Gilberto Melo

A imprescindível memória discriminada e atualizada de cálculo na execução

* Gilberto Melo
 

O princípio do contraditório exige que os pedidos sejam explícitos para que a parte contrária tenha plenas condições de se defender. Quando se fala de execução ou cumprimento de sentença, além do pedido é necessária a juntada de um cálculo analítico que contenha a clara explicitação dos parâmetros de correção monetária, juros e demais rubricas, de modo a permitir o entendimento direto pelo homem médio, sem a necessidade de inferências ou deduções. O acórdão no REsp-1262401 BA (2011/0147120-0) extinguiu uma execução de 248 milhões de Reais asseverando que a ausência de demonstrativo do débito, ou a sua insuficiência, pois não comprovado de forma pormenorizada a evolução do valor, com os índices e critérios atualizados, afronta o art. 614, II, do CPC (e analógicamente o art. 475-B, que trata do cumprimento de sentença), pois impede a adequada defesa da executada. Se o credor não aponta “o principal, os juros – taxa e fórmula de cálculo –, a correção monetária – índice e base de cálculo –, a cláusula penal, de modo discriminado e analítico” (Araken de Assis. Manual da Execução. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007, p. 288) não será possível o controle pelo embargante desses dados, os elementos formadores do débito. 

Diz, ainda, Araken de Assis: 

Fundando-se a execução em título judicial, cujo valor talvez se apure através de simples operações aritméticas, reza o art. 475-B, caput, que o credor a requererá, instruindo a inicial “com memória discriminada e atualizada do cálculo”. Correlatamente, o art. 614, II, mercê da redação determinada pela Lei 8.953/1994, fundando-se a execução em título extrajudicial, exige “demonstrativo do débito atualizado até a data da propositura da ação”, e tal exigencia, mediante remissão explícita do art. 475-J, caput, aplica-se ao “cumprimento” da sentença. Desaparecida a liquidação por cálculo do contador, substituída pelo cálculo do credor, as normas apresentam sentido unívoco, cabendo ao credor, doravante, instruir a inicial com memória de cálculo. (…) Evidentemente, não bastará o demonstrativo sumário, consignando o valor do principal e dos respectivos acessórios. É necessário que o credor explicite os elementos e criterios empregados para atingir tal montante (p. ex., a taxa de juros e a forma de capitalização, indíce de correção monetária aplicado a sua base de cálculo). Isso permitirá ao devedor controlar a exatidão da quantia executada e controvêrte-la, se for o caso (retro, 58, 1.4). (Manual da Execução. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007, p. 433)” 

O parágrafo único da MP 2170-36, que permitiu às instituições financeiras capitalizar os juros em periodicidade inferior à anual, prevê condições em seu parágrafo único que contrariam o que consta do CPC,  verbis “sempre que necessário ou solicitado pelo devedor”: 

Art. 5° Nas operações realizadas pelas instituições integrantes do Sistema Financeira Nacional, é admissível a capitalização de juros com periodicidade inferior a um ano. 

Parágrafo único. Sempre que necessário ou quando solicitado pelo devedor, a apuração do valor exato da obrigação, ou de seu saldo devedor, será feita por planilha de cálculo que evidencie de modo claro, preciso e de fácil entendimento e compreensão, o valor principal da dívida, seus encargos e despesas contratuais, a parcela de juros e os critérios de sua incidência, a parcela correspondente a multas e demais penalidades contratuais.”

Por fim, a seguinte previsão do art. 475-B do CPC socorre o devedor, caso não sejam cumpridas as exigências quanto à discriminação e atualização do cálculo: 

§ 2o Se os dados não forem, injustificadamente, apresentados pelo devedor, reputar-se-ão corretos os cálculos apresentados pelo credor, e, se não o forem pelo terceiro, configurar-se-á a situação prevista no art. 362. (Incluído pela Lei nº 11.232, de 2005)” 

Comentário de Gilberto Melo

Este artigo foi escrito em 2012, mas com o advento do CPC 2015 foi mais enfatizada e detalhada a necessidade da memória discriminada e atualizada de cálculo e a informação dos parâmetros de cálculo utilizados. O artigo 475-J do CPC 1973 tem como equivalente o artigo 523 do CPC 2015. Já o artigo 614 do CPC 1973 tem como equivalentes os artigos 524, 534 e 798 do CPC 2015. Esses artigos desenvolvem melhor o que deve constar da petição inicial do cumprimento de sentença e execução.

Este é o texto do artigo 524 (cumprimento de sentença entre particulares) que se refere aos parâmetros necessários para a propositura da ação e que, logicamente, devem constar das notas explicativas no cálculo. O texto é repetido nos artigos 534 (cumprimento de sentença contra a Fazenda Pública) e 798 (execuções em geral):

Art. 524. O requerimento previsto no art. 523 será instruído com demonstrativo discriminado e atualizado do crédito, devendo a petição conter:
I – o nome completo, o número de inscrição no Cadastro de Pessoas Físicas ou no Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica do exequente e do executado, observado o disposto no art. 319, §§ 1º a 3º ;
II – o índice de correção monetária adotado;
III – os juros aplicados e as respectivas taxas;
IV – o termo inicial e o termo final dos juros e da correção monetária utilizados;
V – a periodicidade da capitalização dos juros, se for o caso;
VI – especificação dos eventuais descontos obrigatórios realizados;
VII – indicação dos bens passíveis de penhora, sempre que possível.
§ 1º Quando o valor apontado no demonstrativo aparentemente exceder os limites da condenação, a execução será iniciada pelo valor pretendido, mas a penhora terá por base a importância que o juiz entender adequada.
§ 2º Para a verificação dos cálculos, o juiz poderá valer-se de contabilista do juízo, que terá o prazo máximo de 30 (trinta) dias para efetuá-la, exceto se outro lhe for determinado.
§ 3º Quando a elaboração do demonstrativo depender de dados em poder de terceiros ou do executado, o juiz poderá requisitá-los, sob cominação do crime de desobediência.
§ 4º Quando a complementação do demonstrativo depender de dados adicionais em poder do executado, o juiz poderá, a requerimento do exequente, requisitá-los, fixando prazo de até 30 (trinta) dias para o cumprimento da diligência.
§ 5º Se os dados adicionais a que se refere o § 4º não forem apresentados pelo executado, sem justificativa, no prazo designado, reputar-se-ão corretos os cálculos apresentados pelo exequente apenas com base nos dados de que dispõe.”

* O Autor é parecerista jurídico-econômico-financeiro, especialista em liquidação de sentença e cálculos judiciais, extrajudiciais e de precatórios, propositor da tabela uniforme de fatores de atualização monetária para a Justiça Estadual aprovada no 11º ENCOGE, engenheiro, advogado e pós-graduado em contabilidade, com site em www.gilbertomelo.com.br.