Recentemente, a 1ª Seção do STJ produziu três importantes precedentes sobre a tributação dos juros moratórios: (i) em 28 de setembro do ano passado decidiu-se que não incidiria “Imposto de Renda sobre os juros moratórios legais em decorrência de sua natureza e função indenizatória ampla” (Resp 1.227.133-RS); (ii) em 23 de novembro do mesmo ano, o precedente acima mencionado foi ajustado, de modo a esclarecer que aquela decisão se aplicaria apenas para os “juros moratórios legais vinculados a verbas trabalhistas reconhecidas em decisão judicial” (EDcl no Resp 1.1227.133-RS); e, por fim, (iii) em 10 de outubro deste ano, decidiu-se que a regra geral, em matéria trabalhista (art. 16 da Lei nº 4.506, de 1964), seria a incidência do Imposto de Renda sobre os juros de mora (Resp 1.089.720-RS).
Com base nesses precedentes, a mídia e algumas decisões de 1ª instância têm noticiado que o STJ teria definido, como regra geral, a incidência do imposto de renda sobre juros moratórios. No entanto, esse entendimento deve ser analisado com cautela, não podendo ser estendido para todas as espécies de juros.
Primeiramente, porque, nesses precedentes, o STJ examinou tão somente os juros fixados por decisão em processo trabalhista. Quanto à matéria trabalhista, há lei tributária (parágrafo único do art. 16 da Lei nº 4.506, de 1964) que determina a tributação, pelo Imposto de Renda, dos juros moratórios como se eles fossem rendimento do trabalho. Por outro lado, com relação às demais espécies de juros (juros previstos em contratos e juros utilizados na atualização de créditos tributários, por exemplo), não há lei tributária específica nesse sentido.
Na ausência dessa lei, cabe estudar a natureza jurídica de cada espécie de juros moratórios, com base na legislação do direito privado, conforme a melhor leitura do artigo 109 do Código Tributário Nacional.
Analisando-se a natureza jurídica dos juros pagos em atraso, em descumprimento de obrigações contratuais, por exemplo, faz-se pertinente o parágrafo único do art. 404 do Código Civil, segundo o qual “Provado que os juros da mora não cobrem o prejuízo, e não havendo pena convencional, pode o juiz conceder ao credor indenização suplementar“.
O STJ examinou somente juros fixados por decisão em processo trabalhista
Esse dispositivo estabeleceu uma presunção legal do caráter indenizatório dos juros previstos em contrato. Essa interpretação decorre da palavra “suplementar” constante desse artigo, na medida em que, se o juiz entender que os juros moratórios são insuficientes para reparar o dano, então ele poderia “suplementar” aquela indenização (juros de mora).
Com isso, a natureza dos juros moratórios contratuais tornou-se independente da natureza da obrigação principal, pois, mesmo que a obrigação principal não tenha natureza de indenização, os juros moratórios correlatos, por presunção legal, o terão.
Essa foi a conclusão do ministro Moreira Alves, eminente civilista que atuou como magistrado por quase três décadas no Supremo Tribunal Federal, em parecer inédito, recentemente proferido, com base na premissa de que, de acordo com o parágrafo único do art. 404 do Código Civil de 2002, os juros moratórios contratuais tem sempre a natureza jurídica de indenização, seja, ou não, esta a do capital sobre que incidem esses juros.
Observa-se que a referida presunção legal não contempla os juros fixados por decisão judicial (objeto dos precedentes do STJ acima mencionados), os quais têm base legal no art. 407 do Código Civil, que versa sobre os chamados “juros legais“. Ou seja, além de não ser objeto de lei específica, os juros de mora contratuais têm, de acordo com o Código Civil, natureza distinta dos juros legais, em análise nos precedentes do STJ.
Assim, por força de presunção legal, os juros moratórios contratuais não caracterizam acréscimo patrimonial, conforme previsto no art. 43 do Código Tributário Nacional, e não podem ser objeto de tributação pelo imposto de renda.
Mesmo que a referida presunção legal fosse desconsiderada, ainda assim, tais juros não poderiam ser tributados pelo imposto de renda. Isso porque os juros de mora contratuais servem apenas para recompor o patrimônio do credor, reparando a lesão causada pelo atraso do devedor. Essa lesão decorre da perda das oportunidades negociais surgidas enquanto o pagamento da obrigação não é realizado. Dada a dificuldade de se comprovar, caso a caso, o ocorrência dessa perda, melhor caminho seguiu o Código Civil de 2002, ao fixar tal presunção legal.
Como se vê, essas questões se distanciam bastante do debate, no STJ, relativo à natureza dos juros decorrentes de decisões proferidas em processos trabalhistas, seja pela natureza diferenciada, seja pela sua fundamentação.
Portanto, ainda não está definida, no STJ, a questão da tributação dos juros moratórios contratuais pelo imposto de renda, sendo um grave erro metodológico (olhando-se a parte como se fosse o todo) a utilização dos referidos precedentes judiciais para se examinar a tributação dessa espécie de juros. O equívoco na delimitação da amplitude dessas decisões pode prejudicar – sobretudo, em tempos de regime dos recursos repetitivos – a justa tributação da renda no Brasil.
Autores: Eduardo Borges e Leonardo Andrade são respectivamente, sócio e advogado do Prado Borges Advogados
Fonte: Valor Econômico