Tabela Price: juros simples ou compostos?
*Gilberto Melo
Resumo
O artigo disseca as diferentes teses que absurdamente afirmam que a Tabela Price não contemplaria juros compostos.
1. Introdução
Estabeleceu-se no sistema jurídico nacional uma polêmica entre os operadores de direito sobre uma questão que tem sido objeto de muitas demandas. Trata-se da discussão da validade, da legalidade de utilização da Tabela Price ou Sistema de Amortização Francês para diversos tipos de operações de crédito ou de arrendamento mercantil (Leasing) a serem liquidados por uma série de pagamentos iguais e sucessivos. O argumento principal nessas ações é de que a Tabela Price contempla juros compostos, juros sobre juros, o que seria vedado por lei, já que só se admite a capitalização composta de juros em operações financeiras para as quais haja lei autorizativa e que conste expressamente do contrato a previsão de aplicação de juros compostos. O assunto se tornou mais tormentoso ainda, pois até entre peritos ocorre dissenso, uns interpretando que ocorre a aplicação de juros sobre juros e outros entendendo que não. Nos propomos, no decorrer deste trabalho, desmistificar a questão, contribuindo para que se aclare o entendimento da matéria.
2. O que é o Sistema Francês de Amortização
Segundo o Prof. Mário Geraldo Pereira, em sua dissertação de Doutoramento na USP, este sistema de amortização foi criado no século XVIII pelo filósofo, teólogo e matemático inglês Richard Price, incorporando a teoria de juros compostos nos empréstimos de pagamentos iguais e sucessivos. Segundo este mesmo estudioso a denominação “Tabela Price” é utilizada somente no Brasil, visto que em outros países é conhecido por “Sistema Francês de Amortização, devido ao fato de ter se desenvolvido efetivamente na França, no século XIX. A Tabela Price nada mais é que uma tábua de fatores através dos quais se pode calcular, mediante simples operações matemáticas de multiplicação, o valor da prestação, assim como o valor de cada parcela de juros e amortização e o saldo devedor (estado da dívida) a qualquer momento durante a evolução da série de pagamentos. Convém deixar claro que os fatores embutem, quando do cálculo do valor da prestação inicial, os juros contratados, com o critério de capitalização composta. Já quanto à correção monetária, geralmente há a previsão de um indexador a ser aplicado para a preservação do poder aquisitivo da moeda.
3. Contexto histórico da criação da “Tabela Price”
Importante ainda salientar que na época em que foi criada a Tabela Price, no século XVIII, não existiam nem mesmo calculadoras, sendo os cálculos realizados por instrumentos rudimentares que não permitiriam o cálculo exponencial dos juros compostos. Esta tábua de fatores chamada Tabela Price veio possibilitar que os cálculos fossem feitos com simples operações matemáticas, adequadas aos instrumentos disponíveis à época, caso contrário seriam necessárias calculadoras financeiras que não existiam àquele tempo. Para melhor ilustrar a dificuldade do homem médio de se elaborar cálculos financeiros, em 1971, quando cursávamos o primeiro ano de Engenharia na UFMG, somente dois alunos em nossa classe possuíam calculadoras manuais. Todos os outros alunos se utilizavam da régua de cálculo para fazer todos os cálculos, desde os mais simples até os mais complexos. Nesta ocasião já havia o curso de programação Fortran na Escola de Engenharia, mas o computador era único, situado na Reitoria da UFMG, funcionava a cartões perfurados e ocupava parte apreciável da enorme sala onde se localizava. Com a elaboração da Tabela Price de fatores para diferentes situações de taxas e de prazos possibilitou-se ao leigo o acesso à evolução de sua operação de crédito ou arrendamento mercantil. Em 1970 o Prof. Abelardo de Lima Puccini publicou um livro intitulado “Tabela Price – Impressa em Computador”, onde apresentou fatores para taxas de juros variando de 5% a 36% ao ano e prazos de financiamento de um a vinte anos. Até então e ainda por algum tempo consultava-se na Tabela Price os fatores necessários para se fazer os cálculos de financiamentos ou arrendamento mercantil neste sistema. Com a grande disponibilidade, a custos acessíveis, de calculadoras financeiras e computadores pessoais, deixou-se de consultar os referidos fatores e passou-se a usar estes equipamentos, onde se entra com os parâmetros necessários e se obtém imediatamente os valores procurados.
