Gilberto Melo

FGTS deverá ser corrigido pela inflação, decide STF

Em sessão plenária nesta quarta-feira, 12, o STF decidiu pela manutenção da aplicação da TR – Taxa Referencial na correção dos saldos das contas vinculadas ao FGTS. Contudo, a Corte acolheu uma proposta do governo, firmada com centrais sindicais, que adiciona ao índice a correção pela inflação medida pelo IPCA, independentemente do cenário.

TR

A Taxa Referencial é um índice econômico utilizado no Brasil, criado pelo governo Federal em 1991. Inicialmente, a TR foi utilizada como um mecanismo de controle da inflação e como referência para a correção de diversas modalidades de contratos financeiros, como poupança, empréstimos e financiamentos imobiliários.

IPCA

O IPCA – Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo é um indicador econômico utilizado no Brasil para medir a variação dos preços de um conjunto de produtos e serviços consumidos pelas famílias com renda mensal de 1 a 40 salários mínimos. Esse índice é calculado pelo IBGE e serve como a principal referência para a inflação no país.

Prevaleceu o voto médio, proferido pelo ministro Flávio Dino, que foi acompanhado pelos ministros Luiz Fux e Cármen Lúcia. Ficaram parcialmente vencidos os ministros Cristiano Zanin, Alexandre de Moraes, Gilmar Mendes e Dias Toffoli, que votaram pela manutenção da correção apenas pela TR. Foram totalmente vencidos os ministros Luís Roberto Barroso, Nunes Marques, Edson Fachin e André Mendonça, que defendiam a correção dos saldos pela poupança a partir de 2025.

Veja o placar:

O caso

Em 2014, o partido Solidariedade ajuizou a ADIn contra dispositivos das leis 8.036/90 (art. 13) e 8.177/91 (art. 17) que impõem a correção dos depósitos nas contas vinculadas do FGTS pela Taxa Referencial.

Hoje, a rentabilidade do FGTS é de 3% ao ano, mais a variação da TR. Assim, o aumento ou a queda da taxa tem impacto no saldo das contas do FGTS.

O partido alegou que os trabalhadores são os titulares dos depósitos efetuados e que a apropriação pela CEF – Caixa Econômica Federal, gestora do FGTS, da diferença devida pela real atualização monetária afronta o princípio constitucional da moralidade administrativa. Argumentou que a TR não é um índice de correção monetária e que a atual fórmula gera perdas aos trabalhadores, uma vez que os saldos não acompanham a inflação. 

O Solidariedade sustentou que a TR está defasada em relação ao INPC – Índice Nacional de Preços ao Consumidor e ao IPCA-E – Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo Especial, que medem a inflação. 

Posição da União

A União apontou que, além de ser patrimônio do trabalhador, o FGTS é um importante instrumento para a concretização de políticas de interesse de toda sociedade. Assim, aumentar o índice de correção reduziria a possibilidade de financiamento de obras de saneamento básico, infraestrutura urbana e habitação com recursos do fundo.

No início da sessão desta quarta-feira, o Advogado Geral da União, Jorge Messias, ajustou a proposta do governo para correção do Fundo, firmada em conjunto com as centrais sindicais. 

Propôs a manutenção da sistemática de remuneração das contas, qual seja, TR mais 3%, além da distribuição de lucros, agregando, em qualquer cenário, a inflação pelo IPCA.

Ademais, afirmou que após o trânsito em julgado da ação, o ministério do Trabalho e do Emprego abrirá diálogo com centrais sindicais para debater a possibilidade de distribuição extraordinária de lucros de fundo de garantia aos trabalhadores vinculados às contas. 

Voto do relator

Em seu voto, Barroso explicou que o FGTS é uma espécie de aplicação financeira obrigatória com remuneração extremamente baixa, muito inferior à dos investimentos mais conservadores. 

O relator citou como exemplo a caderneta de poupança, que, mesmo apresentando menores riscos e cujos valores podem ser sacados com mais facilidade, tem rendimento muito superior. Portanto, para S. Exa., os depósitos do fundo não podem receber correção inferior à da poupança.

