Podemos extrair inúmeras situações ou atos nos quais a lavratura de uma ata notarial teria uma aplicação perfeita ou até mesmo essencial.
Muitas vezes nos deparamos com situações nas quais devemos fazer ou produzir determinada prova e não temos meios ou conhecimentos de como devemos materializá-la. Segundo Paulo Ferreira e Felipe Rodrigues, a “ata notarial é o instrumento público pelo qual o tabelião, ou preposto autorizado, a pedido de pessoa interessada, constata fielmente os fatos, as coisas, pessoas ou situações para comprovar a sua existência, ou o seu estado.”1.
Noutras palavras, uma ata notarial é um registro de uma constatação consubstanciado em um documento escrito, lavrado por tabelião, que atesta e prova a existência de um determinado fato ou situação, tendo em sua essência a autenticidade de fé pública, com inteiro teor arquivado em livro próprio em respectivo tabelionato. Em pontual definição, ainda, Sérgio Manica destaca que a “ata notarial é a narração circunstanciada de fatos presenciados ou verificados pelo notário, ou por substituto legal do mesmo, convocado para sua lavratura.”2. Serão, portanto, partes relacionadas à ata notarial o tabelião (ou substituto legal) e o solicitante, que apresenta o fato ou situação a ser atestado e registrado.
Partindo-se destas considerações, podemos perceber que o espectro da aplicação e utilidade da ata notarial é amplo e com um potencial crescimento em função de cada vez maior necessidade de registrar fatos e situações da vida cotidiana, dado que o instrumento lavrado pelo tabelião servirá para pré-constituir prova daquilo que se solicita a “narração circunstanciada de fatos presenciados ou verificados pelo notário”. Existem situações nas quais a produção da prova ou sua verificação pode ser de difícil estruturação, ou até mesmo oriunda de uma situação potencialmente perigosa ou danosa, ou até mesmo (pré)litigiosa (por exemplo, um caso no qual o locatário deseje entregar as chaves do imóvel locado ao proprietário que esteja recusando o recebimento das mesmas).
A ata notarial tornar-se-á, portanto, prova em possível processo judicial, sendo que o tabelião, por meio do documento lavrado, testemunhará e dará fé pública ao ato/fato, fazendo prova plena perante qualquer juiz ou tribunal (judicial ou arbitral). Em eventual fase de negociação ou coleta e preparatória de litígio, a ata notarial poderá ser aplicada na prevenção jurídica a conflitos, considerando que desde logo registra (com fé pública) possíveis violações a direitos de outrem ou prova de situação que possa causar algum prejuízo a terceiros.
Podemos extrair inúmeras situações ou atos nos quais a lavratura de uma ata notarial teria uma aplicação perfeita ou até mesmo essencial. Algumas comuns aplicações verificadas no cotidiano cível / empresarial são:
- a) Ata Notarial para verificação de imóvel, seja para comprovar seu efetivo estado (em caso de divergências entre locadores e locatários quando da entrega das chaves), seja para comprovar eventual abandono ou situação física do imóvel (em diversas situações podemos aplicar esta solução), ou até mesmo para atestar que o imóvel encontra-se inteiramente livre e desocupado de objetos e pessoas (em situações de diligências ou para comprovar encerramento irregular de atividades de empresas);
- b) Ata Notarial de reuniões de condomínio – pode ser utilizada em situações de conflito entre grupos de condôminos, estando em franco litígio ou não, mas que ambos tenham interesse em registrar fatos e atos que por ventura possam vir a ser omitidos da redação oficial da Ata de Assembleia;
- c) Ata Notarial de diligências – poderá ser solicitada e lavrada a ata, acompanhando o tabelião (ou seu substituto legal) a diligência em questão, para posteriormente narrar os fatos e atos ocorridos, seja com relação a situações vexatórias, seja com relação a casos de abusos de poder (por exemplo quando determinada autoridade veda acesso a local publico sem qualquer justificação), dentre outras tantas;
- d) Ata Notarial de reuniões de empresas e/ou de sócios – aplicada para questões societárias, existindo ou não litígio, poderá ser lavrada a ata, acompanhando o tabelião (ou seu substituto legal) um sócio (ou um grupo de sócios) que esteja sentindo-se prejudicado ou que tenha receio que possa vir a ser prejudicado por outros sócios da Sociedade da qual faça parte (ou consórcio de empresas, joint venture, associações ou outras entidades legais), visando resguardar direitos e efetuar a narração circunstanciada de fatos presenciados ou verificados, quando existe a possibilidade de não serem devidamente refletidos os fatos desenrolados na redação final / oficial da Ata de Assembleia.