4. Outros sistemas de amortização
No decorrer deste trabalho nos referiremos sempre ao Sistema Francês de Amortização, ou Tabela Price, que é um sistema de prestações constantes, convencionando-se que com a ocorrência de pagamentos e deduzindo-se os juros sobre o saldo devedor, a diferença entre estes e o valor fixo da parcela é lançado a título de amortização. Há entretanto outros sistemas de financiamento, quais sejam:
SAC – Sistema de Amortizações Constantes
SAM – Sistema de Amortizações Misto (Média aritmética de Price + SAC)
SACRE – Sistema de Amortizações Crescentes
Estes sistemas, apesar de distintos na forma da distribuição dos juros e da amortização ao longo do financiamento, são todos baseados em capitalização composta, configurando também o anatocismo, como ocorre com a Tabela Price. Por isto quando nos referimos à Tabela Price no decorrer deste trabalho estamos nos referindo a todos estes sistemas de amortização.
5. Capitalização simples ou composta?
Várias argumentações são colocadas contra a interpretação de que a Tabela Price contempla capitalização composta, juros sobre juros, anatocismo. Abordaremos a seguir cada uma dessas motivações, com o intuito de alcançarmos uma visão clara e definitiva da matéria sob exame.
Várias argumentações são colocadas contra a interpretação de que a Tabela Price contempla capitalização composta, juros sobre juros, anatocismo. Abordaremos a seguir cada uma dessas motivações, com o intuito de alcançarmos uma visão clara e definitiva da matéria sob exame.
5.1 Mercado x Sistema Jurídico
Argumenta-se que não é razoável guerrear a Tabela Price, visto que é um sistema mundialmente utilizado e que a utilização de juros compostos é comum no mercado financeiro, que seria um absurdo tentar mudar todo o cálculo de juros no sistema financeiro para juros simples. Alega-se, ainda, que se os juros no mercado financeiro passarem a ser simples isto certamente vai causar reflexo no aumento das taxas de juros, de tal forma a preservar o lucro líquido dos agentes financeiros. Nesta linha de abordagem reputa-se como mais importante o vulto da taxa de juros aplicada e não se são simples ou compostos. Primeiramente há que se ressaltar que o mercado pode sim influenciar os procedimentos nas operações financeiras, mas somente através de Lei. Entenda-se, portanto, que enquanto uma Lei estiver em vigor, mesmo que contrarie toda a prática do mercado e o bom senso, esta lei tem que ser cumprida, sob pena de não ser possível manter a ordem jurídica no País. Para a manutenção do Estado de Direito é preciso que as regras sejam claras e sejam cumpridas, pois do contrário se instalaria a anarquia. Se as leis não foram mudadas, o sistema financeiro tem que se adequar a elas, mesmo que com reflexo no aumento das taxas nominais de juros, os quais, aliás, são livremente estipuladas pelas instituições financeiras. Examinando-se no sentido contrário, poderíamos concluir que se o sistema adotado fosse o de juros simples e depois a lei mudasse para juros compostos, seria de se esperar que houvesse a respectiva redução nas taxas nominais. Insistimos mais uma vez: É necessário que as regras sejam claras e respeitadas, o que não significa que elas não possam ser mudadas, através de leis que o façam.
5.2 Juros sobre saldo devedor não implicam em juros sobre juros.
Nesta linha de abordagem os defensores da tese de que não se contempla juros compostos na Tabela Price alegam que neste sistema os juros são lançados mês a mês sobre o saldo devedor e que a diferença entre o pagamento e os juros é lançada como amortização, não ocorrendo a incidência de juros sobre juros. Ora, os juros são lançados a débito mensal na planilha financeira da operação de crédito apenas através de convenção utilizada pelo criador do sistema. Convencionou-se que a cada mês são calculados os juros e só a diferença pode ser lançada a título de amortização do principal. Na linguagem da matemática financeira, entretanto, esta convenção é absolutamente irrelevante, pois dento dos princípios matemáticos só faz sentido raciocinar em termos de um valor presente que é obtido numa data zero e cujos pagamentos são feitos sucessivamente através de várias parcelas futuras.
5.3 Critério universal: Fluxo de caixa descontado
A única forma de se aferir os efeitos financeiros na operação de crédito ou arrendamento mercantil é trazer todos os pagamentos a valor presente, utilizar-se o que se chama “fluxo de caixa descontado”. Como premissa da matemática financeira, em se tratando de juros compostos, só interessa que foi transferida uma importância numa data inicial e são feitos vários pagamentos para retornar o capital, não interessando se a título de juros ou de amortização. Como os juros são frutos do capital, são tratados na mesma unidade do capital e não faz a menor diferença de como se convencionou lançá-los contabilmente. Há que se frisar que em todas as operações de crédito e arrendamento mercantil de prazo de pagamento sucessivo de dois meses ou mais, em havendo lançamento mensal de juros ocorre a incidência de juros sobre juros, ou seja, o simples fato de que os juros incidem sobre o saldo devedor não significa que são juros simples.
