Via de regra a decisão que concede a renovação de um contrato de locação é posterior ao vencimento do contrato renovando, assim como o laudo pericial que dá subsídios para a determinação do novo aluguel a vigorar a partir do mês da renovação. Surge aí a questão matemática: Se uma sentença determina, por exemplo, um novo aluguel de Cr$ 250.000,00, referente ao valor do mercado encontrado pelo laudo pericial para o mês de maio de 1990 e o mês da renovação é novembro de 1986, como proceder à apuração das diferenças em favor do locador?
2. Atualização e retroação
É sabido que o dinheiro tem valor no tempo. As variações do dinheiro no tempo ocorrem pela agregação de correção monetária (reflexo da inflação), da remuneração do capital (juros compensatórios) ou de mora (juros moratórios). Por isto não se pode tratar valores diferentes em bases temporais diferentes, sob pena de falsear, principalmente em economias altamente inflacionárias, o resultado da apuração de diferenças.
O fim precípuo da aplicação de correção monetária é manter, dentro do possível, o poder aquisitivo da obrigação que se projeta para o futuro. Da mesma forma, se temos uma importância em determinado momento e a projetamos no passado é necessário que a deflacionemos, de maneira que aquela quantia tenha, na data mais remota, a mesma capacidade de compra que teria na data mais recente.
Portanto, se para atualizar um valor temos que multiplicá-lo por um fator de atualização, para deflacioná-lo temos que dividi-lo pelo fator de atualização. O exemplo a seguir é propositalmente simples com o objetivo de deixar bem clara a matéria:
3. Conversão de valores monetários em diferentes momentos e moedas
Há que se frisar, então, que é matematicamente inaceitável que se tome o valor mais recente e o projete no passado, sem deflacioná-lo, o que leva invariavelmente ao enriquecimento sem causa por parte do locador.
Não se concebe, também, que se faça somente a conversão pela simples retirada de zeros determinada pelas mudanças de padrão monetário ocorridas nos sucessivos planos econômicos do Governo Federal. A conversão para o padrão monetário correspondente à data histórica é fundamental para a adequação à moeda de curso legal na época, mas não pode ser aplicada isoladamente, sem a dedução da inflação ocorrida no período.
4. O caso específico da renovatória
Retornando à questão da renovatória, o procedimento recomendado para apuração das diferenças de aluguéis mês a mês é:
• Retroagir (deflacionar) o aluguel arbitrado na decisão desde a sua data-base (data do laudo ou data da decisão) até o mês da renovação.
• Encontrado o valor do aluguel válido para o primeiro mês do contrato, montar a sua evolução mês a mês, reajustando-o na periodicidade e com o índice de reajuste contratual (ou determinado na decisão).
• Deduzir, mês a mês, os valores pagos, encontrando a diferença entre devido e pago.
• Atualizar e aplicar juros sobre a diferença mês a mês, conforme comandos da decisão.
A utilização de diferentes indexadores para deflacionar e atualizar acarreta distorções que, em suma, fazem com que os cálculos não atendam à determinação da decisão. Se o índice de deflação for menor que o de reajuste, a evolução do aluguel até a data do laudo resultará em um valor maior que fixado na sentença ou acórdão.
Por outro lado, se o indexador que foi utilizado para a retroação for de maior expressão que o adotado para o reajuste dos aluguéis, o reajuste até a data do laudo concluirá por um valor locativo menor que o determinado pela sentença.
Na hipótese ventilada no início deste trabalho temos:
• Valor do aluguel: Cr$ 250.000,00
• Mês da renovação: novembro/86
• Indexador determinado na decisão: IPC/IBGE
• Periodicidade: Semestral
O aluguel do mês de maio/90, por sua vez, reajustado desde o mês de novembro/86 pelo mesmo indexador usado para a deflação, é de Cr$ 250.000,00, exatamente o mesmo fixado na sentença. Com isto fecha-se a equação, ou melhor, faz-se a construção matematicamente correta para o atendimento ao decisum.
Para a apuração das diferenças pagas segue-se com a evolução do aluguel até a data do cálculo (ou da desocupação do imóvel se for o caso) e procede-se à compensação dos valores pagos e à aplicação de correção monetária e juros conforme descrito linhas atrás.
250.000,00 ÷ 4,1467998 = 60.287,45.
Conclui-se do exposto que, como na projeção de valores no futuro tem-se que aplicar a inflação e fazer as adaptações ao padrão monetário mais recente (retirando zeros), também na retroação ou deflação de valores o procedimento correto é retirar a inflação do período transcorrido entre as duas datas e adaptar o valor ao padrão monetário mais remoto (incluindo zeros). No exemplo discutido aqui é dispensada a adaptação às retiradas de zeros pelo fato de já estarem devidamente consideradas nos fatores de atualização as modificações no padrão monetário nacional.
5. O procedimento do engenheiro avaliador
Surge, ainda, uma outra questão: Como deve proceder o perito engenheiro nomeado para a avaliação do aluguel? Se ainda não há decisão quanto ao indexador a prevalecer para o reajuste do aluguel, qual o índice deve ele usar para retroagir o aluguel à data da renovação ou revisão?
O engenheiro avaliador tem ferramentas preciosas que lhe possibilitam dar ao Juiz os elementos necessários para uma justa decisão. Uma das ferramentas mais interessantes é a Inferência Estatística, através da qual pode-se chegar seguramente aos valores mensais dos aluguéis no passado, mês a mês.
