1-primeira turma, Data do julgamento 17/10/1996, Data da publicação /fonte 18/11/1996 p. 44850. destacamos.).
Administrativo – Desapropriação – Imissão definitiva na posse – Depósito prévio integral – indenização previa e justa – Decreto-lei 3.365, ART.15,”CAPUT” e Parágrafo 1- Em atendimento ao principio constitucional da justa e previa indenização, na desapropriação a imissão provisória na posse do bem será concedida, face a alegação de urgência, mediante deposito integral do valor apurado em avaliação judicial provisória. – O juiz não está obrigado a conceder a imissão provisória na posse do bem expropriado em condições outras que não aquela prescrita no CAPUT do referido artigo, constituindo alternativa legal deferida ao magistrado a concessão nos termos prescritos no parágrafo primeiro.
(PROCESSO RESP 76466/SP, RECURSO ESPECIAL 1995/0051121-5, RELATOR (a) MIN: Peçanha Martins (1994), Órgão Julgador T2- Segunda turma DATA DO JULGAMENTO 06/05/1996, Data da Publicação/Fonte DJ 17/06/1996 P. 21477. destacamos).
RECURSO ESPECIAL. REPETITIVO. ART. 543-C DO CPC. DESAPROPRIAÇÃO. IMISSÃO PROVISÓRIA NA POSSE. DEPÓSITO JUDICIAL. VALOR FIXADO PELO MUNICÍPIO OU VALOR CADASTRAL DO IMÓVEL (IMPOSTO TERRITORIAL URBANO OU RURAL) OU VALOR FIXADO EM PERÍCIA JUDICIAL. – Diante do que dispõe o art. 15, § 1º, alíneas “a“, “b“, “c” e “d“, do Decreto-Lei n. 3.365/1941, o depósito judicial do valor simplesmente apurado pelo corpo técnico do ente público, sendo inferior ao valor arbitrado por perito judicial e ao valor cadastral do imóvel, não viabiliza a imissão provisória na posse. – O valor cadastral do imóvel, vinculado ao imposto territorial rural ou urbano, somente pode ser adotado para satisfazer o requisito do depósito judicial se tiver “sido atualizado no ano fiscal imediatamente anterior” (art. 15, § 1º, alínea “c“, do Decreto-Lei n. 3.365/1941). – Ausente a efetiva atualização ou a demonstração de que o valor cadastral do imóvel foi atualizado no ano fiscal imediatamente anterior à imissão provisória na posse, “o juiz fixará independente de avaliação, a importância do depósito, tendo em vista a época em que houver sido fixado originalmente o valor cadastral e a valorização ou desvalorização posterior do imóvel” (art. 15, § 1º, alínea “d“, do Decreto-Lei n. 3.365/1941). – Revela-se necessário, no caso em debate, para efeito de viabilizar a imissão provisória na posse, que a municipalidade deposite o valor já obtido na perícia judicial provisória, na qual se buscou alcançar o valor mais atual do imóvel objeto da apropriação.
(Resp 1185583/SP – Recurso Especial 2009/0227457-0, Rel. Ministro Benedito Gonçalves, Órgão Julgador S1 – Primeira Seção, Data do Julgamento 27/06/2012, Data da Publicação 23/08/2012. destacamos).
Segundo José dos Santos Carvalho Filho, o direito das partes de produzirem provas tem fundamento constitucional e se aplica também às ações de desapropriação. Desse modo, é cabível que as partes se valham das provas que entenderem idôneas para dar sustento às alegações que fazem no processo.
A prova é o instrumento de que se valem as partes para justificar as razões que apresentam no curso do processo. É com base nela que o juiz dirime a controvérsia e decide a causa.
Cuida-se de inafastável direito das partes no processo. O princípio geral pertinente reside em que “todos os meios legais, bem como os moralmente legítimos“, ainda que não previstos no CPC, “são hábeis para provar a verdade dos fatos, em que se funda a ação ou a defesa“.
