O STF desempenha um papel essencial na resolução das principais questões do direito brasileiro, como no caso do Tema 1.170, que trata da aplicação do índice de juros previsto no artigo 1º-F da Lei 9.494/1997, com a redação dada pela lei 11.960/09, em execuções de títulos judiciais que estabeleceram critérios distintos. Esse tema está diretamente relacionado ao Tema 810, decidido em 2017, que declarou a inconstitucionalidade da TR – Taxa Referencial como índice de correção monetária.
O cenário antes do Tema 810
Não se pode abordar o Tema 1.170 sem antes discorrer sobre o Tema 810, que o antecedeu.
Antes do julgamento do Tema 810, a condenação contra a Fazenda Pública era regida pelo art. 1º-F da lei 9.494/1997, alterado pela lei 11.960/09, que determinava a aplicação dos índices da caderneta de poupança (baseados na TR) para correção e juros moratórios.
Esse sistema foi amplamente criticado, pois a TR, ao longo do tempo, mostrou-se inadequada para compensar a perda inflacionária, impactando significativamente os valores devidos aos credores do poder público.
Justamente por isso, em 2015, o STF, ao julgar as ADIns 4.357 e 4.425, declarou a inconstitucionalidade parcial do regime de precatórios estabelecido pela Emenda Constitucional nº 62/2009, incluindo a utilização da TR como índice de correção. No entanto, essa decisão se limitou aos precatórios, deixando em aberto a aplicação em outras execuções contra a Fazenda Pública.
O julgamento do Tema 810: Um marco jurisprudencial
O Tema 810, originado do leading case RE 870.947, sob a relatoria do Ministro Luiz Fux, estabeleceu a inconstitucionalidade da TR como índice de correção a ser aplicado nas condenações da Fazenda Pública em questões não tributárias.
Após minuciosa análise, o Supremo decidiu que a TR fere o direito de propriedade (art. 5º, XXII, da CF), pois não reflete a verdadeira variação de preços na economia (inflação), determinando sua substituição pelo IPCA-E (Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo Especial), mas manteve a constitucionalidade dos juros da caderneta de poupança para relações não tributárias.
O STF rejeitou a modulação dos efeitos da decisão, garantindo a eficácia retroativa (ou seja, desde a vigência da lei 11.960/09, ocorrida em 29/06/2009) que gerou debates sobre sua aplicação em relação aos títulos judiciais transitados em julgado que estabeleciam a TR como índice de correção a ser aplicado. Assim, um novo pronunciamento do STF tornou-se necessário.
O julgamento do Tema 1170
O Tema 1.170, originado pelo RE 1.317.982, sob a relatoria do Ministro Nunes Marques, tratou especificamente da aplicação dos juros moratórios em execuções contra a Fazenda Pública.
A controvérsia girava em torno de decidir, “à luz dos artigos 5º, XXXV, XXXVI e LIV, e 105, III, da Constituição Federal a aplicabilidade dos juros previstos na Lei 11.960/2009, tal como definido no julgamento do RE 870.947 (Tema 810 da repercussão geral), na execução de título judicial que tenha fixado expressamente índice diverso“.
A tese fixada foi:
“É aplicável às condenações da Fazenda Pública envolvendo relações jurídicas não tributárias o índice de juros moratórios estabelecido no art. 1º-F da Lei n. 9.494/1997, na redação dada pela Lei n. 11.960/2009, a partir da vigência da referida legislação, mesmo havendo previsão diversa em título executivo judicial transitado em julgado“.
Dessa forma, ao resolver a controvérsia, o STF entendeu que a aplicação de normas supervenientes não viola a coisa julgada, mas reflete a natureza contínua das obrigações, com base no princípio “tempus regit actum“. Segundo o voto do ministro relator Nunes Marques, “Por serem os juros moratórios efeitos continuados do ato, a pretensão de recebimento acaba por renovar-se todo mês. Logo, ausente ofensa à coisa julgada, porquanto não há desconstituição do título judicial exequendo, mas apenas aplicação de normas supervenientes cujos efeitos imediatos alcançam situações jurídicas pendentes“.
A estreita relação entre os Temas 810 e 1.170
O Tema 810 estabeleceu um precedente importante sobre a inconstitucionalidade da TR e a necessidade de índices que mantenham o valor real do crédito, refletindo, de forma fidedigna, a variação da inflação. Por outro lado, o Tema 1170 detalhou a aplicação dos juros moratórios, complementando a lógica do Tema 810. Assim, enquanto o primeiro se concentrou na correção monetária, o segundo ampliou essa lógica para os juros, padronizando as normas de competência em relação à Fazenda Pública.
Os temas se conjugam ao reafirmarem entendimento de que o direito não é uma ciência estática e as normas que surgem posteriormente podem afetar relações jurídicas que ainda estão pendentes, mesmo após o trânsito em julgado, desde que não desfaçam o núcleo essencial do título judicial. Essa visão traz uma interpretação mais dinâmica da coisa julgada, adaptando-se às particularidades das obrigações contínuas e à necessidade de usar índices que reflitam as perdas inflacionárias.
Dos impactos na fase executiva
Na prática, o Tema 1.170 significa que, nas execuções contra a Fazenda Pública que começaram ou estão em andamento após 29 de junho de 2009 (data de início da vigência da Lei 11.960/09), os juros moratórios devem seguir o índice da caderneta de poupança, independentemente do que foi estipulado no título judicial.
A decisão do Tema 1.170 deixa claro que a coisa julgada não é uma regra rígida em relações jurídicas de trato sucessivo, como os juros moratórios, que se renovam a cada período. Isso significa que uma nova norma legal ou uma decisão de repercussão geral pode mudar os termos da execução, desde que o direito reconhecido no título continue sendo respeitado. Essa interpretação está em sintonia com o entendimento do Tema 810, que já permitia a alteração da TR pelo IPCA-E em execuções, mesmo em casos de título judicial transitado em julgado.
A aplicação do Tema 1.170 ainda pode gerar discussões durante a fase de execução, especialmente quando o exequente insiste nos índices originais do título. Os tribunais de base têm usado essa tese para revisar cálculos, mas a ausência de uma modulação temporal pelo STF pode criar insegurança jurídica em execuções mais antigas. Além disso, a Emenda Constitucional 113/21, que trouxe a Selic como índice de atualização, adiciona uma camada extra de complexidade.
O Tema 1.170 do STF, junto ao Tema 810, marca um passo importante na padronização dos critérios de atualização e juros moratórios nas condenações contra a Fazenda Pública. Historicamente, essas decisões refletem a busca por um equilíbrio entre a proteção dos direitos dos credores e a capacidade financeira do poder público. Na prática, aplicar a tese do Tema 1170 no processo de execução requer ajustes nos cálculos e um avanço sobre a coisa julgada, especialmente em relação aos consectários legais da condenação, ressaltando a natureza dinâmica do direito processual civil brasileiro quanto as obrigações de trato sucessivo.
Autora: Gabriella Santos
Fonte: https://www.migalhas.com.br/depeso/427668/correcao-monetaria-e-juros-moratorios-na-condenacao-imposta-a-fazenda