A figura do precatório surgiu na Constituição de 1934 como meio procedimental para pagamento das dívidas judiciais da Fazenda Federal. Nascia um símbolo da moralização dos pagamentos públicos.
Os débitos judiciais das Fazendas Municipais e Estaduais foram incluídos na Constituição de 1946, mas a existência de créditos destinados à quitação desses títulos continuava sob a decisão da Administração Pública.
Com a promulgação das cartas de 1967 e 1969, foram instituídos os critérios de pagamentos utilizados até hoje. Assim, os débitos referentes a precatórios incluídos no orçamento até o primeiro dia do mês de julho, deveriam ser pagos até o último dia do exercício seguinte, ou seja, dia 31 de dezembro.
Nesta esteira de evolução, o precatório ficou definido como o instrumento utilizado pelo Judiciário para requisitar ao poder público o pagamento de suas dívidas decorrentes de processo judicial transitado em julgado, observado o ano orçamentário.
Mas era necessário preencher algumas lacunas e a Constituição de 1988 aprimorou a sistemática de pagamento, trazendo no art. 100 novos critérios a serem observados, como a ordem cronológica e de preferência.
Com o passar dos anos, foram editadas as emendas constitucionais 30/2000, 62/2009 e 94/2006, que introduziram no art. 100 novas regras aos precatórios, destacando-se o §5º, que trata da atualização do valor precatado em caso de mora no adimplemento da obrigação pelo ente devedor.
A partir desta previsão constitucional, muito se discutiu acerca dos índices de atualização e a partir de quando estes consectários legais seriam devidos.
A sucessão harmônica de decisões pacificou o entendimento de que a correção monetária e os juros são devidos em dois períodos distintos: entre a data da conta de liquidação e a expedição do requisitório e entre esta última e o efetivo pagamento pelo ente devedor, havendo entre eles um intervalo de dezoito meses conhecido como período de graça constitucional, no qual não incidem juros de mora, somente correção monetária.
O direito à correção e atualização no primeiro período foi reconhecido pela tese fixada em sede de repercussão geral no Tema 96/STF, que julgou o RE 579.431, entendendo que, enquanto persistir o quadro de inadimplemento da Fazenda Pública, hão de incidir os juros da mora, o que, a toda evidência, compreende o período entre a data da elaboração dos cálculos e a da requisição.
É importante salientar que neste momento de atualização, os índices de correção e juros devem ser os mesmos utilizados na liquidação do crédito, ou, no entendimento atual, observado o caso concreto e a natureza da condenação, pelos índices fixados pelos Temas 905/STJ e 810/STF que, de maneira didática, encerraram as divergências e uniformizaram os parâmetros a serem utilizados nos cálculos.
O segundo período está entre a data da expedição do precatório, entendido como a data da requisição e o efetivo pagamento. Nesta etapa, os índices de atualização a serem utilizados são os fixados nos arts. 21 e ss., da Resolução 303/2019, editada pelo CNJ.
A questão, amplamente debatida nos tribunais superiores, deu azo à edição da Súmula Vinculante 17, aprovada em 29/10/20095 segundo a qual consignou-se a não incidência de juros entre requisição e vencimento da obrigação, leia-se: 01 de julho até 31 de dezembro do ano seguinte.
Com a promulgação da Emenda Constitucional 62/09, que incluiu o §126 no art. 100, da Constituição Federal, determinou-se a atualização de valores de requisitórios, após sua expedição até o efetivo pagamento, com a incidência de juros simples pelos índices da caderneta de poupança, o que colocou a súmula antes editada em xeque, levando à nova discussão da matéria no STF, desta vez em sede de repercussão geral, pelo Tema 1.037, que, por maioria de votos, no julgamento do leading case RE 1169289, os Ministros decidiram que o enunciado da Súmula Vinculante 17 não foi afetado pela superveniência da referida Emenda.
No julgamento prevaleceu o voto do Ministro Alexandre de Moraes, que entendeu que a expressão “após sua expedição, até o efetivo pagamento” se refere, exclusivamente, à atualização monetária, ou seja, à preservação do poder aquisitivo diante da inflação. Já em relação aos juros de mora, segundo o Ministro, “o §12 do artigo 100 apenas estabelece o índice que deverá ser utilizado, sem dispor, portanto, sobre o lapso temporal a que se refere“, mantendo o entendimento antes sumulado, de que não incidem juros de mora sobre os precatórios no chamado período de graça constitucional.
Feitas estas considerações sobre as fases de cálculos, é certo que, efetuado o adimplemento do precatório originário, é direito do credor conferir as contas, a fim de verificar se o pagamento encampou toda a obrigação devida e, havendo diferença a ser paga, esta deve ser apresentada ao juízo de origem, instruída com a planilha de cálculos, com escopo de executar este saldo remanescente.
Esta é a pretensão que faz nascer o precatório complementar, cujo objeto, como o próprio nome diz, é a requisição adicional à Fazenda Pública acerca da diferença pelo incorreto pagamento da obrigação anterior.
Parece um retrocesso, mas o que há de se ter em mente é que há bem pouco tempo nem mesmo esse direito era conferido ao exequente, e as perdas oriundas da inadimplência do devedor não podiam ser recuperadas.
A propósito, destaca-se que o prazo de requerimento de tal direito, segundo o entendimento fixado pelo STJ, prescreve em cinco anos, contados do pagamento da última parcela do precatório originário, nos termos do art. 1º, do Decreto 20.910/32.
Como visto, as teses dos Temas 96 e 1.037, ambos do STF – que reconheceram a incidência de juros de mora nos débitos contra a Fazenda Pública fixadas em 2018 e 2020, respectivamente, com a ajuda da Resolução 303, do CNJ, editada em 2019 – trouxeram uma resposta capaz de acender esperança ao credor, que há anos amarga o atraso do ente devedor no pagamento do precatório.
Sabe-se que a rapidez esperada da Fazenda Pública no pagamento dos débitos judiciais ainda é uma expectativa longínqua. Contudo, a partir da discutida evolução significativa nos últimos anos, garantiu-se ao credor o direito de recuperar as perdas obtidas de forma menos morosa, já que os índices de cálculos e o direito ao precatório complementar estão pacificados nos Tribunais Estaduais e Superiores.
Autora: Ana Rachel Mueller
Fonte: https://www.migalhas.com.br/depeso/350803/direito-do-credor-diante-da-mora-da-fazenda-publica