Esse princípio da produção probatória pelas partes, que, aliás, está alojado na Constituição (art. 5o, LV) e se insere no âmbito do próprio direito à ampla defesa e ao contraditório, não poderia estar descartado da ação de desapropriação. Desse modo, é cabível nesta ação que as partes utilizem as provas que entenderem idôneas a dar sustento às alegações que fazem no processo. [9]
Com destaque à já citada necessidade de respeito ao contraditório e à ampla defesa, que permita a impugnação do laudo do expropriante pelo expropriado, por meio de seu assistente técnico, o Superior Tribunal de Justiça – STJ também já se posicionou:
Não é possível a imissão provisória de posse de imóvel desapropriado, sem a realização prévia de avaliação judicial, no caso de desapropriação de imóvel residencial urbano, habitado pelo proprietário ou compromissário comprador, cuja promessa de compra esteja devidamente inscrita no Registro de Imóvel, se houver impugnação do valor ofertado a título de depósito, nos termos dos artigos 2º e 6º do Decreto-lei 1.075/1970.
Discutindo-se o valor com a apresentação de laudo de avaliação por assistente técnico, a avaliação unilateral feita pelo Estado fica prejudicada, eis que, com a inserção da expropriada na lide, há que se respeitar o contraditório e ampla defesa, tornando-se a coisa litigiosa quanto ao seu valor.
Nesse sentido, ao despachar a petição inicial, deverá o Juiz determinar a realização de perícia prévia e intimação das partes para que indiquem assistentes técnicos e apresentem quesitos, nos termos do Art. 421 do CPC e Art. 23 do Decreto-Lei 3.365/41, estabelecendo a relação processual, o contraditório e a ampla defesa, inclusive quanto à matéria técnica, relativa à avaliação dos bens objeto da desapropriação.
Note-se que a interpretação do disposto no artigo 15, § 1º, do Decreto-Lei nº 3.365/41, deverá se orientar pelos princípios contidos na Constituição da República, não somente no tocante ao regramento das desapropriações, mas também sob o prisma do devido processo legal.
Tanto é assim que a hermenêutica do citado dispositivo encontra espaço para divergências, até mesmo quanto à Súmula 652 do Supremo Tribunal Federal[10], que o julgou recepcionado, sem, com isso, ofender a autoridade daquela Corte Constitucional.
Prova disso é que, em recente julgado, datado de 1o de setembro de 2014, o próprio STF reconheceu, em Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental, ADPF 249, manejada pelo Governador do Estado de São Paulo, que a interpretação dada por outros Tribunais da Federação, no sentido de se determinar a imissão provisória na posse condicionada à realização de perícia judicial prévia, não afronta o disposto em Súmula daquela Corte, nem caracteriza cenário de insegurança jurídica, representando, de outro lado, exercício regular da autonomia das demais Côrtes, enquanto o STF não prolatar decisão a respeito, com força vinculante, conforme manifestação do Ministério Público Federal, citada pelo Ministro Relator em seu voto:
13. Como salientado pela decisão ora agravada, não se caracteriza o cenário de insegurança jurídica descrito na inicial.
14. Com a edição da Súmula no 652 do STF, afastou-se qualquer incerteza jurídica quanto à recepção do § 1o do art. 15 do Decreto-Lei no 3.365/41 pela Constituição Federal de 1988.
15. Por constar em súmula, esse entendimento não vincula formalmente os demais tribunais e juízos monocráticos, que podem decidir de forma diversa. A divergência entre as interpretações de determinados órgãos julgadores e as do STF não configura estado de insegurança jurídica. Pelo contrário, representa a autonomia decisória dos magistrados perante a Suprema Corte, nos casos em que essa não tenha produzido decisão sobre a mesma matéria com efeitos ‘erga omnes’ e vinculante.[11]
Desse modo, a imissão provisória na posse e seus requisitos ainda é tema controverso, exigindo interpretação lógico-sistemática, para que o operador jurídico não se limite à literalidade do Art. 15, § 1º, do Decreto-Lei nº 3.365/41.
Em recente decisão, o TJMG enfrentou a questão, afastando a aplicabilidade literal do citado dispositivo:
AGRAVO DE INSTRUMENTO. DESAPROPRIAÇÃO. IMISSÃO NA POSSE. AVALIAÇÃO PRÉVIA. JUSTO VALOR DA INDENIZAÇÃO. NECESSIDADE.
