A sentença condenou o Banco do Brasil a pagar a reposição para clientes de todo o país, e a Quarta Turma entendeu que a abrangência nacional da decisão, já transitada em julgado, não poderia ser rediscutida agora, na fase de cumprimento.
O artigo 16 da Lei 7.347/85 diz que a sentença fará coisa julgada para todos, nos limites da competência territorial do órgão julgador. No entanto, segundo a relatora do recurso, ministra Isabel Gallotti, isso não está em questão no caso dos poupadores de São Paulo, pois a sentença coletiva, referendada pelo Tribunal de Justiça do Distrito Federal (TJDF), já transitou em julgado.
“Mesmo que se entenda que tal acórdão violou o artigo 16 da Lei da Ação Civil Pública, este erro não impede o trânsito em julgado da decisão judicial”, afirmou.
Ela observou também que, embora o caráter nacional da demanda tenha sido declarado apenas no corpo da fundamentação da sentença e não em sua parte conclusiva, chamada dispositivo, isso não tira a força da decisão nesse ponto nem impede que se converta em coisa julgada.
Âmbito nacional
Ajuizada inicialmente em São Paulo pelo Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), a ação pretendia obter uma única sentença, para que os poupadores de todo o país recebessem a reposição do expurgo, evitando que cada um tivesse de promover uma demanda individual.
Entretanto, o juízo de primeiro grau entendeu que, por abranger toda uma coletividade no âmbito nacional, a ação deveria ser processada no local da sede do Banco do Brasil, e enviou os autos para o Distrito Federal.
Na sentença proferida pelo juízo de Brasília, o banco foi condenado a incluir o índice de 48,16% no cálculo do reajuste dos valores depositados pelos clientes. Na ocasião, o juiz reafirmou o entendimento de que a demanda teria alcance nacional, mas a referência a essa questão não constou no dispositivo da sentença. O banco entrou com recurso para questionar a abrangência da sentença, porém o TJDF confirmou integralmente a decisão do juiz.
Após o trânsito em julgado, ao analisar pedido de cumprimento individual da sentença coletiva feito por poupadores de São Paulo, o mesmo juízo de primeiro grau prolator da decisão entendeu que não existia título executivo em seu favor. O pedido foi extinto pelo juízo, ao argumento de que somente quem residia no Distrito Federal poderia ser alcançado pela sentença.
O TJDF manteve esse entendimento, com base no artigo 16 da Lei 7.347, que limita a abrangência da sentença em ação civil pública à competência territorial do órgão prolator.
O tribunal distrital rejeitou a alegação de que o juiz havia desrespeitado o princípio da coisa julgada ao não reconhecer o direito dos residentes em São Paulo. Segundo o TJDF, “o que transita em julgado é o dispositivo da sentença e não os fundamentos utilizados pelo julgador”.
Recurso especial
No recurso ao STJ, os poupadores de São Paulo alegaram violação do artigo 93, inciso II, do Código de Defesa do Consumidor, que diz que, no caso de danos de âmbito nacional ou regional, ressalvada a competência da Justiça Federal, a Justiça local é competente para a causa no foro da capital do estado ou do Distrito Federal.
Alegaram também violação ao artigo 471 do Código de Processo Civil, segundo o qual, “nenhum juiz decidirá novamente as questões já decididas, relativas à mesma lide”. O banco respondeu ao recurso, insistindo na tese de que a sentença na ação civil pública teria sua eficácia limitada ao território do Distrito Federal.
Para a ministra Isabel Gallotti, relatora do recurso especial, a sentença foi clara ao afirmar sua abrangência nacional e o efeitoerga omnes [para todos], embora isso não tenha constado no dispositivo, mas somente na fundamentação. “O dispositivo da sentença deve ser interpretado de forma coerente com a sua fundamentação”, afirmou.
Coisa julgada
Segundo Gallotti, houve ofensa à coisa julgada na decisão do TJDF que não permitiu o cumprimento da sentença em favor de poupadores que moram em outras localidades.
Ela afirmou que, se na ação civil pública ficou caracterizada a eficácia nacional da sentença a ser proferida (o que motivou a declinação da competência de São Paulo para o Distrito Federal); se as razões foram acolhidas pelo juízo de primeiro grau e confirmadas pelo acórdão do TJDF, “não cabe restringir os efeitos subjetivos da sentença após o trânsito em julgado”.
Citou precedente do STJ, segundo o qual, não é possível alterar o alcance da sentença em fase de liquidação/execução individual, “sob pena de vulneração da coisa julgada” (REsp 1.243.887-PR).
Gallotti concluiu que a desconstituição da decisão judicial que transitou em julgado só poderia ser tentada por meio de ação rescisória. Segundo ela, não cabe discutir agora se a decisão foi ou não correta no ponto em que definiu o alcance nacional, porque, mesmo que se entendesse ter havido violação do artigo 16 da Lei da Ação Civil Pública, ela formou coisa julgada e não pode mais ser alterada.