5.4 Os juros compostos são utilizados no cálculo da prestação, a planilha de evolução do financiamento apenas os confirma
É muito importante ressaltar, outrossim, que a aplicação da fórmula da Tabela Price para o cálculo da prestação já insere imediatamente em si os efeitos da capitalização composta na operação. A tentativa de se deslocar a discussão para o sistema de amortização, de como são lançados juros e amortização do principal é, via de consequência, totalmente inócua, pois o efeito da capitalização composta já se faz presente quando se utiliza a fórmula abaixo e se calcula o valor da prestação:
R = P x [ i (1 + i)n ] ÷ [ (1 + i )n -1]
5.3 Critério universal: Fluxo de caixa descontado
A única forma de se aferir os efeitos financeiros na operação de crédito ou arrendamento mercantil é trazer todos os pagamentos a valor presente, utilizar-se o que se chama “fluxo de caixa descontado”. Como premissa da matemática financeira, em se tratando de juros compostos, só interessa que foi transferida uma importância numa data inicial e são feitos vários pagamentos para retornar o capital, não interessando se a título de juros ou de amortização. Como os juros são frutos do capital, são tratados na mesma unidade do capital e não faz a menor diferença de como se convencionou lançá-los contabilmente. Há que se frisar que em todas as operações de crédito e arrendamento mercantil de prazo de pagamento sucessivo de dois meses ou mais, em havendo lançamento mensal de juros ocorre a incidência de juros sobre juros, ou seja, o simples fato de que os juros incidem sobre o saldo devedor não significa que são juros simples.
5.4 Os juros compostos são utilizados no cálculo da prestação, a planilha de evolução do financiamento apenas os confirma
É muito importante ressaltar, outrossim, que a aplicação da fórmula da Tabela Price para o cálculo da prestação já insere imediatamente em si os efeitos da capitalização composta na operação. A tentativa de se deslocar a discussão para o sistema de amortização, de como são lançados juros e amortização do principal é, via de consequência, totalmente inócua, pois o efeito da capitalização composta já se faz presente quando se utiliza a fórmula abaixo e se calcula o valor da prestação:
R = P x [ i (1 + i)n ] ÷ [ (1 + i )n -1]
Onde:
R = Prestação
P = Principal
i = Taxa
n = Número de parcelas
A alegação de alguns de que a divisão de uma expressão exponencial por outra expressão exponencial suprimiria os efeitos da capitalização composta é uma aberração matemática que nem merece comentários. Argumenta-se também que tomando-se apenas uma parcela de pagamento no sistema Price constata-se que os juros são simples. A afirmação é destituída de fundamento, pois como se trata de um sistema de financiamento, não se concebe matematicamente que seja comparado apenas um mês, há que se considerar todo o sistema em seu contexto geral e não em partes visto que a capitalização composta só se configura para um número de parcelas maior que um.
5.5 Argumentações sob o ponto de vista contábil
Outras motivações para atacar a hipótese dos juros compostos na Tabela Price abordam a Teoria Geral do Conhecimento Contábil e a correta interpretação da origem do fenômeno patrimonial. Nesta linha de trabalho considera-se cada parcela de pagamento isoladamente, sem a análise do sistema em seu contexto geral, o que não é permitido, conforme expusemos no final do item anterior. Obviamente que as empresas obrigadas a elaborar demonstrações contábeis têm que apropriar separadamente os valores a título de juros e a título de amortização do principal. A intenção do legislador e a função jurisdicional do Judiciário, porém, é a análise em termos financeiros e não contábeis, abrangendo tanto empresas como pessoas físicas. Como já afirmamos linhas atrás a matemática financeira analisa todas as operações como um fluxo de caixa descontado, onde se transfere uma quantia inicialmente, a qual retorna através de vários pagamentos. Não importa, para os efeitos que a Lei intenta prevenir, o valor individual dos juros e da amortização, mas sim os efetivos pagamentos realizados que, levados a valor presente, serão confrontados com o principal, aferindo os demais parâmetros da operação.
5.6 Juros sobre juros e capitalização composta não se confundem
Há alegações de que os juros sobre juros não são a mesma coisa que capitalização composta, pois se os juros foram vencidos e não pagos incorporam-se ao capital, desaparecendo a figura dos juros sobre juros. Este argumento procede nos casos em que o vencimento dos juros ocorre em períodos menores que o período da operação de crédito. Mas o sistema Price tem a abordagem muito mais ampla e diferenciada. É um sistema que tem por objetivo determinar prestações iguais e sucessivas para retornar um capital cedido, não se falando de vencimento de juros durante o financiamento, mas apenas da forma de apropriá-los contabilmente.