A jurisprudência do STJ é reiterada no sentido de que a imissão provisória na posse só será concedida mediante avaliação prévia, na qual se estabelecerá justo valor ao bem, afastando a norma de regência, qual seja o art. 15, do Decreto Lei 3365/41.
(Agravo de Instrumento Cv Nº 1.0079.13.033624-5/001. Rel. Des. JUDIMAR BIBER. Publicado em 04/06/14. Destacamos.).
Em mesmo sentido, o STJ:
ADMINISTRATIVO. RECURSO ESPECIAL. DESAPROPRIAÇÃO. IMISSÃO PROVISÓRIA NA POSSE. AVALIAÇÃO PRÉVIA. AUSÊNCIA DE VIOLAÇÃO DO ART. 15 DO DECRETO-LEI N. 3.365/41. PRECEDENTES.
1. O Superior Tribunal de Justiça firmou o entendimento de que a imissão provisória em imóvel expropriando somente é possível mediante prévio depósito do valor apurado em avaliação judicial provisória, não havendo de ser substituída por mera avaliação efetuada por entidade particular. Ausência de violação do art. 15 do Decreto-Lei n. 3.365/41.
2. Recurso especial conhecido e não-provido.
(REsp 181407/SP, Rel. Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, SEGUNDA TURMA, julgado em 15/02/2005, DJ 25/04/2005, p. 256)
Conclui-se que, apesar de haver entendimento no sentido de que a imissão provisória na posse não constitui perda da propriedade, há de fato a supressão de todas as qualidades de dono, conforme ensinamentos do Professor e Doutrinador José dos Santos Carvalho Filho:
A despeito de a imissão na posse não representar ainda a transferência de domínio do bem sujeito à desapropriação, é inegável que, mesmo sendo provisória, seus efeitos são severos para com o proprietário. Na prática, a imissão na posse provoca o total impedimento para que o proprietário volte a usufruir a propriedade, ou seja, sob visão de ordem prática, o que há realmente é a perda da propriedade. [12]
Por esta razão, o mesmo doutrinador registra a necessidade de realização de perícia judicial prévia, de forma independente daquela realizada pelo expropriante, em interpretação que chega a relativizar os critérios de avaliação previstos no parágrafo primeiro do Art. 15 do Decreto Lei 3.365/41:
Além da urgência, constitui também pressuposto da imissão provisória na posse o depósito arbitrado pelo juiz após instrução sumária processada inicialmente. A lei expropriatória estabelecia vários critérios para a fixação desse depósito prévio, como o valor locativo, o valor fixado para efeito do imposto predial e territorial etc. (art. 15, § 1o). Como esses valores sempre resultam em montante muito inferior ao valor real do bem a ser desapropriado, os Tribunais, a nosso ver com razão, passaram a considerar que esse dispositivo não foi acolhido pela vigente Constituição, e diante desse entendimento passou a ser exigido que o depósito prévio correspondesse, já na avaliação prévia, a um montante mais próximo ao valor real do bem. Por isso, parece justo que a avaliação se faça pela perícia do juízo, independentemente da realizada pelo expropriante.[13]
Ainda sobre a questão da indenização, é preciso destacar dois pontos cruciais para que se respeitem os princípios constitucionais da desapropriação. O primeiro relativo à justa retribuição pelo bem expropriado, ou seja, ao valor a ser pago pelo bem, e, o segundo, relativo à forma e ao momento do pagamento. Segundo as lições do Professor José dos Santos Carvalho Filho:
O quantum indenizatório normalmente se compõe de duas parcelas: uma, a que já foi objeto de depósito judicial, quando o expropriante foi imitido provisoriamente na posse do bem; outra, a parcela complementar, que corresponde à diferença entre o valor que a sentença fixou, com os devidos acréscimos, e a parcela depositada. A primeira pode ser paga ao expropriado por alvará judicial, mas a segunda o expropriado só poderá receber depois de proposta a ação de execução, na forma do art. 730 do CPC, e observado o sistema de precatórios judiciais previsto no art. 100 da CF.[14]
Desse modo, fica evidente que a imissão provisória na posse, condicionada ao depósito do valor atual de mercado, obtido em perícia judicial prévia, é a forma de se garantir que a indenização será paga em dinheiro, por alvará, e não mediante os famigerados precatórios, em sistema reconhecidamente falido e moroso.
