Gilberto Melo

O valor da reparação moral – parâmetros e critérios

Nos idos de 2001, foi dado início à pesquisa para apurar se havia nos tribunais um mínimo critério de valoração na fixação dos valores compensatórios por dano moral e o cenário jurisprudencial era diferenciado, além do acesso à real conduta do Judiciário muito dificultoso.
 
Ainda assim, já tendo relevo a necessidade imperiosa de dar rumo às enormes disparidades presentes na jurisprudência, diferenças essas injustificáveis para quem verifica graves injustiças na fixação de verbas absolutamente diferenciadas para casos pares e ímpares, foi dado motivo à investigação empírica.
 
O STJ registrou esse cenário, quando, na mesma ocasião, abandonou o formalismo exacerbado, para avocar o conhecimento de causas nas quais verificava fixações ínfimas ou exageradas, evitando o desequilíbrio que a omissão legislativa vinha causando e a repercussão social das injustiças causadas.
 
A nova conduta mereceu a dúvida: Como poderia a Corte avaliar o dano como irrisório ou excessivo sem que tivesse de critério, um parâmetro, ou seja, um valor que se considerasse razoável, para esse quilate?
 
Foi com essa indagação latente que o estudo tomou um viés estatístico, tendo por objeto a verificação não só das causas mais frequentes no foro, como os valores que vinham sendo repetidamente concedidos para hipóteses análogas e, em especial, na faixa de valores, a distribuição de critérios de aumento e diminuição, para concluir que, de fato, a Corte adotou fixações de modo uniforme para casos frequentes e similares.
 
Como resultado da leitura analítica de 3.000 decisões judiciais, foi possível a sugestão legislativa para a edição de PL visando a regulamentação exaustiva da valoração do dano moral em nosso ordenamento jurídico, com faixas de valores eleitas exclusivamente na jurisprudência do STJ, portanto, não baseada em valores aleatórios, mas reais; critérios para adequação do valor a essas faixas, estes também como resultado da mesma pesquisa, aptos a dar ao Judiciário dados objetivos no julgamento das demandas reparatórias, extraídos do entendimento prevalente naquela Corte.
 
A pesquisa prosseguiu para dar fundamento à obra, em suas 2ª, 3ª e 4ª edições, nas quais mais 2000 acórdãos foram adicionados em análise (até o ano de 2012) e o resultado acrescido à pesquisa anterior, vindo, nessa ocasião e por obra do deputado Valter Pereira, assessorado por Luiz Henrique Volpe Camargo, a ser apresentado ao Senado Federal, tornando-se o PLS 334/08, projeto esse que, após sugerida a aprovação pela Relatoria, veio a ser injustificadamente rejeitado, estando atualmente sob estudo a sua reapresentação.
 
O estudo teve, portanto, parâmetros claros e definidos: detectar a conduta da jurisprudência da mais alta Corte na competência dessa matéria e colocá-la como base para os tribunais de 2º grau; subsidiar o processo legislativo de regulamentação da matéria consagrada no texto constitucional, mediante valores e critérios objetivos, capazes de minorar as injustiças e disparidades verificadas e, ao mesmo tempo, colaborar para a perseguida diminuição da atividade recursal, que tanto assoberba o Judiciário, tendo em conta que o tratamento legal da matéria poderá gerar a aceitação das decisões emitidas dentro dos moldes da lei, além de evitar o debate vazio e inócuo.
 
Bom registrar que o próprio STJ se ressente dessa falta de regulamentação admitindo expressamente que “(…) o fato é que se vive hoje um novo tempo no direito, quer com o reconhecimento (e mais do que isto, como garantia constitucional) da indenização por dano moral, quer – e aí com revelação de certa perplexidade – no concernente à sua fixação ou avaliação pecuniária, à míngua de indicadores concretos[1], o que resulta, não raro, em contradições que detecta em seus julgados, como bem ilustra hipótese em que verificou “(..) a existência de similitude fática entre os acórdãos aduzindo, nesse passo, que “(..) para hipóteses idênticas, duas turmas desta Corte proferiram decisões diametralmente opostas, uma no sentido de que o valor da indenização em 180 salários mínimos é exagerada e a outra, a proferida nestes autos, entendendo que o valor da indenização em 200 salários mínimos seria razoável[2]“.
 