- e) Ata Notarial para verificação de bem móvel – seja para comprovar seu efetivo estado (estado físico, conservação, avarias, danos, quebras etc), seja para comprovar eventual abandono (situações nas quais o bem foi entregue a determinada pessoa, em determinada localidade, e o bem encontra-se abandonado em outra localidade, ou em posse de terceiros), ou até mesmo para atestar que o bem móvel não se encontra livre e desimpedido no local de guarda que eventualmente conste como obrigação em contrato (em situações de maquinários entregues a título de comodato ou que tenham sido locados para eventos, empresas ou para instalações, a curto, médio ou longo prazo);
- f) Ata Notarial para atestar conteúdo de internet – visando constituir prova do conteúdo divulgado em páginas da internet, sejam com ou sem imagens, atestando que em determinada data, horário e endereço eletrônico, determinado conjunto de informações textuais (associado ou não a imagens), estava disponível e era acessível por meio de dadowebsite. Pode ser utilizada para registrar (com fé pública) possíveis violações a direitos de outrem ou prova de situação que possa causar algum prejuízo a terceiros, por violação de direitos pessoais, de integridade, morais, autorais, de marcas, patentes, dentre outros. Atualmente, as aplicações são as mais amplas possíveis, dada a diária evolução deste canal de comunicação que é a internet – por exemplo, lavra-se atas notariais para registrar casos de violação de intimidade ou de calúnia e/ou difamação em redes sociais ou programas/aplicativos de comunicação como o WhatsApp (podendo até mesmo ser um simples post, comentário, “curtida”), casos de divulgação de informação privilegiada em fóruns de mercados de capitais (insider trading), para atestar violações de direitos autorais e até mesmo para certificar propagandas enganosas ou falsas promessas (loteamentos “fantásticos” anunciados pela internet, ou promessas e garantias de lucro de empresas franqueadoras, reportagens/matérias contradizentes com informações veiculadas por empresas e outras tantas situações).
- g) Ata Notarial sobre correspondências eletrônicas (e-mails) – para constituir prova sobre o conteúdo de determinada correspondência eletrônica (e–mail), o teor de seu texto e mensagem e todas as demais informações vinculadas à mesma, inclusive para fins de futura acusação ou defesa, para registrar o Endereço IP do emissor3. Importante destacar que a Ata Notarial dará fé-pública ao registro do conteúdo da mensagem, e não à veracidade de suas informações. O tabelião não tem como averiguar a verdade dos fatos, seu trabalho apenas é circunscrito, como já dissemos, a realizar a narração circunstanciada de fatos presenciados ou verificados no corpo da correspondência eletrônica (e-mail).
Os exemplos acima trazidos refletem apenas determinadas, ainda que usuais, situações nas quais pode ser aplicada com sucesso e bom aproveitamento a Ata Notarial. Outras tantas situações podem, ainda, ser citadas, como por exemplo a lavratura de Ata Notarial para o acompanhamento de abertura de cofre bancário ou armário de guarda de bens e valores, visando realizar a prova da existência de determinado conteúdo em seu interior, ou até mesmo, prova da tentativa de abertura forçada do mesmo. Outro exemplo seria o registro de Ata Notarial para comprovar o uso indevido de imagem em revistas, outdoors, anúncios, panfletos, posters etc, como no caso de modelo que cede direito de imagem para determinada grife, por uma determinada coleção e determinado período – e na hipótese de verificar posteriormente a continuidade do uso (sem a devida remuneração) das imagens para outros fins pelo mesmo empresário/empresa.
Por fim, ressaltamos a importante ainda maior da Ata Notarial com a sua inclusão no rol de meios de prova do novo Código de Processo Civil. Segundo seu art. 384, a existência e o modo de existir de algum fato poderão ser atestados ou documentados a requerimento da parte interessada, mediante Ata Notarial lavrada por tabelião, sendo expressamente consignado que dados representados por imagem ou som gravados em arquivos eletrônicos poderão constar da ata notarial4. Esta expressa inclusão no corpo do diploma processualista (já previsto na Lei nº 8.935, de 18 de novembro de 19945) certamente trará novos contornos à utilização deste documento público, especialmente em nossos Tribunais.
Notas
1 FERREIRA, Paulo Roberto Gaiger; RODRIGUES, Felipe Leonardo. Ata Notarial – Doutrina, prática e meio de prova. São Paulo: Quartier Latin, 2010, pág. 112
2 MANICA, Sérgio Afonso. Ata notarial. Porto Alegre: Edição do ator, [s.d.], pág. 8
3 “O Endereço IP, de forma genérica, é uma identificação de um dispositivo (computador, impressora, etc) em uma rede local ou pública. Cada computador na internet possui um IP (Internet Protocol ou Protocolo de internet) único, que é o meio em que as máquinas usam para se comunicarem na Internet.”. Disponível aqui. Acesso em 17/08/2015
4 Código de Processo Civil – Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015: “Da Ata Notarial – Art. 384. A existência e o modo de existir de algum fato podem ser atestados ou documentados, a requerimento do interessado, mediante ata lavrada por tabelião. Parágrafo único. Dados representados por imagem ou som gravados em arquivos eletrônicos poderão constar da ata notarial.”. Disponível aqui. Acesso em 17/08/2015
5 Lei nº 8.935, de 18 de novembro de 1994: “Art. 6º Aos notários compete: I – formalizar juridicamente a vontade das partes; II – intervir nos atos e negócios jurídicos a que as partes devam ou queiram dar forma legal ou autenticidade, autorizando a redação ou redigindo os instrumentos adequados, conservando os originais e expedindo cópias fidedignas de seu conteúdo; III – autenticar fatos. Art. 7º Aos tabeliães de notas compete com exclusividade: I – lavrar escrituras e procurações, públicas; II – lavrar testamentos públicos e aprovar os cerrados; III – lavrar atas notariais; (…)” (grifos nossos). Disponível aqui.
Autor: Luís Rodolfo Cruz e Creuz, advogado e consultor em SP, sócio da banca Cruz & Creuz Advogados.
Fonte: www.migalhas.com.br