4. Conclusão
A interpretação do Decreto-Lei 3.365/41 deve ser realizada em consonância com os princípios constitucionais, assegurando o contraditório, a ampla defesa e o devido processo legal, além dos princípios inerentes à desapropriação, mediante indenização justa, prévia e em dinheiro.
Conclui-se que, nas ações de desapropriação, é imprescindível a realização de perícia judicial prévia como forma de:
- Garantir a igualdade entre os litigantes e exercício do contraditório e da ampla defesa;
- Assegurar que as partes poderão indicar assistentes técnicos e formular quesitos para a correta avaliação dos bens expropriados;
- Viabilizar a avaliação dos bens expropriados, por meio de profissional isento e técnico;
- Permitir ao juízo condicionar a imissão provisória na posse ao depósito do montante do valor atual de mercado do bem, conforme apurado tecnicamente;
- Preservar o direito do expropriado ao recebimento da indenização em dinheiro, por depósito do valor apurado em perícia prévia;
- Evitar o pagamento das diferenças eventualmente apuradas no curso da lide, mediante emissão de precatórios, sistema moroso que não se coaduna com os princípios da desapropriação;
- Mitigar os prejuízos decorrentes da indisponibilidade dos bens imitidos provisoriamente na posse do expropriante, durante a tramitação do processo judicial.
Há, portanto, condições legais para que a intervenção do Estado na propriedade privada ocorra de forma menos gravosa e mais harmoniosa face ao ordenamento jurídico pátrio e aos direitos dos administrados, bastando que sejam atendidos os princípios e procedimentos declinados neste estudo.
Notas
[1] BRASIL. 1988.
[2] Carvalho Filho, José dos Santos Manual de direito administrativo I José dos Santos Carvalho Filho. – 27. ed. rev., ampl. e atual. até 31-12-2013.- São Paulo :Atlas, 2014. p. 877.
[3] Marinela , Fernanda . Direito administrativo / Fernanda Marinela . — 4. ed. – Niterói: Impetus , 2011). p. 817.
[4] Art. 5º, XXII – é garantido o direito de propriedade;
[5] Art. 5º, LIV – ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal; (grifo nosso).
[6] Disponível em http://www.ibapepr.org.br/?p=135 Acesso em 10 mar. 2015.
[7] Carvalho Filho, José dos Santos Manual de direito administrativo I José dos Santos Carvalho Filho. – 27. ed. rev., ampl. e atual. até 31-12-2013.- São Paulo :Atlas, 2014. p. 858.
[8] STJ, Resp. n. 35.825, 2º Turma. Rel. Mi. José de Jesus; TJ-RJ (MS n. 988/93, 5º Câmara Cível, Rel. Des. Humberto M. Manes).
[9] Carvalho Filho, José dos Santos Manual de direito administrativo I José dos Santos Carvalho Filho. – 27. ed. rev., ampl. e atual. até 31-12-2013.- São Paulo :Atlas, 2014. p. 862.
[10] “NÃO CONTRARIA A CONSTITUIÇÃO O ART. 15, § 1º, DO DECRETO-LEI 3365/1941.”
[11] STF. AG.REG. NA ARGUIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL 249. RELATOR : MIN. CELSO DE MELLO. DATA DE PUBLICAÇÃO DJE 01/09/2014 – ATA Nº 118/2014. DJE nº 168, divulgado em 29/08/2014.
[12] Carvalho Filho, José dos Santos Manual de direito administrativo I José dos Santos Carvalho Filho. – 22. ed.São Paulo: Atlas, 2009. p. 801.
[13] Carvalho Filho, José dos Santos Manual de direito administrativo I José dos Santos Carvalho Filho. – 27. ed. rev., ampl. e atual. até 31-12-2013.- São Paulo :Atlas, 2014. p. 860.
[14] Carvalho Filho, José dos Santos Manual de direito administrativo I José dos Santos Carvalho Filho. – 22. ed.São Paulo: Atlas, 2009. p. 809.
Autor: Gustavo Choairy
Fonte: www.jus.com.br