5.7 Há a capitalização composta, mas não juros sobre juros ou anatocismo
Esta argumentação também falece de fundamento, tendo em vista que a matemática financeira, através de conceitos e fórmulas, só admite duas formas de aplicação de juros: simples ou compostos. Se não são simples, só podem ser compostos. Pela simples utilização da fórmula já se embutem os juros compostos nas prestações a serem pagas. Matematicamente só se consegue retornar o mesmo capital, no Sistema Francês de Amortização, se as prestações forem retornadas a valor presente pela fórmula de juros compostos. Ademais, entendemos que a intenção do legislador foi de fixar o critério de juros simples, vedando qualquer outra forma mais onerosa. Em pesquisa bibliográfica que realizamos só encontramos textos que identificam entre si, e não diferenciam, os efeitos de capitalização composta, juros sobre juros e anatocismo.
6. Conclusão
Esgotam-se, portanto, todas as tentativas de contestar o óbvio: A Tabela Price contempla juros compostos, ou seja, juros sobre juros, configurando o anatocismo. A melhor forma de se testar esta assertiva é fazer o fluxo de caixa descontado retornando a valor presente todas as parcelas pela fórmula de juros compostos, chegando-se, assim, ao valor da operação de crédito. Se, ao contrário, for utilizada a fórmula de juros simples para retornar as prestações a valor presente, chegar-se-á a um valor que não coincide com o valor do principal da operação.
5.5 Argumentações sob o ponto de vista contábil
Outras motivações para atacar a hipótese dos juros compostos na Tabela Price abordam a Teoria Geral do Conhecimento Contábil e a correta interpretação da origem do fenômeno patrimonial. Nesta linha de trabalho considera-se cada parcela de pagamento isoladamente, sem a análise do sistema em seu contexto geral, o que não é permitido, conforme expusemos no final do item anterior. Obviamente que as empresas obrigadas a elaborar demonstrações contábeis têm que apropriar separadamente os valores a título de juros e a título de amortização do principal. A intenção do legislador e a função jurisdicional do Judiciário, porém, é a análise em termos financeiros e não contábeis, abrangendo tanto empresas como pessoas físicas. Como já afirmamos linhas atrás a matemática financeira analisa todas as operações como um fluxo de caixa descontado, onde se transfere uma quantia inicialmente, a qual retorna através de vários pagamentos. Não importa, para os efeitos que a Lei intenta prevenir, o valor individual dos juros e da amortização, mas sim os efetivos pagamentos realizados que, levados a valor presente, serão confrontados com o principal, aferindo os demais parâmetros da operação.
5.6 Juros sobre juros e capitalização composta não se confundem
Há alegações de que os juros sobre juros não são a mesma coisa que capitalização composta, pois se os juros foram vencidos e não pagos incorporam-se ao capital, desaparecendo a figura dos juros sobre juros. Este argumento procede nos casos em que o vencimento dos juros ocorre em períodos menores que o período da operação de crédito. Mas o sistema Price tem a abordagem muito mais ampla e diferenciada. É um sistema que tem por objetivo determinar prestações iguais e sucessivas para retornar um capital cedido, não se falando de vencimento de juros durante o financiamento, mas apenas da forma de apropriá-los contabilmente.
5.7 Há a capitalização composta, mas não juros sobre juros ou anatocismo
Esta argumentação também falece de fundamento, tendo em vista que a matemática financeira, através de conceitos e fórmulas, só admite duas formas de aplicação de juros: simples ou compostos. Se não são simples, só podem ser compostos. Pela simples utilização da fórmula já se embutem os juros compostos nas prestações a serem pagas. Matematicamente só se consegue retornar o mesmo capital, no Sistema Francês de Amortização, se as prestações forem retornadas a valor presente pela fórmula de juros compostos. Ademais, entendemos que a intenção do legislador foi de fixar o critério de juros simples, vedando qualquer outra forma mais onerosa. Em pesquisa bibliográfica que realizamos só encontramos textos que identificam entre si, e não diferenciam, os efeitos de capitalização composta, juros sobre juros e anatocismo.
6. Conclusão
Esgotam-se, portanto, todas as tentativas de contestar o óbvio: A Tabela Price contempla juros compostos, ou seja, juros sobre juros, configurando o anatocismo. A melhor forma de se testar esta assertiva é fazer o fluxo de caixa descontado retornando a valor presente todas as parcelas pela fórmula de juros compostos, chegando-se, assim, ao valor da operação de crédito. Se, ao contrário, for utilizada a fórmula de juros simples para retornar as prestações a valor presente, chegar-se-á a um valor que não coincide com o valor do principal da operação.
* O Autor é parecerista jurídico-econômico-financeiro, especialista em liquidação de sentença e cálculos judiciais, extrajudiciais e de precatórios, propositor da tabela uniforme de fatores de atualização monetária para a Justiça Estadual aprovada no 11º ENCOGE, engenheiro, advogado e pós-graduado em contabilidade, com site em www.gilbertomelo.com.br.