A remuneração desse investimento, hoje, é calculada segundo o patamar da taxa básica de juros da economia, a Selic, podendo ser de 0,5% mais a variação da TR (se a Selic estiver acima de 8,5% ao ano) ou equivalente a 70% da Selic mais a variação da TR (se a Selic estiver igual ou abaixo de 8,5% ao ano).

Em relação ao argumento de que os recursos do FGTS são utilizados para fins sociais relevantes, como financiamento habitacional, saneamento e infraestrutura urbana, o presidente do STF entendeu que não é razoável impor a um grupo vulnerável da população o custo integral de uma política pública de interesse coletivo, sem lhe assegurar, em contrapartida, uma remuneração justa. Em seu voto, o relator também estabelece que a nova regra só produziria efeitos para depósitos efetuados a partir de 2025

Ao final, afirmou que é preciso reajustar o FGTS, no mínimo, pela poupança, contudo, propôs as seguintes modulações:

Em relação aos depósitos já existentes, a regra é a distribuição da totalidade do resultado do fundo de garantia pelos correntistas.
A partir de 2025, os novos depósitos serão remunerados pelo valor da caderneta de poupança.
Na sessão desta quarta-feira, Barroso considerou adiar o início da vigência do novo critério de cálculo para 2026, tendo em vista a situação de calamidade enfrentada pelo Rio Grande do Sul.

S. Exa. foi acompanhada pelos ministros André Mendonça, Nunes Marques e Edson Fachin.

Divergência

Em seu voto, ministro Cristiano Zanin destacou que, após a CF de 1988, o FGTS se consolidou como um direito social do trabalhador. Ressaltou que esse é um direito complexo que exige normas específicas, incluindo deveres, obrigações e prerrogativas para particulares e o poder público.

O ministro explicou que o FGTS não é um direito de propriedade simples, mas uma propriedade estatutária, fortemente regulada, com proteção e fruição normativas. Surgiu como alternativa ao sistema de estabilidade decenal, com finalidades sociais, além de ser uma reserva financeira para o empregado, sempre ligado a políticas habitacionais.

Zanin enfatizou que o legislador consolidou o FGTS como um direito do trabalhador, e o constituinte de 1988 ratificou a disciplina vigente, exceto onde houvesse incompatibilidade com novos institutos da CF.

S. Exa. mencionou que, segundo a jurisprudência do STF, não há direito subjetivo constitucional à correção monetária ou à correção conforme um índice específico (RE 388.312). Afirmou que a questão da correção monetária é de direito monetário e cabe ao legislador estabelecer tais critérios. Observou que o STF já decidiu pela inadequação da TR – Taxa Referencial como índice de correção de créditos decorrentes de condenações judiciais da Fazenda Pública e de débitos em contas judiciais (ADC 58).

Na atual controvérsia, Zanin entendeu que deve prevalecer a jurisprudência de que o STF não pode afastar os critérios escolhidos pelo legislador para a atualização de índices monetários, pois isso implicaria em reindexar a economia, um fenômeno considerado nocivo. Distinguiu a situação atual de casos anteriores, como a ADIn 4.357 e o RE 870.947, afirmando que esses tratavam do tratamento legislativo da mora ou de direito de crédito, enquanto a questão do FGTS é sobre atualização monetária de caráter estatutário.

Ressaltou que o fundo deve ser considerado como um direito social, não como um investimento para o trabalhador. Embora as contas sejam vinculadas aos trabalhadores, a fiscalização cabe ao Ministério do Trabalho, direcionando os recursos do fundo à realização de direitos sociais.

Zanin afirmou que alterar o índice de correção do FGTS prejudicaria pessoas dependentes de programas habitacionais e não aumentaria significativamente os saldos dos trabalhadores. Destacou que o legislador vem equilibrando as dimensões individual e social do fundo, facilitando a movimentação e disponibilidade dos recursos.

Ao final, votou pela improcedência da ação, entendendo que o FGTS não se confunde com uma aplicação financeira. Reforçou a necessidade de autocontenção do Judiciário em políticas financeiras e afirmou que o legislador não tem se eximido do dever de balancear as dimensões sociais e individuais do fundo, concluindo que não há violação aos preceitos constitucionais da moralidade em sua gestão.

Zanin foi acompanhado pelos ministros Alexandre de Moraes e Dias Toffoli.

