Gilberto Melo

Dívidas de IR sobre lucros no exterior poderão ficar livres de multa e juros

O ministro da Fazenda, Guido Mantega, ofereceu isenção de multas e juros caso as empresas em dívida com a Receita Federal – por não recolherem impostos sobre lucros obtidos por coligadas ou controladas no exterior – quitem seus débitos à vista. O passivo, que supera R$ 70 bilhões, pode ser reduzido para até R$ 25 bilhões, segundo a proposta do governo federal.
 
A ideia é que as empresas decidam sobre a adesão ao programa até novembro, segundo apurou o Valor. Para isso, o governo pretende editar medida provisória disciplinando os pagamentos.
 
Em reunião que teve ontem em São Paulo com empresários, Guido Mantega também propôs uma outra alternativa: o pagamento da dívida em até 120 meses com redução de 20% nas multas e 50% nos juros devidos. Nesse caso, as empresas teriam que recolher 20% da dívida à vista.
 
Mantega corre contra o tempo. As frustrações de receitas neste ano e o aumento das desonerações para 2014 levaram a Fazenda a acelerar as negociações de grandes contenciosos tributários, capazes de gerar volumes expressivos de arrecadação para os cofres da União. Ao mesmo tempo que estabelece novas regras de tributação, o governo negocia as dívidas acumuladas para criar um fluxo adicional de receitas ainda neste ano.
 
De acordo com os dados divulgados pelo Banco Central (BC), o superávit primário do setor público totalizou R$ 54,44 bilhões até julho, o equivalente a 49,1% da meta prevista para o ano. Para conseguir cumprir a meta de 2,3% do PIB, o governo terá que aumentar o esforço fiscal em 45% nos últimos cinco meses do ano.
 
A disputa sobre a tributação no exterior afeta principalmente grandes empresas. Vale, Gerdau, Natura, Itaú Unibanco, Ambev, CSN, Braskem – todas têm passivos tributários anotados em seus balanços relativos a autuações pela Receita Federal.
 
O ministro Guido Mantega também apresentou ao setor privado proposta do governo para a nova tributação de coligadas e controladas no exterior, com alíquota de 20% sobre o lucro.
 
O governo aceita que os prejuízos ocorridos em subsidiárias no exterior sejam abatidos de lucros obtidos nesses mesmos países. Para isso, a empresa teria um prazo de até cinco anos. Com isso, a tributação no Brasil se daria não pelo lucro total obtido no exterior, mas passaria a ser abatido de eventuais resultados negativos num determinado país.
 
Caso as controladas ou coligadas das matrizes forem taxadas num percentual superior aos 20%, não haverá impostos devidos no Brasil – desde que já tenha sido recolhido o tributo no país onde o resultado foi obtido. Se a taxação na origem for inferior a essa alíquota-base, a controladora brasileira terá que recolher o Imposto de Renda (IRPJ) e a Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) no Brasil.
 
Um outro ponto que satisfaz o setor privado é a forma de pagamento do imposto devido. O governo permitirá uma espécie de diferimento por oito anos, com a maior parte do pagamento concentrada no fim desse período. O imposto devido será corrigido pela Libor, taxa de juros do mercado interbancário de Londres.
 
A discussão deve continuar numa próxima reunião porque as empresas querem o que se chama “consolidação vertical” de seus lucros e prejuízos. Nesse modelo, seria possível abater o prejuízo de uma subsidiária no exterior do lucro obtido no Brasil e consolidar um resultado global.
 
O fisco resiste a essa proposta porque acha que não terá o controle necessário para fiscalizar e que o mecanismo abre espaço para planejamento tributário. Argumenta ainda que o modelo foi usado em países desenvolvidos, que agora discutem mudanças na regra por causa da erosão da base tributária desses países.
 
A disputa sobre o recolhimento de impostos de coligadas e controladas no exterior está no Supremo Tribunal Federal (STF). As empresas alegam que o tributo só é devido quando internalizam o lucro gerado fora. A Receita Federal exige o pagamento no momento em que o resultado é auferido.
 
O STF já decidiu que sociedades controladas localizadas em paraísos fiscais devem tributos no Brasil. O pagamento, no entanto, não atinge as coligadas localizadas fora de paraísos fiscais e o entendimento do Supremo não chegou a esses casos.
 
Na proposta feita aos empresários, qualquer resultado aferido por subsidiárias em paraísos fiscais é integralmente tributado no Brasil.
 
Além de refinanciar a dívida pelo não pagamento dos lucros das subsidiárias de empresas brasileiras no exterior, a Fazenda também deve permitir que as empresas autuadas pela Receita Federal por abatimento indevido de ágio pago em fusões e aquisições possam parcelar suas dívidas com desconto de multas e juros. Segundo estimativas do setor privado, o passivo tributário dessas disputas pode alcançar a excepcional cifra de R$ 100 bilhões, incluindo multa e juros.
 
As condições de pagamento serão vantajosas, disse uma fonte do governo ao Valor PRO. A proposta do governo é que o desconto da dívida seja crescente quanto menor for o prazo de pagamento escolhido pelo contribuinte.
 
O parcelamento das dívidas pelo abatimento indevido do ágio em fusões e aquisições pode ser incluído na MP 615, que está em tramitação no Congresso e trata de benefícios tributários aos produtores de álcool.
 
Caso não haja tempo suficiente, será feito via MP, assim como a norma que proibirá o abatimento do ágio em operações feitas a partir de 2014.
 
Operações que já estejam sendo amortizadas de acordo com as regras atuais continuarão seguindo as mesmas regras. A ideia é que as mudanças sejam aplicadas apenas às novas operações.
 
Autor (es): Leandra Peres, Edna Simão e Thiago Resende
Fonte: Valor Econômico