O propósito do presente trabalho, entretanto, é identificar um critério simples, de fácil assimilação por todos aqueles envolvidos na prestação jurisdicional. Os Advogados, Juízes, Desembargadores e serventuários da justiça normalmente não são afeitos aos cálculos matemáticos, o que nos leva a procurar uma alternativa, se não a mais técnica, a mais prática.
Entendemos, salvo melhor juízo, que não havendo determinação em sentença ou acórdão, deve o perito avaliador, a despeito da ampla possibilidade de uso da inferência estatística, utilizar o indexador contratual ou o determinado pelo juiz para a retroação do valor locativo, deixando clara uma ressalva de que se uma decisão posterior modificar o indexador deverá ser feita nova retroação de tal forma a evitar as distorções causadas pelo uso de diferentes indexadores para a deflação e para a atualização.
Há ainda a hipótese de o contrato ser genérico quanto ao indexador, referindo-se, por exemplo, a “índice determinado pelo Governo Federal”. Neste caso entendemos que o perito deve esclarecer o fato ao juízo ou então utilizar-se da tabela de fatores de atualização monetária adotada na Comarca, não sem deixar clara a mesma ressalva do parágrafo anterior.
6. Conclusão
Estas são as observações que reputamos importantes em relação à matéria, ressaltando que tudo o que foi visto em relação à Ação Renovatória de Aluguel, se estende, mutatis mutandis, à Ação Revisional de Aluguel, cujo mês da revisão não é o imediatamente seguinte ao vencimento do contrato, mas o mês em que o locatário tenha sido citado. O perito avaliador deverá estar sempre atento para fornecer ao juiz informações seguras, dando todos os subsídios necessários à prolação da sentença, jamais deixando de retroagir o valor do aluguel à data da renovação ou revisão.
MÊS / ANO
|
FATOR DE ATUALIZAÇÃO
|
ÍNDICE DE REAJUSTE
|
VALOR DO ALUGUEL
|
nov / 86
|
4,1467998
|
60.287,45
|
|
dez / 86
|
4,0150304
|
60.287,45
|
|
jan / 87
|
3,7428721
|
60.287,45
|
|
fev / 87
|
3,2039853
|
60.287,45
|
|
mar / 87
|
2,6786029
|
60.287,45
|
|
abr / 87
|
2,3390926
|
60.287,45
|
|
mai / 87
|
1,9337776
|
2,1444037
|
129.280,64
|
jun / 87
|
1,5665510
|
129.280,64
|
|
jul / 87
|
1,3273516
|
129.280,64
|
|
ago / 87
|
1,2880586
|
129.280,64
|
|
set / 87
|
1,2110361
|
129.280,64
|
|
out / 87
|
1,1459355
|
129.280,64
|
|
nov / 87
|
1,0495838
|
1,8424233
|
238.189,66
|
dez / 87
|
0,9301537
|
238.189,66
|
|
jan / 88
|
0,8149246
|
238.189,66
|
|
fev / 88
|
0,6994408
|
238.189,66
|
|
mar /88
|
0,5929415
|
238.189,66
|
|
abr / 88
|
0,5111120
|
238.189,66
|
|
mai /88
|
0,4284981
|
2,4494477
|
583.433,11
|
jun / 88
|
0,3638126
|
583.433,11
|
|
jul / 88
|
0,3043692
|
583.433,11
|
|
ago / 88
|
0,2453801
|
583.433,11
|
|
set /88
|
0,2033649
|
583.433,11
|
|
out / 88
|
0,1639909
|
583.433,11
|
|
nov /88
|
0,1288731
|
3,3249623
|
1.939.893,11
|
dez / 88
|
0,1015388
|
1.939.893,11
|
|
jan / 89
|
78,8405352
|
1.939,89
|
|
fev / 89
|
78,8405352
|
1.939,89
|
|
mar / 89
|
76,1009027
|
1.939,89
|
|
abr / 89
|
71,7323995
|
1.939,89
|
|
mai / 89
|
66,8459599
|
0,0019279
|
3.739,94
|
jun / 89
|
60,8022193
|
3.739,94
|
|
jul / 89
|
48,7080183
|
3.739,94
|
|
ago / 89
|
37,8285324
|
3.739,94
|
|
set / 89
|
29,2473577
|
3.739,94
|
|
out / 89
|
21,5133194
|
3.739,94
|
|
nov / 89
|
15,6324076
|
4,2761142
|
15.992,42
|
dez / 89
|
11,0538874
|
15.992,42
|
|
jan / 90
|
7,1988847
|
15.992,42
|
|
fev / 90
|
4,6114180
|
15.992,42
|
|
mar / 90
|
2,6689536
|
15.992,42
|
|
abr / 90
|
1,4480000
|
15.992,42
|
|
mai / 90
|
1,0000000
|
15,6324076
|
250.000,00
|
jun / 90
|
250.000,00
|
||
jul / 90
|
250.000,00
|
||
ago / 90
|
250.000,00
|
||
set / 90
|
250.000,00
|
||
out / 90
|
250.000,00
|
* O Autor é parecerista jurídico-econômico-financeiro, especialista em liquidação de sentença e cálculos judiciais, extrajudiciais e de precatórios, propositor da tabela uniforme de fatores de atualização monetária para a Justiça Estadual aprovada no 11º ENCOGE, engenheiro, advogado e pós-graduado em contabilidade, com site em www.gilbertomelo.com.br.