Dispõe o artigo 39 da Lei n.º 8.177/91 que “Os débitos trabalhistas de qualquer natureza, quando não satisfeitos pelo empregador nas épocas próprias assim definidas em lei, acordo ou convenção coletiva, sentença normativa ou cláusula contratual sofrerão juros de mora equivalentes à TRD acumulada no período compreendido entre a data de vencimento da obrigação e o seu efetivo pagamento”. O artigo 1.º da Lei n.º 8.177/91 mostrava que a TRD era taxa de remuneração, isto é, média aritmética de taxas de juros. No mesmo sentido o artigo 12, ao fazer referência a remuneração de depósitos de poupança. O cálculo da TR era feito com base na taxa média dos CDBs prefixados, de 30 a 35 dias, oferecidos pelos 30 maiores bancos.
A partir de 1º de maio de 1993, a Taxa Referencial Diária – TRD de que trata o artigo 2º da Lei n.º 8.177, de 1º de março de 1991, fica extinta (art. 2.º da Lei n.º 8.660/93).
O parágrafo 6.º do artigo 27 da Lei n.º 9.069/95 determina que “continua aplicável aos débitos trabalhistas o disposto no art. 39 da Lei nº 8.177, de 1º de março de 1991”.
Reza o artigo 15 da Lei n.º 10.192/01 que “permanecem em vigor as disposições legais relativas a correção monetária de débitos trabalhistas, de débitos resultantes de decisão judicial, de débitos relativos a ressarcimento em virtude de inadimplemento de obrigações contratuais e do passivo de empresas e instituições sob os regimes de concordata, falência, intervenção e liquidação extrajudicial’.
A Lei n.º 12.703/12 alterou a remuneração da poupança: “o saldo dos depósitos de poupança efetuados até a data de entrada em vigor da Medida Provisória no 567, de 3 de maio de 2012, será remunerado, em cada período de rendimento, pela Taxa Referencial – TR, relativa à data de seu aniversário, acrescida de juros de 0,5% (cinco décimos por cento) ao mês, observado o disposto nos §§ 1º, 2º, 3º e 4º do art. 12 da Lei nº 8.177, de 1.º de março de 1991” (art. 2.º).
Correção monetária tem por função atualizar o valor da moeda em razão da inflação. Juro é remuneração do capital e não critério de correção monetária. São diferentes as funções dos referidos institutos. Trata-se, portanto, de índice inadequado para corrigir débitos trabalhistas. Não é possível que o empregado, depois de vários anos discutindo seu direito na Justiça do Trabalho, receba o seu crédito no valor original, sem qualquer correção monetária ou com atualização monetária segundo índices que não reflitam a inflação.
A partir de 1º de maio de 1993, com a extinção da TRD (art. 2.º da Lei n.º 8.660/93), a Justiça do Trabalho passou a usar a TR (Taxa Referencial de Juros) que substituiu a TRD para os negócios jurídicos celebrados antes de 1º de maio de 1993 e que também servia de correção monetária dos depósitos da caderneta de poupança.
Entre os meses de setembro de 2012 a junho de 2013 a TR foi fixada em 0,00%. Isso significa que em junho de 2013 o pagamento do débito trabalhista pode ser feito com base em valor de setembro de 2012, sem qualquer correção monetária. A inflação medida pelo IPCA foi de 5,84, em 2012, e 5,91, em 2013. Evidente, portanto, o prejuízo na correção dos créditos trabalhistas.
O STF, no julgamento da ADIn 493-DF, afirmou que “a taxa referencial (TR) não é índice de correção monetária, pois, refletindo as variações do custo primário da captação dos depósitos a prazo fixo, não constitui índice que reflita a variação do poder aquisitivo da moeda. ….. Ação direta de inconstitucionalidade julgada procedente, para declarar a inconstitucionalidade dos artigos 18, “caput” e parágrafos 1 e 4; 20; 21 e parágrafo único; 23 e parágrafos; e 24 e parágrafos, todos da Lei n. 8.177, de 1 de maio de 1991. que a TR não reflete a perda de poder aquisitivo da moeda”(j. 25.6.92, Rel. Min. Moreira Alves, DJ 4.9.92, RTJ 143, p. 724). O STF declarou na ADin 4425-DF a inconstitucionalidade do parágrafo 12 do artigo 100 da Constituição, ao estabelecer que a correção dos precatórios pelos mesmos índices de remuneração da poupança, que era a TR utilizada para correção trabalhista. No mesmo julgamento em conjunto com a ADIn 4.357/DF, em 14.3.2013, declarou o STF a inconstitucionalidade das expressões “independentemente de sua natureza” (para efeito de correção monetária) e “índices oficiais de remuneração básica”, contidos no artigo 1º-F da Lei n.º 9.494/97, com a redação da Lei n.º 11.960/2009.
O Código Civil de 2002 tem diversos artigos estabelecendo a necessidade da correção monetária da dívida. Não cumprida a obrigação, responde o devedor por perdas e danos, mais juros e atualização monetária segundo índices oficiais regularmente estabelecidos, e honorários de advogado (art. 389). Responde o devedor pelos prejuízos a que sua mora der causa, mais juros, atualização dos valores monetários segundo índices oficiais regularmente estabelecidos, e honorários de advogado (art. 395). As perdas e danos, nas obrigações de pagamento em dinheiro, serão pagas com atualização monetária segundo índices oficiais regularmente estabelecidos, abrangendo juros, custas e honorários de advogado, sem prejuízo da pena convencional (art. 404). Logo, um crédito determinado em juízo não pode ficar sem correção monetária segundo índices oficiais regularmente estabelecidos.
Assevera Noberto Bobbio que “o fato de uma norma ser universalmente seguida não demonstra sua justiça” (Teoria da norma jurídica. Bauru: Edipro, 2003). Uma norma pode estar em vigor, por não ter sido revogada expressa ou tacitamente por outra norma, mas não quer dizer que seja justa. É exatamente o caso do artigo 39 da Lei n.º 8.177/91, ao estabelecer o critério de correção monetária dos débitos trabalhistas, que não mais reflete a variação da inflação.
Lacuna axiológica, segundo Maria Helena Diniz, é quando “existe a norma, mas ela se revela injusta, isto é, existe um preceito normativo, mas se for aplicado, a solução do caso será insatisfatória ou injusta” (Compêndio de introdução à ciência do direito. 14ª ed. São Paulo: Saraiva, 2001, p. 437). É justamente o que ocorre na aplicação da TR para o cálculo da correção monetária dos débitos trabalhistas. A norma existe, mas é injusta.
O artigo 41-A da Lei n.º 8.213 prevê a utilização do INPC, apurado pelo IBGE, para efeito do cálculo do reajuste dos benefícios previdenciários. Os reajustes para a preservação do poder aquisitivo do salário mínino a vigorar entre 2012 a 2015 corresponderão á variação do INPC (§1.º do art. 2.º da Lei n.º 12.382/11). O mesmo índice poderia ser utilizado para efeito do cálculo da correção monetária dos débitos trabalhistas.
A TR não serve, portanto, para a atualização dos créditos trabalhistas, pois não reflete a inflação e a perda do poder aquisitivo da moeda.
É urgente que seja editada lei ou medida provisória para determinar que a correção monetária dos débitos trabalhistas seja feita de acordo com índices que reflitam a inflação.
Autor: Sérgio Pinto Martins, juiz do TRT da 2ª Região, professor titular de Direito do Trabalho da Faculdade de Direito da USP e autor de diversas obras publicadas pela editora Atlas.
Fonte: www.cartaforense.com.br