Finalmente, o estudo pretendeu colaborar com a evolução do tema, ao atingir seus principais objetivos, o primeiro deles, o maior equilíbrio na dosagem das condenações e atrair os tribunais para o grande debate que hoje se desenvolve em torno dos critérios e da valoração da dor moral, numa proposta de uniformização; o segundo, de dar relevo ao mais importante, de sensibilizar o poder Legislativo para a urgência no tratamento da matéria, diante das enormes injustiças causadas pela omissão legislativa, muito superiores às críticas que são feitas em regra pelos que perseveram e consideram vantajosa seja mantida a busca da reparação moral como uma grande (e injusta) loteria.
 
Portanto, causa espécie que a mídia reproduza como oficiais, valores aleatórios pinçados da jurisprudência da Corte, sem qualquer critério ou comprometimento estatístico, muito menos representatividade.
 
Em sequencia, os resultados encontrados e que, não é demais repetir, fruto do entendimento prevalente no STJ :
PROJETO DE LEI DO SENADO 334/08
 
Regulamenta o dano moral e a sua reparação.
 
O CONGRESSO NACIONAL decreta:
 
Art. 1º A indenização do dano moral, quando devida, será fixada em conformidade com o disposto nesta Lei.
 
Parágrafo único. Sempre que possível, tempestiva e suficiente, a reparação natural terá preferência sobre a pecuniária.
 
Art. 2º Considera-se dano moral toda ação ou omissão que ofenda o patrimônio ideal da pessoa física ou jurídica e dos entes políticos.
 
§ 1º O dano à imagem das pessoas jurídicas será verificado depois de aferida a repercussão material do fato.
 
§ 2º O simples aborrecimento não gera direito a indenização.
 
Art. 3º Ressalvada da hipótese de reparação natural tempestiva e suficiente, a indenização a que se refere o art. 1º tem caráter exclusivamente compensatório e a sua fixação deverá considerar:
I – o bem jurídico ofendido;
 
II – a posição socioeconômica da vítima;
 
III – a repercussão social e pessoal do dano;
 
IV – a possibilidade de superação psicológica do dano, quando a vítima for pessoa física, e de recomposição da imagem econômica ou comercial, quando pessoa jurídica;
 
V – a extensão da ofensa e a duração dos seus efeitos;
 
VI – o potencial inibitório do valor estabelecido.
 
Parágrafo único. Na apreciação da demanda, o juiz poderá considerar outros elementos que determinem a gravidade da lesão ao patrimônio ideal do ofendido.
 
Art. 4º O dano moral é intransmissível.
 
Parágrafo único. O direito a indenização por dano moral, depois de reconhecido por decisão judicial transitada em julgado, transmite-se aos herdeiros ou sucessores da pessoa física ou jurídica ofendida.
 
Art. 5º A indenização do dano moral pode ser pedida cumulativamente com a dos danos materiais decorrentes do mesmo fato.
 
§ 1º A sentença que acolher os pedidos determinará o tipo de reparação pertinente ao dano moral e discriminará, quando pecuniária, o respectivo valor.
 
§ 2º A indenização pelo dano material será considerada integrante da devida pelo dano moral, quando importar em abrandamento deste.
 
Art. 6º O valor da indenização por dano moral será fixado de acordo com os seguintes parâmetros, nos casos de:
I – morte: de R$ 41.500,00 (quarenta e um mil reais) a R$ 249.000,00 (duzentos e quarenta e nove mil);
 
II – lesão corporal: de R$ 4.150,00 (quatro mil, cento e cinqüenta reais) a R$ 124.500,00 (cento e vinte e quatro mil e quinhentos reais);
 
III – ofensa à liberdade: de R$ 8.300,00 (oito mil e trezentos reais) a R$ 124.500,00 (cento e vinte e quatro mil e quinhentos reais);
 
IV – ofensa à honra:
a) por abalo de crédito: de R$ 8.300,00 (oito mil e trezentos reais) a R$ 83.000,00 (oitenta e três mil reais);
 
b) de outras espécies: de R$ 8.300,00 (oito mil e trezentos reais) a R$ 124.500,00 (cento e vinte e quatro mil e quinhentos reais);
 
V – descumprimento de contrato: de R$ 4.150,00 (quatro mil, cento e cinqüenta reais) a R$ 83.000,00 (oitenta e três mil reais).
 