Impacto significativo

Para o ministro Alexandre de Moraes, o FGTS é um direito social, mas não de natureza estritamente patrimonial. Ele considerou que o fundo tem uma natureza híbrida, institucional, com dupla finalidade: individual, de remuneração, e social, de habitação.

O ministro citou documentação da AGU, segundo a qual a alteração proposta resultaria em um ganho anual de apenas R$ 48 a R$ 60 por trabalhador, enquanto 48% das famílias passariam a não ter acesso a financiamentos de casas populares.

Assim, afirmou Moraes, o pequeno acréscimo na remuneração dos trabalhadores significaria uma exclusão massiva de famílias do financiamento habitacional. “Não haverá um Brasil desenvolvido, com o mínimo de dignidade, enquanto cada família não tiver a sua casa”, declarou.

Reconheceu que o sistema atual pode não ser a melhor fonte de financiamento, mas enfatizou que, no presente, é a única disponível. Concluiu que a alteração proposta excluiria 48% das famílias de baixa renda, causando um impacto social significativo.

Voto intermediário

Ao votar, ministro Flávio Dino destacou que o FGTS não surgiu do mercado financeiro, mas como um fundo dual destinado a substituir a estabilidade decenal. Ressaltou que analisar o FGTS sob uma perspectiva estritamente privatista enfrentaria o obstáculo de que o direito de propriedade não é absoluto, mas limitado pela sua função social.

Dino afirmou que o mecanismo de correção do FGTS não pode ignorar a sua função social. A referência para essa correção não pode ser o mercado financeiro, pois isso impactaria negativamente o acesso às linhas de crédito e inviabilizaria o efeito social do fundo.

O ministro observou que trabalhadores que ganham mais de quatro salários mínimos correspondem a apenas 14% dos beneficiários do financiamento habitacional, enquanto 86% dos financiamentos são destinados a quem ganha menos de quatro salários mínimos.

Também destacou os limites de atuação do Judiciário, enfatizando que a previsibilidade e a calculabilidade devem balizar a atuação da Corte. Dino invocou a questão da responsabilidade fiscal, sem a qual não existem políticas sociais, lembrando o art. 167-A da CF, que impede o Judiciário de criar novas despesas obrigatórias.

O ministro ressaltou, ainda, a importância da autonomia privada coletiva, das convenções e acordos coletivos de trabalho, conforme o firmado pela AGU com as centrais sindicais.

Assim, seguido pela ministra Cármen Lúcia e pelo ministro Luiz Fux, votou pela procedência parcial da ação, aplicando-se o modelo da TR mais 3% com distribuição de resultados, assegurando o piso e utilizando o índice oficial de inflação do IPCA, sem efeito retroativo, mas prospectivo.

Resultado

Ao final, considerando o voto médio, a Corte decidiu pela procedência, em parte, do pedido, com atribuição de efeitos ex nunc, estabelecendo o seguinte entendimento:

A remuneração das contas vinculadas na forma legal será atualizada consoante TR mais 3% ao ano, com distribuição dos resultados, em valor que garanta, no mínimo, o índice oficial de inflação, IPCA, em todos os exercícios.
Nos anos em que a remuneração das contas vinculadas ao FGTS não alcançar o IPCA, caberá ao conselho curador do fundo determinar a forma de compensação.
Manifestação

O Advogado Geral da União, Jorge Messias, em manifestação após a conclusão do julgamento, afirmou que a decisão representou vitória para todos os envolvidos na ação.

A decisão de hoje do Supremo representa uma vitória para todos os envolvidos na discussão da ação julgada. Ganham os trabalhadores, os que financiam suas moradias e os colaboradores do setor de construção civil. Na condição ex-empregado da Caixa, sinto-me profundamente comovido ao contribuir para preservar a poupança dos trabalhadores e proporcionar a oportunidade de possuírem sua própria residência aqueles que mais necessitam. O governo, sob a liderança do Presidente Lula, está demonstrando que, por meio de um diálogo construtivo, podemos encontrar as melhores soluções para a população e para desenvolvimento do país.

Processo: ADIn 5.090

Fonte: https://www.migalhas.com.br/quentes/409193/fgts-devera-ser-corrigido-pela-inflacao-decide-stf