Para que entendamos a incidência do PIS, COFINS e IR, precisamos, primeiramente, fazermos uma retrospectiva que nos leve à criação desses tributos.
Para o financiamento da seguridade social, o artigo 195 da Constituição de 1988, em seu inciso I, b, criou a incidência da contribuição sobre a receita ou o faturamento das empresas. Essa contribuição que seria destinada a atender às despesas do Instituto Nacional do Seguro Social com as atividades das áreas da saúde, previdência e assistência social foi chamada de Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (COFINS) pela Lei Complementar 70/91.
Já a Contribuição ao Programa de Integração Social (PIS) foi instituída pela Lei Complementar 7/70, visando promover a integração do empregado na vida e no desenvolvimento das empresas. O artigo 239 da Constituição, ao tratar da destinação da contribuição arrecadada para o PIS, recepcionou as disposições da legislação complementar.
Hoje em dia ambas as contribuições estão disciplinadas pelas Leis 9.718/98 (PIS e COFINS), 10.637/2002 (PIS não cumulativo) e 10.833/2003 (COFINS não cumulativa). Observamos aqui que o legislador ordinário determinou a incidência do PIS e da COFINS sobre o faturamento mensal, entendendo que este seria a totalidade das receitas auferidas pela pessoa jurídica. Mas aqui há de se definir o que é receita auferida, ou não. Para Geraldo Ataliba “o conceito de receita refere-se a uma espécie de entrada. Entrada é todo o dinheiro que ingressa nos cofres de uma entidade. Nem toda entrada é uma receita. Receita é a entrada que passa a pertencer à entidade. Assim, só se considera receita o ingresso de dinheiro que venha a integrar o patrimônio da entidade que recebe”. Com isso, se de um lado fica claro que a incidência do PIS e COFINS depende do auferimento de receitas pelas pessoas jurídicas; por outro, fica clara a indisposição legal (constitucional) da incidência dessas contribuições em valores que não configurem receitas das empresas.
Para Ricardo Mariz de Oliveira, em “Conceito de Receita como Hipótese de Incidência das Contribuições para a Seguridade Social (para Efeitos da COFINS e da Contribuição ao PIS), 1ª Quinzena de Janeiro de 2001 — nº 1/2001 — Caderno 1. São Paulo: IOB, p. 21”, receita foi definida da seguinte forma: “receita é algo novo, que se incorpora a um determinado patrimônio. Por conseguinte a receita é um ‘plus jurídico’ que se agrega ao patrimônio.”
Podemos deduzir, pelo disposto acima, que indenizações reparadoras de danos, como as desapropriações, não podem ser consideradas receitas, pois não agregam o patrimônio e sim o restauram.
O Supremo Tribunal Federal, ao debater e analisar a constitucionalidade do alargamento promovido pela Lei 9.718/98 para a base de cálculo do PIS e COFINS ratificou a posição de que os institutos oriundos de outros ramos do Direito e que são empregados pela Constituição, devem ser interpretados de maneira que mantenham íntegra a acepção original do termo, conforme reza o art. 110 do CTN.
Temos então, dada a supremacia constitucional, que receita só vem a ser aquilo auferido pela empresa, que gera riqueza ou aumento de patrimônio. O que entra e não gera riqueza ou aumento de patrimônio, não pode ser alvo das contribuições PIS e COFINS. O texto infraconstitucional incurso no artigo 1º da Lei 10.637/2002 e artigo 1º da Lei 10.833/2003 que estabelece como fator gerador de PIS e COFINS o faturamento mensal, entendido este como o total de receitas auferidas pela empresa, é falho! Existem outras receitas que entram no caixa das empresas e que não representam aumento de patrimônio.
As indenizações são um exemplo bem claro disso. O próprio termo “Indenizar” significa reparar, retribuir. Então temos que indenização é tudo aquilo destinado a recompor, retirar a lesão ou o dano.
Em nossa breve apreciação, vamos deixar de lado o dano a um direito personalíssimo e o dano extrapatrimonial. Vamos nos focar nos danos patrimoniais. Esses podem ser de dois tipos:
– dano emergente, quando há redução do patrimônio da empresa,
– lucros cessantes, quando há perda de oportunidade de incremento do patrimônio.
Em ambos os casos a indenização visa recompor a perda econômica sofrida pela empresa. Visa guindar a empresa ao patamar que anteriormente possuía. Trata-se, portanto, de indenização de reposição e como tal admite duas espécies: a indenização de reposição do patrimônio, no caso do dano emergente e a indenização de reposição do lucro, no caso dos lucros cessantes. Como indenização- reposição, nada acrescenta ao patrimônio da empresa. Apenas o repõe. Já a indenização por lucro cessante gera uma compensação de valores que ainda não estavam incorporados ao patrimônio da pessoa jurídica. Nela há uma compensação pela perda de oportunidade sofrida pela empresa, de auferir lucros e agregar valor a seu patrimônio.