§ 1º Na fixação da indenização, o juiz considerará sempre as circunstâncias descritas no art. 3º e especialmente:
I – na hipótese do inciso I do caput deste artigo, a proximidade do ofendido com a vítima, bem como a expectativa de vida desta;
 
II – no caso do inciso II do caput deste artigo:
a) o grau de incapacidade resultante para a vítima, que determinará, sendo total ou permanente, o acréscimo de cinqüenta por cento no valor fixado;
 
b) a existência de dano estético, passível de correção, total ou parcial, mediante tratamento, cujo custo deverá ser assumido pelo ofensor ou pago ao ofendido, se este assim o preferir, a título de reparação natural, sem prejuízo da indenização de dano moral de natureza diversa, decorrente do mesmo fato;
 
c) a existência de dano estético, não passível de correção, que deverá ser indenizado mediante acréscimo de vinte por cento no valor fixado para a reparação pecuniária do dano moral de natureza diversa, decorrente do mesmo fato, ou, na sua falta, mediante o pagamento de um valor entre R$ 4.150,00 (quatro mil, cento e cinquenta reais) e R$ 62.250,00 (sessenta e dois mil e duzentos e cinquenta reais), de acordo com a gravidade do dano.
 
III – na hipótese do inciso III do caput deste artigo, o tempo em que o ofendido ficou injustamente privado da liberdade;
 
IV – no caso do inciso IV do caput deste artigo, a utilização da imprensa para a realização da ofensa, hipótese em que o valor da reparação pecuniária será fixado em razão de número de emissões, da amplitude da circulação e da abrangência do veículo, e acrescido de dez por cento.
 
§ 2º No caso de ofensa à honra por abalo de crédito, a reparação pecuniária, quando for o caso, deverá considerar:
I – as providências que o ofensor tiver adotado para evitar a persistência do fato;
 
II – a existência de fatos similares e contemporâneos;
 
III – a repercussão objetiva, de acordo com a existência de outros fatos diretamente relacionados com a natureza do dano.
 
§ 3º Sempre que a ofensa resultante de descumprimento de contrato importar risco grave à vida ou à saúde, a reparação será fixada no limite máximo a que se refere o inciso V do caput deste artigo.
 
§ 4º A reparação do dano, quando condenada a Fazenda Pública, será feita segundo os parâmetros estabelecidos neste artigo, observada a redução final de vinte por cento sobre o respectivo valor.
 
§ 5º Na hipótese de culpa concorrente, o valor da reparação será reduzido pela metade.
 
Art. 7º A ação de indenização por danos morais deverá ser proposta em litisconsórcio ativo necessário:
I – pelo ofendido e integrantes de seu núcleo familiar, quando a todos for possível demandar em nome próprio;
 
II – pelos integrantes do núcleo familiar do ofendido, quando a este não for possível demandar em nome próprio.
 
§ 1º Integram o núcleo familiar, para os efeitos desta lei, os descendentes, o cônjuge ou companheiro sob união estável, os ascendentes e, na linha colateral, os parentes em primeiro grau.
 
§ 2º A sentença que acolher o pedido deverá, se houver reparação pecuniária, acrescer um terço ao valor fixado de acordo com os parâmetros previstos no art. 6º, bem como definir a parte de cada litisconsorte.
 
§ 3º As ações de pessoas diversas das referidas nos incisos I e II deste artigo deverá ser propostas em conformidade com as regras gerais previstas na legislação processual civil e julgadas de acordo com a qualidade da relação entre o autor e o ofendido, observado o disposto nesta Lei.
 
Art. 8º Os acréscimos e reduções de que tratam os arts. 6º e 7º serão considerados após a fixação do valor da reparação, dentro dos limites estabelecidos pelos incisos do caput do mesmo art. 6º, ainda que o resultado final os extrapole.
 
Art. 9º Prescreve em três anos, contados da data da ofensa, a pretensão que tenha por objeto a reparação de dano moral.
 
Art. 10. Os valores mencionados no art. 6º serão corrigidos mês a mês pelo índice nacional de preços ao consumidor medido por instituição pública federal ou qualquer outro que venha a substituí-lo.
 
Art. 11. Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.
 
[1] AgRg no Ag 850.273/BA, Rel. Ministro HONILDO AMARAL DE MELLO CASTRO (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ/AP), QUARTA TURMA, julgado em 03/08/2010, DJe 24/08/2010.
 
[2] AgRg nos EREsp 1023240/CE, Rel. Ministro HAMILTON CARVALHIDO, CORTE ESPECIAL, julgado em 01/10/2008, DJe 20/10/2008.
 
Autor (a): Mirna Cianci, procuradora do Estado de São Paulo