A indenização-reposição, nada acrescenta ao patrimônio da empresa, uma vez que não representa ingresso de receita no caixa. Então concluímos que o dano emergente, quando efetivamente indenizado, apenas repõe a diminuição patrimonial sofrida pela pessoa jurídica em virtude da perda sofrida. Desta feita, esse tipo de indenização não enseja a incidência das contribuições federais. Os valores pagos a título de indenização por desapropriação de bem imóvel pelo poder Público, seja para fins de reforma agrária, seja por necessidade ou utilidade pública, tem natureza de indenização, ou seja, tem por objetivo a reposição do valor do bem de cuja propriedade foi privada a empresa. Por isso, o valor correspondente à indenização tem origem diversa do conceito de faturamento, eis que não deflui do exercício das atividades empresariais, principais ou acessórias. Consequentemente, não há que se falar em incidência do PIS ou da COFINS. Segundo Bernardo Mota Pereira “Por isso é que, verbi gratia, a indenização recebida a título de justo preço no caso da perda compulsória da propriedade pela desapropriação não dá ensejo à incidência das contribuições federais”.
A Receita Federal decidiu ainda que: 1) o valor de indenização recebida em razão de furto, roubo, inutilização, deterioração ou destruição em sinistro de bens não compõe a base de cálculo da COFINS (Disit 09, Solução de Consulta nº 213, de 18.10.2011). Segundo Mauricio Pereira Faro, “Por ocasião de incêndio, por exemplo, os créditos de PIS e COFINS originários da aquisição de insumos (estoques) de peças e acessórios devem ser estornados de acordo com o artigo 3º, § 13º, da Lei nº 10.833/2004: parágrafo 13. Reza a Norma: ‘Deverá ser estornado o crédito da COFINS relativo a bens adquiridos para revenda ou utilizados como insumos na prestação de serviços e na produção ou fabricação de bens ou produtos destinados à venda, que tenham sido furtados ou roubados, inutilizados ou deteriorados, destruídos em sinistro ou, ainda, empregados em outros produtos que tenham tido a mesma destinação.’ “Por isso, continua Mauricio Pereira Faro, é que não pode haver a incidência de tais exações sobre indenização recebida por roubo de mercadoria, eis que não se trata de receita e a lei determina o estorno do crédito no caso de furto, roubo, inutilização, destruição em sinistros de mercadorias ou insumos. Ora, se a indenização fosse tributável pela COFINS, a lei não mandaria o contribuinte estornar o crédito nesses casos.” Esse § 13 foi incluído pela Lei nº 10.865, de 2004 ; 2) e que as indenizações recebidas pelas pessoas jurídicas optantes pelo Simples, destinadas, exclusivamente, a reparar danos patrimoniais, por não integrarem a receita bruta não serão tributadas pela COFINS (Disit 09, Solução de Consulta nº 126, de 28.03.2006).
O imposto de renda foi instituído no Brasil ex vi do artigo 31 da Lei nº 4.625 de 31 de dezembro de 1922, que orçou a Receita Geral da República dos Estados Unidos do Brasil para o exercício de 1923. Diz esse artigo:
“Art.31. Fica instituído o imposto geral sobre a renda, que será devido, annualmente, por toda a pessoa physica ou juridica, residente no territorio do paiz, e incidirá, em cada caso, sobre o conjunto liquido dos rendimentos de qualquer origem.”
Como desapropriação não é renda, sobre ela não incide esse imposto.
Segundo artigo publicado pelo STJ, não incide imposto sobre a renda recebida a título de indenização decorrente de desapropriação. O entendimento foi firmado pela Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça em julgamento pelo rito da Lei dos Recursos Repetitivos e será aplicado em todos os casos semelhantes.
Acompanhando o voto do relator, ministro Luiz Fux, a Seção reiterou que a indenização decorrente de desapropriação não gera qualquer ganho de capital, já que a propriedade é transferida ao poder público por valor justo e determinado pela justiça a título de indenização, não ensejando lucro, mas mera reposição do valor do bem expropriado.
Em seu voto, o ministro Luiz Fux destacou que o STJ já firmou jurisprudência no sentido da não incidência da cobrança sobre as verbas auferidas a título de indenização oriunda de desapropriação, seja por necessidade ou utilidade pública ou por interesse social, por não representar acréscimo patrimonial.
Ressaltou, ainda, que tal entendimento foi consolidado pela Súmula 39/TFR, que tem o seguinte teor: “Não está sujeita ao Imposto de Renda a indenização recebida por pessoa jurídica, em decorrência de desapropriação amigável ou judicial.”
Luiz Fux explicou que para fins de incidência do imposto de renda é imperioso analisar a natureza jurídica da verba percebida – indenizatória ou remuneratória – a fim de se verificar se há efetivamente a criação de riqueza ou acréscimo patrimonial. “Isto porque a tributação ocorre sobre signos presuntivos de capacidade econômica, sendo a obtenção de renda e proventos de qualquer natureza um deles”.
No caso julgado, a União Federal recorreu ao STJ contra acórdão do Tribunal Regional Federal da 3ª Região que rejeitou a incidência de imposto sobre a renda em indenização por desapropriação recebida em setembro de 1999. No recurso, a União sustentou que a interpretação literal do art. 43 do CTN indica a incidência do imposto sobre o montante recebido, e que não existe lei especifica para afastar tal procedimento. O recurso foi negado por unanimidade.
Podemos então depreender que nos casos de desapropriação não incidem Imposto de Renda-IR-, Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social-COFINS- e tampouco a Contribuição ao Programa de Integração Social-PIS-. Isso porque recebimento por desapropriação, ainda que acrescido de juros indenizatórios, não configura renda. É mera restituição ao lesado do status quo ante do patrimônio perdido a bem da utilidade pública, seja ela municipal, estadual ou federal.